Altera o disposto no art. 84 da Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), para extinguir o benefício da prisão especial por força da condição socioeconômica do preso, e dá outras providências.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º O art. 84 da Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984 (Lei de Execução Penal), passa a vigorar acrescido dos seguintes §§ 3º e 4º:
“Art. 84. ………………………………………………………….
……………………………………………………………………….
§ 3º. O preso provisório ou condenado por decisão irrecorrível, que em razão do delito cometido, da natureza de sua ocupação e nos demais casos reconhecidos por decisão judicial, possa ter a sua integridade física, moral ou psicológica ameaçada, ficará em cela separada, individual ou coletiva, ou em estabelecimento próprio que, comprovadamente, garanta sua integridade.
§ 4º. Salvo os casos previstos nesta Lei, durante a detenção ou cumprimento da pena nenhum preso poderá gozar de regalia não extensível aos demais presos em mesma condição. (NR)”
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 3º Ficam revogados o art. 295, incisos I a XI e o art. 437, ambos do Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941; o artigo 665, do Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943; a Lei nº. 2.860, de 31 de agosto de 1956; a Lei nº. 3.988, de 24 de novembro de 1961; a Lei nº. 5.606, de 9 de setembro de 1970; o inciso III do art. 19, da Lei nº. 7.102, de 20 de junho de 1983; a Lei nº. 7.172, de 14 de dezembro de 1983; o § 2º do art. 84 e o § 3º, do art. 106, ambos da Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984; o art. 135 da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990; o inciso V, do art. 40 da Lei nº. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993; e o inciso V, do art. 7º da Lei nº. 8.906, de 04 de julho de 1994.

J U S T I F I C A Ç Ã O

Em nada obstante a nossa compreensão de que, em louváveis hipóteses, tem-se como justificável a concessão do benefício da “prisão especial”, quando o convívio com a população carcerária pode ensejar situações de desfecho funesto, cremos ser absurda a concessão generalizada que hoje se faz, por exemplo, a professores de primeiro e segundo graus (Lei nº. 7.172, de 14 de dezembro de 1983) e ao empregado no exercício de representação profissional (artigo 2º, da Lei nº. 2.860, de 31 de agosto de 1956). O direito a prisão especial, advindo da época em que as condições de habitabilidade dos estabelecimentos prisionais conseguiam ser piores do que as atuais, exsurge como resquício indesejável de uma cultura preconceituosa e discriminatória, que sempre esteve presente na sociedade brasileira: a cultura dos “bacharéis”, dos “doutores”, dos “coronéis” e dos filhos das famílias abastadas, prováveis instituidores do execrável bordão do “sabe com quem você está falando?”.

A nossa Constituição consagra o princípio da igualdade, princípio esse que para muitos é a própria idéia básica da democracia. Encartado no caput do art. 5º, no Título “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, ele é assegurado pela fórmula de que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”. Mas o tratamento discriminatório que a hoje a lei dá ao tema não se coaduna com tal assertiva. A par de representar discriminação odiosa, por sua amplitude injustificável, a prisão especial também estimula que o Estado permaneça descumprindo a lei quanto a aspectos relacionados a condições materiais das prisões e de assistência ao detento, pois reserva apenas à “plebe” as quase masmorras das carceragens, destinando as acomodações especiais para aqueles com maior poder de protesto. Por essas razões entendemos ser imperioso eliminar esse estigma da legislação pátria.

