Da COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO, JUSTIÇA E CIDADANIA, em decisão terminativa, sobre o Projeto de Lei do Senado nº 396, de 2003, que acrescenta inciso IV ao art. 44 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), para incluir as organizações religiosas como modalidade de pessoa jurídica de direito privado.

 

RELATOR: Senador MARCO MACIEL

I – RELATÓRIO

Esta Comissão examina, em decisão terminativa, o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 396, de 2003, apresentado, em 18 de setembro de 2003, pelo eminente Senador Marcelo Crivella. O projeto tem apenas dois artigos. O primeiro se propõe a acrescentar inciso IV ao art. 44 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para incluir entre as pessoas jurídicas de direito privado as organizações religiosas. O segundo carreia a cláusula de vigência imediata da proposta.
Em sua justificação, pondera o eminente autor do projeto que, embora alguns civilistas incluam as igrejas no amplo conceito de associações, porquanto se constituem numa união organizada de pessoas para fins não econômicos, há outros doutrinadores que defendem a inaplicabilidade das normas concernentes à criação, organização, funcionamento e extinção das associações às organizações religiosas, pois haveria, in casu, nefasta interferência estatal no livre exercício dos cultos religiosos.

No prazo regimental, não foram oferecidas emendas ao projeto.

 

II – ANÁLISE

O PLS nº 396, de 2003, não apresenta vício de regimentalidade, conforme exame autorizado pelo art. 101, incisos I e II, d, do Regimento Interno desta Casa (RISF), que atribui à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania competência para opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade das matérias que lhe são submetidas, especialmente, no mérito, sobre direito civil, em que se enquadra o objeto da proposição.

Quanto aos requisitos formais e materiais de constitucionalidade, nada há a opor ao PLS nº 396, de 2003, tendo em vista que compete privativamente à União legislar sobre direito civil, a teor do disposto no art. 22, inciso I, da Constituição, bem como por não ter sido deslustrada cláusula pétrea alguma. Ademais, a matéria se insere no âmbito das atribuições do Congresso Nacional, em conformidade com o caput do art. 48 da Carta Magna, sendo livre a iniciativa parlamentar.
Examinando com atenção os termos do projeto, bem como as razões que o justificam, verificamos que, em que pese à altivez de sentimento que o qualifica, a modificação sugerida ao Código Civil apresenta insolúvel problema de injuridicidade, o qual passamos a abordar.

Como se sabe, a juridicidade de uma norma pode ser aferida com esteio nos seguintes critérios: a) adequação do meio eleito ao alcance dos objetivos vislumbrados; b) generalidade normativa, que exige sejam destinatários do comando legal um conjunto de casos submetidos a um comportamento normativo comum; c) inovação ou originalidade da matéria, em face das normas jurídicas em vigor; d) coercitividade potencial; e e) compatibilidade com os princípios diretores do sistema de direito pátrio ou com os princípios especiais de cada ramo particular da ciência jurídica.

Feitos tais esclarecimentos, passemos à análise do projeto relativamente ao tópico de juridicidade.

De fato, a inovação alvitrada pelo ilustre proponente esbarra no quesito da originalidade, porquanto a inclusão das organizações religiosas no rol das pessoas jurídicas de direito privado, por meio do acréscimo do inciso IV ao art. 44 do Código Civil, em nada contribui ao aperfeiçoamento do sistema privado de direito pátrio. Realmente, impende destacar que, alguns meses após a apresentação do projeto ora em exame, a Lei nº 10.825, de 22 de dezembro de 2003, que deu nova redação aos arts. 44 e 2.031 do Código Civil, em seu art. 2º, engendrou exatamente o mesmo acréscimo que ora se pretende com o projeto em exame. Vejamos agora o que diz o mencionado art. 2º, in verbis:

Art. 2o Os arts. 44 e 2.031 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 44………………………………………………………….
……………………………………………………….

IV – as organizações religiosas;

V – os partidos políticos.

§ 1o São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.

§ 2o As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do Livro II da Parte Especial deste Código.

§ 3o Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica.” (NR)

“Art. 2.031………………………………………..

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica às organizações religiosas nem aos partidos políticos.” (NR)

Em outro aspecto, a nova redação alvitrada para o art. 44 do Código Civil, por meio da inclusão do § 1º, aperfeiçoou o texto normativo em vigor, deixando claro que foi concretizada a vontade do eminente proponente. De fato, as organizações religiosas passaram a constituir nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado, diferenciada das associações, e, por conseqüência, não se submetem às disposições contidas nos arts. 53 a 61 do Código Civil, como defendeu o ilustre autor na justificação.

III – VOTO

Diante de todo o exposto, votamos pelo arquivamento do Projeto de Lei do Senado nº 396, de 2003.

 

Sala da Comissão,

, Presidente

Senador MARCO MACIEL, Relator