Altera a Lei nº. 8.560, de 29 de dezembro de 1992 (“Regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento e dá outras providências”), a fim de estabelecer a inversão do ônus para o investigado e incrementar os registros de nascimento com paternidade estabelecida.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º A presente Lei altera a Lei nº. 8.560, de 29 de dezembro de 1992, a fim de estabelecer a inversão do ônus para o investigado e incrementar os registros de nascimento com paternidade estabelecida. Art. 2º O art. 2º da Lei nº. 8.560, de 29 de dezembro de 1992, passa a vigorar com a seguinte alteração em seus §§ 1º, 2º e 4º, e acrescido de um novo § 2º, renumerando-se os atuais §§ 2º a 5º como §§ 3º a 6º:
“Art. 2º …………………………………………………………..
§ 1°. O juiz determinará a oitiva da mãe sobre a paternidade e mandará notificar o suposto pai, independentemente de seu estado civil, para que se manifeste sobre a paternidade que lhe é atribuída.
§ 2º. A remessa de que trata o caput deste artigo será promovida no prazo improrrogável de até cinco dias após o registro, sob pena de responsabilização criminal pelo injustificado retardamento ou omissão. (NR)
§ 3º. O juiz determinará que as diligências sejam realizadas em segredo de justiça.
§ 5º. Se o suposto pai não atender no prazo de trinta dias a notificação judicial ou negar a alegada paternidade, o juiz remeterá os autos ao representante do Ministério Público para que intente a ação de investigação de paternidade.
……………………………………………………………………..”
Art. 3º. A Lei nº. 8.560, de 29 de dezembro de 1992, passa a vigorar acrescida de um Art. 2-A, com a seguinte redação:
“Art. 2-A. Quando, no curso da ação de investigação de paternidade, o suposto pai se negar a fazer exame médico, o juiz considerará suprida a prova que se pretendia obter com ele, salvo se convencimento diverso advir de prova inequívoca dos autos. (NR)”
Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

J U S T I F I C A Ç Ã O

“Desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade”. “A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência …”. “A criança gozará proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza.” Estes são, respectivamente, excertos dos Princípios 3º, 9º e 10º, da Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20 de novembro de 1959 e ratificada pelo Brasil. Contudo, decorridos mais de quarenta e sete anos da adesão brasileira, esses princípios ainda não passam de ficção, tomada a nossa realidade. Aqui, após completar quatorze anos de vigência, a Lei nº. 8.560, de 29 de dezembro de 1992, a “Lei da Paternidade”, não alcançou o êxito de que dela se esperava. Idealizada para regular a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, buscava-se por seu intermédio minimizar o drama de milhares de crianças que, anualmente, são registradas apenas com a maternidade declarada.

Dados da tese de doutorado da pesquisadora do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, Ana Liési Thurler, intitulada “Paternidade e Deserção – Crianças sem Reconhecimento, Maternidades Penalizadas pelo Sexismo”, sugerem que vinte e cinco por cento das crianças nascidas anualmente no Brasil não têm o nome do pai em seus registros de nascimento, algo em torno de setecentas e cinqüenta mil crianças, por ano. Essa pesquisa, desenvolvida na UnB e no Laboratório Culturas e Sociedades Urbanas da Universidade de Paris VIII, baseou-se em outra, feita pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística em 2003, que considerou três milhões e seiscentos mil registros de nascimento lavrados no Brasil. Outro estudo feito pela Doutora Ana Liési, baseado no exame de cento e oitenta e três mil registros de nascimento na Capital da República, onde sempre as taxas são mais otimistas, revelou o espantoso percentual de doze por cento de paternidades não declaradas.

