“Dispõe sobre a obrigatoriedade de patrocínio, pela União, de traslado de corpo de brasileiro de família hipossuficiente falecido no exterior.”
O CONGRESSO NACIONAL decreta:
Art. 1º No falecimento de nacional brasileiro no exterior, integrante de família hipossuficiente, declarada nos termos da regulamentação desta Lei, a União será responsável por todas as providências, inclusive as que se fizerem necessárias junto ao governo estrangeiro, para viabilização do traslado do corpo até ao local, no território nacional, onde se realizará seu funeral.
Art. 2º Caso que seja necessário o funeral no exterior, a União assegurará a até dois membros da família o transporte ao local de sua realização e o retorno ao país.
Art. 3º. As despesas decorrentes da aplicação desta Lei correrão à custa de dotação definida no orçamento do Ministério das Relações Exteriores.
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos a partir do primeiro dia do exercício financeiro subseqüente.
J U S T I F I C A Ç Ã O
Ainda que não a aceitemos como parte do propósito salvífico de Deus, a morte faz parte da vida como a vivemos em nossa presente condição. Assim, a comunidade que festeja nascimento, batismo, bodas e etc., não pode estar ausente quando a vida chega ao fim. O sepultamento é um ato comunitário, quando toda a comunidade é desafiada a enterrar com dignidade os mortos e consolar os enlutados. Sendo a dignidade da pessoa humana não só um direito fundamental, mas também um dos cinco pilares em que se assenta o nosso Estado Democrático de Direito, ela deverá ser garantida em todas as situações da vida, e até na morte.
Neste caso, também está em jogo o direito à integridade moral dos familiares, direito protegido pela Constituição nos incisos V e X do seu art. 5º. Há também de ser considerado o abalo moral causado pelo sofrimento psíquico pela dor suportada por quem não pode enterrar ente familiar. A legislação e a prática em vigor não encontram apoio na Constituição. Tal descompasso vem sendo sanado, em alguns casos, pela ação do Ministério Público e do Poder Judiciário, em sede de suas competências, o que, entretanto, não promove o suporte amplo e genérico que só a lei propicia. O direito de manifestação do luto: de viver com a dor da ausência do parente morto, de poder velar o que foi seu corpo, de ter um lugar para ir e chorar a saudade, decorre do direito à vida com dignidade contemplado na Constituição. Por essa razão, esse direito não pode ser negado aos brasileiros que são pobres e não dispõem de recursos financeiros para arcar com os custos do traslado do corpo ou dos restos mortais do parente brasileiro falecido no exterior.
É direito dos familiares enterrarem seus mortos e é obrigação do Estado brasileiro proporcionar os meios necessários ao seu exercício, pois a dignidade do cidadão é revelada nas formas de exercício do direito de viver. Por elas se expressam as manifestações individuais ou coletivas pelas quais os integrantes da sociedade valorizam, resguardam e transmitem os valores essenciais ao desenvolvimento das atividades e das relações cotidianas, com a finalidade de preservação da sua vida e dos seus entes mais próximos. A Constituição atribui importância aos modos de viver e em seu art. 216, II, indica que alguns dos modos de viver se enquadram na conceituação de bens merecedores de tutela diferenciada, como patrimônio cultural brasileiro. Nessa perspectiva, o luto é uma manifestação sócio-cultural que expressa o ritual de despedida aos mortos e integra a memória coletiva da sociedade brasileira. Essa manifestação de despedida aos mortos é reflexo do direito à vida.
O dever de respeito aos mortos, e a reverência a sua memória pelos entes queridos, é que justifica a existência de comandos punitivos para as condutas atentatórias ao respeito a eles devidos. Com efeito, Decreto-Lei nº. 2.848, de 07 de dezembro de 1940 (“Código Penal”), reserva todo um Capítulo a essa salvaguarda, dentre os quais se destaca o artigo 209, que penaliza a ação de impedir ou perturbar enterro ou cerimônia funerária. A previsão de amparo aos necessitados e promoção de assistência e proteção a brasileiros, no caso de falecimento no exterior, consta do Regulamento Consular, na 6ª Seção, Capítulo 3º, do Manual de Serviço Consular e Jurídico. Entretanto, nele é previsto que as despesas de sepultamento, cremação, embalsamento e de transporte de restos mortais devem correr por conta da família do falecido (item 3.6.4), daí a recusa da União em arcar com tais despesas.
Na dimensão positiva, o luto deve ser tutelado pelo Poder Público – não importando se a morte ocorre dentro ou fora do nosso País. A postura do Poder Público em relação ao luto deve ser de proporcionar todos os meios para que os familiares possam exercê-lo, de acordo com a perspectiva dos valores e princípios estabelecidos constitucionalmente para o exercício do direito à vida com dignidade. Por ser de inteira justeza a pretensão das famílias enlutadas, que encontram suporte na Constituição, mas para qual, infelizmente, resistem óbices na regulamentação infra-constitucional, propomos o presente projeto de lei, que esperamos suprirá tal incongruência e para o qual esperamos o apoio dos ilustres pares do Congresso Nacional.
Sala das Sessões,
Senador MARCELO CRIVELLA