Dês a promulgação do Código de Processo Penal, em 1941, o recolhimento à “prisão especial” ou às “salas especiais” se encontra previsto no copioso elenco do seu art. 295, sendo regulamentado pelo Decreto nº. 38.016, de 5.10.55, diploma este revogado pelo Decreto nº. 11, de 18 de janeiro de 1991, subscrito pelo ex-Presidente Fernando Collor. Afora o rol do art. 295, inúmeras categorias profissionais já tinham ou conquistaram esses privilégios com o passar dos anos, passando a ter o direito de terem os seus membros, quando presos cautelarmente, recolhidos a prisão especial, como, à guisa de exemplo, destacamos:
– Comerciantes matriculados – Decreto nº. 2.592, de 12 de agosto de 1915 (art. 71) ;
– Vigilantes Municipais do antigo Distrito Federal – Decreto-lei nº. 8.209, de 23 de novembro de 1945;
– Oficiais da Marinha Mercante Nacional que já tiverem efetivamente exercido posição de comando – Lei nº. 799, de 1º de setembro de 1949 ; 8
– Dirigentes e Administradores Sindicais – Lei nº. 2.860, de 31 de agosto de 1956 (arts. 1º e 2º);
– Servidores do Departamento Federal de Segurança Pública – Lei nº. 3.313, de 14 de novembro de 1957 (art. 1º, inc. I e §1º);
– Pilotos de Aeronaves Mercantes Nacionais – Lei nº. 3.988, e 24 de novembro de 1962 (art. 1º);
– Policiais Civis do Distrito Federal e da União – Lei nº. 4.878, de 3 de dezembro de 1965);
– Funcionários da Polícia Civil dos Estados e Territórios – Lei nº. 5.350, de 6 de novembro de 1967 (art. 1º);
– Professores de 1º e 2º Graus – Lei nº. 7.172, de 14 de dezembro de 1983 (art. 1º).
Do exame dessa lista exemplificativa podemos concluir que o tratamento distintivo que foi adotado leva mais em consideração o status cultural e/ou a atividade social desenvolvida pela pessoa presa, do que uma justificativa natural e razoável. Podemos afirmar mesmo, que em alguns casos essa distinção é arbitrária e caprichosa.

Por isso, concebemos que ao invés de manter a previsão exaustiva de beneficiários da “prisão especial”, se deva considerar apenas a condição de “preso especial”, o que pretendemos por acréscimo dos §§ 3º e 4º ao art. 84 da Lei nº. 7.210/1984, objeto do art. 1º desta proposição, e a revogação dos dispositivos relacionados em seu art. 2º. Assim, será considerado “preso especial” somente aquele que, por força da natureza de sua ocupação ou de outras circunstâncias específicas, a serem aferidas pelo juiz, possa ser exposto a risco extremo, caso submetido ao aprisionamento coletivo. Hoje, a prisão especial é assegurada ao preso provisório sem condenação anterior e que figure da relação dos privilegiados por lei. A única exceção é feita ao condenado que ao tempo da prática do crime era funcionário da administração da justiça criminal (art. 106, § 3º, da Lei nº. 7.210/84), exceção essa que também pretendemos ver revogada, para deixar a cargo do juiz da execução a tarefa de aferir a concreta necessidade do tratamento diferenciado.