A referida Lei nº. 8.560, de 1992, concebida para combater esses percentuais, dispõe no seu art. 2º, que no caso de registro de nascimento com apenas a maternidade estabelecida, o oficial remeterá ao juiz certidão integral do registro e o nome e prenome, profissão, identidade e residência do alegado pai, a fim de ser averiguada, “oficiosamente”, a procedência da alegação. Reza o mesmo dispositivo (art. 2º, § 4º), que se o suposto pai não atender à notificação para prestar esclarecimentos (§ 1º, do art. 2º) no prazo de trinta dias ou negar a paternidade, o juiz remeterá os documentos ao representante do Ministério Público para que, “havendo elementos suficientes”, intente a competente ação de investigação de paternidade. Muito embora o texto da lei seja claro, na prática ela é de difícil cumprimento, pois faltam juízes e sobram ocorrências – cerca de setecentos e cinqüenta mil ano passado-, daí as alterações sugeridas.

Primeiramente, quanto ao registro de nascimento com apenas a maternidade declarada, propomos substituir o atual comando do § 1º, do art. 2º: “O juiz, sempre que possível, ouvirá a mãe”, pela fórmula: “O juiz determinará a oitiva da mãe”. Primeiro, para eliminar o expletivo dispensável – “sempre que possível” -, pois sempre estará a cargo do prudente arbítrio do juiz a decisão final sobre a impossibilidade de se ouvir a mãe. Segundo, para inserir a expressão “determinará a oitiva”, porque em se tratando de averiguação “oficiosa”, a teor da parte final da cabeça do art. 2º, e considerada a sobrecarga dos juízos, mormente os de família, a comprometer, justificadamente, a imediata oitiva dessas mães, nos parece recomendável autorizar a delegação do ato, por exemplo, a serventuários ou colaboradores.

A respeito, merece registro a feliz experiência dos “conciliadores”, que promovem “audiências informais” nos Juizados Especiais e mesmo em Varas de Família, visando à composição suasória de interesses em conflito, abreviando, sobremodo, o curso de ações. A alteração proposta também dará caráter mais cogente à norma, ainda mais quando conjugada com a responsabilização criminal (art. 319, Código Penal) pelo retardamento ou omissão da remessa do inteiro teor do registro de nascimento ao juiz competente, conforme a redação proposta para o novo § 2º do artigo 2º. Quanto à determinação para que a mãe seja sempre ouvida sobre a paternidade do filho, temos que ela é coerente com a garantia constitucional que erige o DEVER de paternidade/maternidade responsável (art. 226, § 7º; combinado com o art. 229, da CF) e o DIREITO a identificação da filiação pela prole, direito personalíssimo, indisponível e imprescritível do nascituro (art. 227, § 6º da CF e art. 27, da Lei nº. 8.069/90 – ECA).

A esse respeito poder-se-ia sustentar a existência de impasse, tendo, de um lado, o princípio da paternidade responsável, pelo qual o direito do estado de filiação é garantia constitucional personalíssima, indisponível e imprescritível e também inserido no contexto da garantia à dignidade humana, tendo como titular um indivíduo no exercício de direitos civis e políticos – leia-se garantia do gozo de cidadania -, garantias estas que constituem Princípios Fundamentais do Estado brasileiro (CF, art. 1º, incisos II e III). De outro lado, teríamos o direito à intimidade e à liberdade da mulher, abrangendo sua liberdade de relacionamentos sexuais e o sigilo sobre seus parceiros (art. 5º, incisos II e X). Contudo, a interpretação das normas de Direito Constitucional possui traços peculiares, distintos daqueles observados em relação às normas infraconstitucionais.

Enquanto que naquelas a lei especial prevalece sobre a de caráter geral, na Constituição tal não se dá, pois o comando de natureza geral deve ser compatibilizado com aquele de natureza especial. Por isso, a possibilidade, lembrada por CELSO RIBEIRO BASTOS, 1 do comando que prevê a desapropriação (art. 5º, XXIV) ser harmonizado com a garantia do direito de propriedade (XXII) ou, ainda, da ação do policial que procede a revista do porta-malas de um veículo, em nome do primado da segurança (art. 144), ser compatibilizada com o direito à intimidade do seu condutor (art. 5º, X). Nos exemplos trazidos à baila, como de resto, a solução é proceder-se a harmonização com base nos princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade e tendo em consideração o meio menos gravoso. Assim, no primeiro caso, a própria Constituição já prevê a prévia e justa indenização do imóvel desapropriado.

