Tramitação

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. A Lei nº. 10.826, de 22 de dezembro de 2003, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 23-A:

Art. 23-A. Além do disposto no art. 23, as munições e seus insumos comercializados no País conterão marcadores químicos que otimizem a realização de perícia, sem prejuízo de outras tecnologias, conforme especificações definidas no regulamento desta Lei.

Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos quanto ao disposto no art. 1º após cento e oitenta dias.

J U S T I F I C A Ç Ã O

Recentemente vários meios de comunicação divulgaram uma inovação tecnológica desenvolvida por pesquisadores brasileiros, capaz de otimizar a realização dos tradicionais exames de balística a cargo dos peritos criminais, com a utilização de marcação química das munições.

A técnica foi desenvolvida por pesquisadores do Laboratório de Síntese e Análise de Produtos Estratégicos – LASAPE (www.lasape.iq.ufrj.br), do Instituto de Química da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Esta inovação tecnológica não se trata de feito único do LASAPE, que outrora desenvolveu o “luminol brasileiro”, hoje distribuído à Polícia Civil fluminense, poupando ao Estado milhares de reais com a importação do congênere estadunidense, que é bem mais caro.
A nova contribuição tecnológica do LASAPE, a “marcação química”, foi o desenvolvimento de sínteses e identificação de corantes fluorescentes e não fluorescentes, ambos imperceptíveis ao olho humano na luz visível ambiente, mas detectável com o uso de luzes especiais. Ou seja, criou-se um “DNA químico”.
Testes realizados na Academia de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, com quinhentos cartuchos, pólvora e projéteis marcados quimicamente, identificou a posição do atirador no momento do disparo, pessoas a ele próximas, os alvos transfixados na trajetória do tiro e o trajeto do projétil no alvo que simulava uma vítima humana – sem deixar marcas visíveis a olho nu – constituindo excepcional ferramenta à realização das perícias técnicas criminais.
Por essas características, tal marcação poderá ser adicionada nas munições destinadas aos batalhões da Polícia Militar, às delegacias da Polícia Civil, aos clubes de tiro, às empresas de segurança privada, aos civis e às Forças Armadas, permitindo minimizar o terrível problema da “bala perdida”, pondo fim à impunidade em inúmeros casos de crime contra a vida.

Essa tecnologia também foi recebida com grande entusiasmo por técnicos do Comando do Exército, após testes realizados no Centro de Avaliações do Exército (CAEx), cuja missão é a de orientar, planejar, coordenar, controlar e executar a avaliação técnica e operacional de sistemas e materiais de emprego militar, dentre os quais armamento e munição.
A adição do produto é feita na pólvora, no estojo e no projétil e a tecnologia pode ser aplicada em diversos tipos de munições para armas de fogo e seus respectivos insumos, especialmente aqueles empregados pelos órgãos de segurança pública dos Estados e pelas Forças Armadas brasileiras.
Assim, a par da análise imediata no local do evento, bastando a utilização de equipamento portátil de luz ultravioleta especial, o método cria outras possibilidades extremamente úteis para a análise laboratorial, tornando possível identificar, de forma segura, a procedência da munição, a arma utilizada, o autor do disparo e a sua trajetória no corpo da vítima.
Por esse método é possível utilizar variada combinação de cores, gize-se, imperceptíveis ao olho humano, e identificar, por exemplo, se o disparo foi realizado por policial ou, ainda, grupamento ao qual tenha sido distribuído um lote específico de munição para emprego em determinada operação e, até mesmo, localizar o estabelecimento no qual a munição foi adquirida.
O método de marcação hoje empregado, de aposição de código de barra nas embalagens, no caso de venda ao público em geral, e nas cápsulas, nas munições adquiridas pelas forças de segurança pública, é totalmente insipiente, pois além de fácil remoção, não fornece informações adicionais às perícias técnicas. Sem a embalagem ou a cápsula o sistema é inútil e a violência grassa.

Aliás, a questão da violência no Brasil possui terríveis contornos, boa parte decorrente do aumento das ocorrências e a impossibilidade dos órgãos de segurança pública de as elucidarem. O estudo anual “Mapa da Violência” (http://www.sangari.com/mapadaviolencia/), resultado da colaboração entre o Ministério da Justiça do Brasil e o Instituto Sangari, busca contribuir para a compreensão desse desafio que é o enfrentamento da violência, fenômeno que vem transformando diariamente a sociedade.
Baseados em informações da Organização Mundial da Saúde, constantes da base de dados “World Health Organization Statistical Information System – WHOSIS”, sobre mortalidade nos países membros, o “Mapa 2011” coloca o Brasil na condição de sexto país, com maior taxa de homicídios, seja em números totais ou de jovens. Isto em uma lista de cem (Mapa, p. 68/69). Pior que essa lúgubre liderança é a constatação que lhe antecede, confira-se:

“Chamam a atenção os elevados índices do Brasil. Se em anos anteriores já esteve em situação ainda menos confortável, encabeçando o ordenamento em alguns capítulos ou ocupando um dos três primeiros lugares, sua queda para sexto lugar tanto nas taxas totais quanto nas juvenis deveu-se mais a uma forte eclosão de violência em países da América Central do que a quedas em seus próprios índices. Regionalmente, os países da América Latina, incluindo o Caribe, destacam-se pelos seus elevados índices de violência homicida. Os quatro primeiros lugares nas taxas do total da população correspondem a países da região, e prevalecem quando olhamos os 10 primeiros lugares.”.