O preso provisório, independentemente de sua condição social, não deveria receber tratamento legal igual ao concedido ao condenado. Protegê-lo de constrangimento certo, quando poderá ter a sua inocência provada ainda na fase da investigação, deveria ser objetivo primordial da lei. Mas não é. Tanto o Decreto-Lei nº. 3.689/1941 (CPP), como vários outros dispositivos legais, prevêem hipóteses protecionistas justificadas apenas pela condição sócio-econômica do preso. Importante salientar que a proteção geral ao preso provisório e ao condenado não reincidente já é assegurada pela Lei nº. 7.210/84, a saber:
“Art. 84. O preso provisório ficará separado do condenado por sentença transitada em julgado.
§ 1°. O preso primário cumprirá pena em seção distinta daquela reservada para os reincidentes.
Contudo, através de uma abundância de dispositivos legais, tal direito à prisão especial foi sendo estendido à inusitadas categorias profissionais. Por isso, entendemos necessário aperfeiçoar essa legislação, optando por uma alteração que alcance todos aqueles presos e condenados sem reincidência, que por razões profissionais, por força do delito pelo qual responde ou cumpre pena, ou de outras circunstâncias peculiares a serem aferidas mediante prudente arbítrio do juiz, não devam, sob pena de risco a sua integridade física, conviver com outros acusados ou condenados.
Com a extinção do conceito da “prisão” ou de “sala especial”, de certo se esvaziarão as intermináveis pendências jurídicas objetivando fixar o seu alcance, a extensão e suas condições. Para tanto, há que se proceder à revogação dos dispositivos apontados pelo art. 2º desta proposição, a saber:
a) do art. 295, do Decreto-Lei nº. 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), que traça o elenco de alguns dos beneficiários da prisão especial ou recolhimento a sala de estado-maior das organizações militares, a saber: os ministros de Estado; os governadores ou interventores de Estados ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários, os prefeitos municipais, os vereadores e os chefes de Polícia; os membros do Parlamento Nacional, do Conselho de Economia Nacional e das Assembléias Legislativas dos Estados; os cidadãos inscritos no “Livro de Mérito” (Decreto-Lei nº. 1.706/79); os oficiais
das Forças Armadas e os militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios; os magistrados; os diplomados por qualquer das faculdades superiores da República; os ministros de confissão religiosa; os ministros do Tribunal de Contas; os cidadãos que já tiverem exercido efetivamente a função de jurado (art. 437, do mesmo Código); os delegados de polícia e os guardas-civis dos Estados e Territórios, ativos e inativos;
b) do artigo 665, do Decreto-Lei nº. 5.452, de 1º de maio de 1943 (CLT), que estende o privilégio aos vogais das antigas Juntas Trabalhistas e seus suplentes;
c) da Lei nº. 2.860, de 31 de agosto de 1956, que estende o beneficio da prisão especial para os dirigentes de entidades sindicais e para o empregado no exercício de representação profissional ou no cargo de administração sindical;
d) da Lei nº. 3.988, de 24 de novembro de 1961, que estende aos pilotos de aeronaves mercantes nacionais a regalia da prisão especial;
e) da Lei nº. 5.606 de 9 de setembro de 1970, que outorga a regalia aos oficiais da Marinha Mercante;
f) do inciso III, do artigo 19, da Lei nº. 7.102, de 20 de junho de 1983, que a garante aos guardas de vigilância privada;
g) da Lei nº. 7.172, de 14 de dezembro de 1983, que a concede aos professores do ensino de 1º e 2º graus;
h) do § 2º do art. 84 e § 3º, do art. 106, ambos da Lei nº. 7.210, de 11 de julho de 1984, que a garantem ao preso provisório e ao condenado, respectivamente, que ao tempo da prática do crime era funcionário da administração da justiça criminal;
i) .do artigo 135, da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 (ECA), que concede o benefício aos conselheiros dos Conselhos Tutelares;
j) do artigo 7º, V, da Lei n. 8.906, de 04 de julho de 1994 (Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil).
Ressalte-se, que mesmo com a revogação proposta para o art. 295 e incisos do Decreto-Lei nº. 3.689/1941 (CPP), que inclui os magistrados, ainda lhes restará preservada, por ora, essa garantia, como também aos juízes de paz, por força do que dispõem os arts. 33, inciso III, e 112, § 2º, respectivamente, da Lei Complementar nº. 35/1979 (“Dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional”).

De igual forma, fica preservado, também por ora, o direito de recolhimento em sala especial aos membros do Ministério Público, por força do disposto no art. 20, inciso VII, da Lei Complementar nº. 40, de 14 de dezembro de 1941 (“Estabelece normas gerais a serem adotadas na organização do Ministério Público estadual.”) e do art. 40, inciso V, da Lei nº. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (“Institui a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências.”)
Por estar convencido de que essa iniciativa, além de constituir grande contribuição para que se dispense ao cidadão tutelado tratamento mais isonômico, irá promover uma verdadeira “purificação legislativa”, é que espero contar com a colaboração dos Nobres Senadores, Senadoras, Deputados e Deputadas para a sua rápida aprovação.

Sala das Sessões,
Senador MARCELO CRIVELLA