Altera a redação do artigo 13, da Lei nº. 9.709, de 18 de novembro de 1998.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º. O artigo 13 da Lei nº. 9.709, de 18 de novembro de 1998, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 13. A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei, sem restrição quanto à matéria, à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.” (NR)
Art. 2°. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

J U S T I F I C A Ç Ã O

A votação do Projeto de Lei da Câmara nº. 36, de 2004 (nº. 2.710, de 1992 na Casa de origem), de iniciativa popular, levantou uma discussão acirrada nesta Casa sobre o tema da competência legiferante popular, assegurada pelo § 2º, do artigo 61 da Constituição da República. Eminentes vozes levantaram-se contra aquela proposição, subscrita por cerca de um milhão e duzentos mil brasileiros, por entenderem que essa iniciativa estaria reservada, privativamente, ao Presidente da República, consoante a previsão do artigo 61, da Carta Magna. Contudo, com devido respeito às opiniões contrárias, não há como comungar desse entendimento se analisada a questão à luz do próprio texto constitucional.

Esse exame deve se iniciar pelo Preâmbulo e pelo Artigo 1º e seu Parágrafo único, da Carta Magna, onde o constituinte autodenomina-se “representante do povo brasileiro”, de onde afirma emanar o poder político do “Estado Democrático de Direito”, que proclama instituído sob a forma “republicana”. Tais proclamações não constituem apenas declarações políticas vagas e imprecisas, mas verdadeiros “princípios constitucionais”, textualizados no lugar mais alto e nobre da hierarquia dos ordenamentos jurídicos e que devem orientar a interpretação e aplicação não só da legislação infraconstitucional, mas, também, das próprias regras constitucionais.
Com efeito, a constituição de um Estado Democrático de Direito supera a simples noção tradicional de Estado submetido às leis, para indicar um caminho de democratização do poder, invariavelmente destinado à participação popular.

Ou seja, o Estado, sem deixar de ser ”Estado de Direito”, protetor das liberdades individuais, sem deixar de ser ”Estado Social”, protetor do bem comum, passa a ser também ”Estado Democrático”. Daí a expressão “Estado de Direito Social e Democrático”. É certo que o princípio democrático também foi acolhido em concepções anteriores da Constituição, mas, com a Carta de 88, ele passou a ter nova roupagem, para prestigiar a participação popular no processo político, nas decisões do Governo e no controle da Administração Pública. A legitimação popular decorre lógica e diretamente da forma de governo (República) e do tipo de Estado (Democrático de Direito) eleito pelo constituinte, além, é claro, da titularidade do poder que lhe foi conferida. Mas não é só isso. A cidadania foi elevada à condição de fator de legitimação do povo (art. 1º, incisos I e II), permitindo que ele haja em defesa de seus legítimos interesses.

E a democracia também é um princípio jurídico que fundamenta a exigência de participação popular, ao propugnar pela chamada “identidade democrática”, ou seja, “a identidade entre ”povo” e ”governo”. A junção da noção de democracia à de Estado de Direito, feita pela atual Constituição, muito mais que estabelecer um qualificativo do modo de ser do nosso Estado Federal, é responsável pela atribuição aos cidadãos de um direito de primeiríssima grandeza, de importância inquestionável: o direito de participação nas decisões estatais. A modificação de redação do Parágrafo Único do Artigo 1º da Carta Política, se comparada aos textos das Constituições anteriores, revela uma modificação substancial na forma de exercício do poder político. Em interessante obra intitulada “Na defesa de uma democracia participativa”, Anderson Sant’Ana Pedra, ilustre representante do Ministério Público paulista, refere-se a essa modificação de redação da seguinte forma:

“Observa-se que o legislador constituinte conferiu nova redação à cláusula que, desde a Constituição de 1934, consagra o princípio da soberania popular em nossas constituições. Assim, à tradicional afirmação de que ‘todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido’, enunciado emblemático de um modelo de democracia predominantemente representativa, não conduziu o Constituinte de 1988 que preferiu declarar que ‘todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição’. Estaria assim assinalada a passagem ao que tem sido interpretado como um modelo de democracia participativa, semi-direta ou plena, em que o exercício da soberania popular se estende para além do voto, com a preservação da potencial constituinte dos cidadãos”. Ou seja, esse poder latente do povo é expressamente referido na Constituição, por exemplo, na exigência de participação das associações representativas no planejamento municipal (artigo 29, XII), no gerenciamento da seguridade social (art. 194, parágrafo único, VII), da saúde (art. 198, III), da assistência social (artigo 204, II) e da educação (artigo 206, VI), entre outros inúmeros dispositivos que se ligam, direta ou indiretamente, ao tema.
Portanto, é mister reconhecer que a vigente Constituição da República estabeleceu um novo sistema de exercício do poder político, que conjuga a tradicional representação com a intervenção direta do povo no desempenho de todas as funções estatais (administrativa, legislativa e judiciária), superando a velha separação “Estado e sociedade civil”, com o que os particulares, os cidadãos, os destinatários finais das ações estatais, deixaram de ser considerados como intrusos nas atividades administrativas, nos processos de tomada de decisões de seus destinos. Vivemos, pois, uma democracia participativa.

Contudo, nossa sociedade, ainda se encontra imersa em ranços oligárquicos que surpreendem pela persistência, polarizada por um debate sobre estatismo e privatismo. Por isso, é que rogo aos nossos “operadores do direito” que reexaminem com carinho esse dispositivo constitucional, pois, de certo, dele irão extrair suas efetivas possibilidades, impedindo que a Constituição se avilte a ponto de funcionar como instrumento de exclusão social, quando oposta é a sua razão de ser, e para a qual foi concebida na sociedade democrática de direito. A participação popular, muito mais do que uma forma de exercício do poder político no Estado, muito mais do que mecanismo que permite a correção da oligarquia, muito mais do que princípio jurídico norteador do processo interpretativo, é mecanismo que garante a eficácia social da Constituição, sobretudo em constituições analíticas como a nossa, povoadas de diretrizes programáticas cuja inaplicabilidade sempre foi a aposta – vencedora – de todos os que buscam perpetuar o estado de desigualdade presente em nossa sociedade. O fato de a Constituição especificar a competência legislativa privativa do Presidente da República, no artigo 61, não retira esse poder do povo, apenas obsta que outros, autoridades, órgãos ou entidades detentores de iniciativa legiferante, a exerçam, tanto é assim, que no § 2º do mesmo artigo, ao dispor sobre a iniciativa popular, a Carta Cidadã apenas se limita a fixar as exigências formais para o exercício desse poder, sem lhe estabelecer qualquer limitação.

Se o princípio da participação popular enfraquece a importância de alguns outros princípios constitucionais tradicionais, sobretudo a “soberania parlamentar”, isso não deve ser motivo para gerar receios ou para se criar embaraços ao exercício da soberania popular, já que a nós cabe apenas a humilde condição de simples mandatários do povo. Dessa forma, por entender que a presente proposição irá apaziguar as candentes discussões sobre a extensão do poder político conferido à soberana vontade do povo, é concito aos nobres Pares que o acolham.

Sala das Sessões,
Senador MARCELO CRIVELLA