Realmente os números da violência no Brasil impressionam pela magnitude. No ano de 2008, com todas as quedas derivadas da “Campanha do Desarmamento” e de diversas iniciativas estaduais, aconteceram mais de cinquenta mil homicídios, nível semelhante ao pico de cinquenta e um mil homicídios de 2003 (“Mortes matadas por armas de fogo 1979-2003”; Brasília; UNESCO; 2004). Esse número equivale a cento e trinta e sete vítimas diárias. Mais que um “Massacre do Carandiru” por dia do ano, tragédia que em outubro de 1992 deixou um saldo de cento e onze mortos.
Já na década de 1998/2008 morreram no Brasil exatamente 521.822 pessoas vítimas de homicídio, quantitativo que excede, largamente, o número de mortes da maioria dos conflitos armados registrados no mundo (Mapa, p. 24). Sem contar os casos de desaparecimento do corpo da vítima.
Mais especificamente quanto número de homicídios causados por armas de fogo, que convém à justificativa para a apresentação deste Projeto, devem ser consultadas as informações do “Subsistema de Informações sobre Mortalidade – SIM”, do Banco de Dados do Sistema Único de Saúde – DATASUS, compilados na pesquisa publicada com o patrocínio da UNESCO e intitulada “Mortes Matadas por Armas de Fogo no Brasil – 1979/2003”.
Como a legislação brasileira impede o sepultamento sem a certidão de registro de óbito correspondente e esse registro deve ser feito à vista de atestado médico ou, na falta de médico na localidade, por duas pessoas qualificadas que tenham presenciado ou constatado a morte, suas informações são preciosas para dimensionar os homicídios por armas de fogo. Os registros do SIM permitem verificar que:

“(…) entre 1979 e 2003, acima de 550 mil pessoas morreram no Brasil resultado de disparos de algum tipo de arma de fogo, num ritmo crescente e constante ao longo do tempo. Nesses 24 anos, as vítimas de armas de fogo cresceram 461,8%, quando a população do país cresceu 51,8%6. Mas todo esse crescimento, que engloba situações diferentes, foi puxado pelos homicídios com armas de fogo, que cresceram 542,7% no período, enquanto os suicídios com armas de fogo cresceram 75% e as mortes por acidentes com armas caíram 16,1%.” (“Mortes Matadas” p. 11)

Mas tão alarmante quanto o crescimento do número de homicídios é o de ocorrências sem solução, consoante levantamento realizado pelo Grupo de Persecução Penal da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública.
Criado em fevereiro de 2010, a ENASP resultou de parceria entre Conselhos Nacionais do Ministério Público (CNMP), de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça (MJ), com o objetivo de promover a articulação dos órgãos responsáveis pela segurança pública, reunir e coordenar as ações de combate à violência, além de traçar políticas nacionais na área. Segundo avaliação desse Grupo, divulgada em novembro de 2010, dos inquéritos sobre homicídios abertos até dezembro de 2007 pelas polícias civis de todo País, pelo menos 63.106 estavam inconclusos. Em sua maioria, são ocorrências de assassinato nas quais não foi possível comprovar a autoria e, por isso, os culpados estão sem qualquer punição. Impunidade: eis a causa do aumento da criminalidade.

Os campeões no ranking dos assassinatos não solucionados foram Paraná, com 9.281 casos; Espírito Santo, com 8.893; Rio de Janeiro, com 8.524; Bahia, com 6.903; e Minas Gerais, com 5.419. E essa situação pode ser ainda muito pior, já que seis Estados e o Distrito Federal não repassaram informações para o levantamento e outros encaminharam apenas dados parciais.
No âmbito dessas ocorrências uma peculiaridade desperta especial atenção pela banalidade de sua recorrência, a indeterminação de suas vítimas e a repercussão depreciativa. Trata-se das vítimas de “balas perdidas”, que há muito deixaram de ser novidade nos noticiários.
Para que se tenha uma dimensão dessa tragédia, citamos o relatório oficial de estatística sobre bala perdida divulgado pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), autarquia vinculada à Secretaria de Estado de Segurança (SESEG) do Estado do Rio de Janeiro, segundo o qual em janeiro de 2007 foi registrada a média de uma vítima por dia por esses projéteis.
Não bastasse, tanta desgraça é por vezes agravada pela imputação da responsabilidade por esses assassinatos às forças policiais, o que acicata o sentimento de insegurança e de descrédito na população.
Por fim, a limitação dos meios de investigação a cargos da polícia judiciária ganhou vulto por conta da notícia divulgada no último mês de setembro, dando conta de que no Estado do Rio de Janeiro foram arquivados nos últimos quatro meses 6.447 inquéritos. No País seriam 11.282 inquéritos arquivados contra apenas 2.194 denúncias oferecidas pelo Ministério Público, fato intolerável que nos expõe de forma vergonhosa perante a comunidade internacional e afugenta aplicação de investimentos no País.

É consenso que a investigação criminal no Brasil é precária, gerando a impunidade que alimenta o crescimento monstruoso da violência. Pois agora podemos dispor de uma ferramenta hábil e adequada às nossas possibilidades, fruto da engenhosidade de nossos cientistas, restando a nós a tarefa de dar efetividade a sua implantação, razão pela qual espero o apoio dos nobres Congressistas para a rápida provação deste Projeto.

Sala das Sessões,

Senador MARCELO CRIVELLA