No segundo caso, deverá ser preservado o conteúdo de caráter íntimo que possa ser encontrado na revista, da exposição desnecessária aos transeuntes ou dos demais agentes envolvidos na ação policial. Assim, procedida à necessária interação hermenêutica dos dispositivos legais em aparente conflito, temos não ser facultado aos pais dispor sobre o estado de filiação do nascituro. Isto porque o art. 227 da Constituição Federal consagra que é DEVER da família, da sociedade e do Estado, dentre outros relativos à criança e ao adolescente, com 1 Bastos, Celso Ribeiro, “Hermenêutica e Interpretação Constitucional”, SP, p. 107.
“ABSOLUTA PRIORIDADE” – ressalva superlativa única em todo o texto constitucional -, o de colocá-los a salvo de TODA FORMA de negligência e discriminação, não assistindo aos pais o direito de subverter essa garantia. E que pior negligência do que negar a existência do próprio filho? Pois “… não há forma mais grave de negligência para com uma pessoa do que deixar de assumir a responsabilidade de tê-la fecundado no ventre materno …”.2 Dessa forma, entendemos ser legítimo o direito ao sigilo pela mulher sobre os seus parceiros, mas até onde ele não venha a atentar contra o direito de terceiros, no caso o da própria prole, de ter identificada a sua paternidade, daí a ação tramitar em segredo de justiça (Lei nº. 5.869/73, art. 155, II).

Por abundância, cremos que impor ao pai o dever de registrar o filho indesejado, mas tolerar que a mãe omita essa identidade, é incompatível com os desígnios dos direitos e garantias asseguradas pela Carta Cidadã e demais dispositivos legais assecuratórios dos direitos e deveres em apreço. A alteração proposta para o § 4º, do art. 2º, da Lei nº. 6.560, de 1992, que prevê a remessa dos autos da investigação oficiosa ao Ministério Público para que intente a investigação judicial, quando o suposto pai não atender à notificação para manifestar-se ou negar a apontada paternidade, visa eliminar a condicionante “… havendo elementos suficientes…”. 2 STF; HC 71.373-4 RS; Celso Fonteles, Subprocurador-geral da República; fls. 206. Assim propomos por entender que, havendo o registro público, sempre existirão elementos suficientes para a propositura da ação, tais como a comprovação do nascimento, a qualificação da mãe, identificação de ascendentes e eventual comunicante – que poderão funcionar como informantes ou testemunhas -, etc. Ademais, se a mãe não propôs a ação de investigação, qualquer interessado ou o órgão estatal competente, no caso o Ministério Público, terá o DEVER de assumir esse encargo (art. 227).

Em relação ao atual § 2º, do art. 2º, da Lei 8.560/92, que pretendemos renumerar para § 3º, propomos alterar sua redação de sorte a exigir que as diligências anteriores à propositura da ação de investigação de paternidade também sejam, sempre, realizadas em segredo de justiça. Para isso, estamos propondo eliminar a faculdade atribuída ao juiz para decidir, ou não, pelo segredo de justiça nas diligências relativas à notificação e oitiva do suposto pai. Para tanto, propomos suprimir a expressão “sempre que entender necessário” do texto legal. Entendemos que assim a norma será harmonizada com o artigo 155, inciso II, da Lei nº. 5.869 de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil) e com o artigo 27, da Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente), que impõem o segredo de justiça para os processo relativos à filiação, dentre outros.

