Acrescenta um artigo 244-B, na Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1.990 (“Estatuto da Criança e do Adolescente”), para criminalizar a prática remunerada de ato libidinoso ou conjunção carnal com criança ou adolescente.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. A Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1.990, passa a viger acrescida do artigo 244-B seguinte:
“Art. 244-B. Praticar com criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, ato libidinoso ou conjunção carnal, ainda que mediante consentimento ou remuneração. Pena – reclusão, de dois a seis anos, e multa. § 1º. Incorrem nas mesmas penas o proprietário, o gerente ou o responsável pelo local em que se verifique as práticas referidas no caput deste artigo. § 2. Constitui efeito obrigatório da condenação a cassação da licença de localização e de funcionamento do estabelecimento. (NR)”
Art. 2º. Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação. 

J U S T I F I C A Ç Ã O

Uma onda de indignação percorreu o País, após o anúncio de que o Superior Tribunal de Justiça, confirmando acórdão do Tribunal de Justiça mato-grossense, manteve, por unanimidade, a absolvição de réus acusados de exploração de sexual de duas meninas, que a época do fato contavam doze e treze anos de idade.
A Corte Superior baseou-se no fato de que as crianças praticavam habitualmente o meretrício e de que os acusados mantiveram relações com elas após encontro fortuito. Dessa forma, baseada em precedentes, a sua Quinta Turma entendeu não restar configurada a hipótese prevista no art. 244-A da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1.990 (“Estatuto da Criança e do Adolescente”), a saber: “Art. 244-A. Submeter criança ou adolescente, como tais definidos no caput do art. 2o desta Lei, à prostituição ou à exploração sexual: Pena – reclusão de quatro a dez anos, e multa.”

Dessa forma, os ministros do STJ optaram pela literal interpretação do dispositivo e, como não se imputou aos réus a prática do proxenetismo, absolveu-os, gerando críticas de membros do próprio Poder Judiciário, de representantes do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente – CONANDA, enfim, dos mais variados setores da sociedade. Disso, o que se constata é a ausência ou imprecisão da tipificação sobre a prática do ato libidinoso e/ou conjunção carnal consensual remunerada envolvendo menores de idade. Por isso, decidimos criar novo tipo penal no Estatuto da Criança e do Adolescente, por acréscimo de um art. 244-B, para punir a prática consensual de ato libidinoso e/ou a conjunção carnal envolvendo menores, mediante paga ou não.

Por ato libidinoso temos por abarcadas ações de diferentes níveis, nas quais se inserem dês os contatos voluptuosos e os beijos lascivos, até as práticas sexuais diversas do coito vagínico, este designado “conjunção carnal”. Assim fizemos nos louvando no escólio do eminente membro do Ministério Público e professor de Direito Penal e Processual Penal, FERNADO CAPEZ, que em seu “Curso de Direito Penal” (Parte especial, Dos crimes contra os costumes à dos crimes contra a Administração Pública, v. 3, 4ª ed., SP, Saraiva, 2006, p. 28), define: “Ato libidinoso é aquele destinado a satisfazer a lascívia, o apetite sexual. Cuida-se de conceito bastante abrangente, na medida em que compreende qualquer atitude com conteúdo sexual que tenha por finalidade a satisfação da libido. [fusion_builder_container hundred_percent=”yes” overflow=”visible”][fusion_builder_row][fusion_builder_column type=”1_1″ background_position=”left top” background_color=”” border_size=”” border_color=”” border_style=”solid” spacing=”yes” background_image=”” background_repeat=”no-repeat” padding=”” margin_top=”0px” margin_bottom=”0px” class=”” id=”” animation_type=”” animation_speed=”0.3″ animation_direction=”left” hide_on_mobile=”no” center_content=”no” min_height=”none”][…] Exige a lei, no entanto, para o crime em tela, que o ato seja diverso da conjunção carnal […] Por exemplo: agente que realiza masturbação na vítima, introduz o dedo em seu órgão sexual, introduz instrumento postiço em seu órgão genital, realiza coito oral etc.”