Por fim, com o acréscimo do art. 2º-A a Lei nº. 8.560/92, concebemos impor a inversão do ônus da prova em relação ao pai que se opõe injustificadamente a realização da perícia médica para a aferição do vínculo paternal, erigindo a recusa à condição de presunção legal em seu desfavor. Com essa proposição, buscamos dar resposta à misógina tolerância com que é recepcionada a resistência do investigado que nega a paternidade. A experiência atesta que, na grande maioria dos casos, o apontamento feito pelas mães em juízo é acertado, mas a costumeira rejeição do suposto pai cria obstáculo praticamente intransponível, deixando à mulher a difícil tarefa de demonstrar a ocorrência da conjunção sexual e a necessária relação de causa e efeito entre ela e a concepção da criança. Agrava-se ainda mais a situação quando a gravidez decorre de ato singular e sem envolvimento pregresso, do qual não restem outras provas além da afirmação da mãe.
Ora, com os atuais avanços científicos essa quase sempre injustificada relutância à realização da prova técnica não se justifica mais. Inicialmente, alguns meios para análise do vínculo de parentesco através da genética foram sendo aprimorados, tais como: o Exame de sangue ABO (Sistema Hematológico), HLA (Antígeno Leucocitário Humano), porém sem grandes probabilidades de acerto, restando aos magistrados a declaração final relativa à filiação e paternidade, muitas vezes presumidas e, até mesmo, sem determinação.

Adveio que, em 1985, ALEC JEFFREYS, criou sondas moleculares radioativas capazes de detectar padrões específicos de cada indivíduo através do perfil do DNA (ácido desoxribonucléico), 3 método científico com percentual de acerto que varia entre 99,99 % e 99,9999 %, o que na prática, observadas as devidas cautelas para evitar falha humana, representa um número absolutamente preciso no diagnóstico da paternidade e uma margem de praticamente 0% (zero por cento) de chances de erro. Atualmente os testes de determinação de paternidade podem ser realizados em qualquer tecido humano que contenha células com núcleo. O DNA do sangue é o mesmo encontrado saliva, pele, tecidos, dentes, ossos e no sêmen. Na vasta maioria dos casos é feito usando a coleta de células da mucosa bucal ou sangue. Mais excepcionalmente podem também ser usados fios de cabelo, para o que são necessários cerca de oito fios com a raiz. No caso de testes pré-natais de paternidade são usadas amostras de líquido amniótico ou de vilosidades coriônicas, obtidas por meio de punção transabdominal a partir de dez a onze semanas de gestação. 3 02. FRANÇA, Genival Veloso de; “O vinculo genético da filiação pelo DNA: sua aplicação nos Tribunais”; Jus Navigandi, n. 28. http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=537.

Mesmo após a morte do suposto pai é possível a perícia de restos mortais exumados, como ossos, dentes e outros tecidos, ou mesmo material de biópsia preservado em blocos de parafina ou lâminas de microscópio. Outra alternativa se o suposto pai é falecido envolve a reconstituição do perfil genético pelo estudo de seus parentes, embora ela ofereça menos segurança. Assim, dado o grau de acerto conferido pelo exame de DNA, de certeza praticamente integral; os métodos não invasivos de coleta de material; o fato da ação transcorrer em segredo de justiça; a obrigação moral e material decorrente do princípio da paternidade/maternidade responsável; a garantia constitucional à criança e ao adolescente, de ter assegurada a sua cidadania e dignidade, bem como a obrigação do Estado de exigir de seus tutelados o dever de contribuírem para a formação de uma sociedade justa e solidária, princípio e objetivo fundamentais da nossa República (CF, art. 1º, II e III e art. 3º, I); é absolutamente inaceitável a recusa de fornecer material para a prova pericial, razão que nos leva a apresentar a presente proposição.

Procedidas essas necessárias ponderações, resta concitar os ilustres Senadores e Senadoras, Deputados e Deputadas, para a rápida aprovação deste projeto, para que não tenhamos que continuar a ostentar estatísticas como as do Estado de São Paulo, o mais rico da federação e com uma população de mais de quarenta milhões de habitantes, onde levantamento realizado pela Secretaria da Educação aponta que aproximadamente 8% dos estudantes matriculados no ensino fundamental têm em seu registro somente o nome da mãe.

Sala das Sessões,
Senador MARCELO CRIVELLA