Antecipamos-nos às eventuais especulações contrárias a essa criminalização da mercancia sexual, à qual a mencionada decisão do STJ se refere como “(…) uma conduta que hoje não pode ser considerada como crime (…)” (REsp. nº. 820.018 – MS), com o argumento de que é intolerável e insustentável a suposição de que um menor possa exercer, com a tolerância do Estado, a ocupação do meretrício. Ora, ainda que nos abstenhamos das considerações éticas, morais e humanitárias que envolvem o tema, para nos ocuparmos apenas do formalismo e da fria literalidade da lei, não há como descurar que a legislação pátria é rígida no tocante ao trabalho do menor. Com efeito, ao art. 7º, XXXIII, da Constituição Federal proíbe “(…) trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;”. 

Mesmo que se cogitasse do exercício da “ocupação” de michê – não de “profissão”, como afirmado pelo STJ –, essa permissividade à venda de sexo por menores seria inadequada. A Classificação Brasileira de Ocupações, a cargo do Ministério do Trabalho e Emprego, elaborada em 1977, como resultado do convênio firmado entre o Brasil e a Organização das Nações Unidas, por intermédio da Organização Internacional do Trabalho/OIT, no Projeto de Planejamento de Recursos Humanos (Projeto BRA/70/550), tendo como base a Classificação Internacional Uniforme de Ocupações/CIUO, de 1968, ao se pronunciar sobre o tema restringe essa ocupação aos maiores de dezoito anos de idade. Mas a abordagem das questões de natureza ética, moral e humanísticas envolvidas é incontornável. E foram elas que culminaram na celebração de tratados internacionais de direitos humanos visando a proteção da criança e do adolescente. Dentre estes, a “Declaração dos Direitos da Criança”, adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil:

“ASSIM, A ASSEMBLÉIA GERAL PROCLAMA esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as melhores em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam estes direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os seguintes princípios: 

(…) PRINCÍPIO 9º – A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma. Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral.” Não bastasse, também a Constituição Federal proscreve, expressamente, a possibilidade de o menor dedicar-se à prostituição: “Art. 227. É DEVER da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, COM ABSOLUTA PRIORIDADE, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
……………………………………………………………………………
§ 4º – A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente.
…………………………………………………………………………..”
Em nada obstante tamanho arcabouço jurídico, a violência contra crianças e adolescentes, seja ela física, psíquica ou moral, constitui um dos piores problemas enfrentados pela sociedade brasileira e pelo governo. Segundo o Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que apenas dois por cento dos casos de abuso sexual contra crianças são denunciados, especialmente nos casos em que o agressor é parente ou pessoa próxima à vítima. De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), os dados coletados sugerem que noventa e seis por cento dos casos de violência física e sessenta e seis por cento dos casos de abuso sexual contra crianças de até seis anos de idade são cometidos por familiares.

Diante desses dados cabem algumas indagações. Devemos nos contentar em apenas penalizar aquele que tenha “(…) iniciado as atividades de prostituição das vítimas (…) (REsp. nº. 820.018/MS)?. Ou com aqueles dois por cento dos casos em que os abusadores são denunciados? Não seria esse abuso um delito permanente? Todos sabemos como é importante assegurar às crianças o direito de serem crianças, dedicando-nos incansavelmente e “COM ABSOLUTA PRIORIDADE” para livrá-las dos grilhões do sexo precoce, da violência e da habitualidade de comportamentos autodestrutivos e socialmente danosos.
Por essas razões, considerada a gravidade do caso e a sua esperada propagação meteórica, diante do atual entendimento da nossa Corte Maior em matéria
infraconstitucional, espero pelo acolhimento da proposição e sua urgente aprovação pelos nobres Pares. 

Sala das Comissões, de junho 2009
Senador MARCELO CRIVELLA

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