O Senado Federal aprovou ontem, em segundo turno, projeto de iniciativa da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Emigração Ilegal, da qual sou o presidente, que altera o Código Penal e define como crime o tráfico internacional de pessoas para fins de emigração. O projeto resultou da preocupação com o fato de que, somente no ano passado, quase 35 mil brasileiros foram presos tentando atravessar ilegalmente a fronteira do México com os Estados Unidos.

Em que pese o comércio de pessoas para outros países ter sido largamente denunciado pelos meios de comunicação nos últimos meses (inclusive provocando a minha ida aos Estados Unidos, em 2004 e em 2005 para resgatar brasileiros deportados), tal prática não encontrava uma tipificação específica no Código Penal brasileiro.

O Brasil não se preparou para esta nova e complexa realidade: a de possuir entre 2,5 e 3 milhões de brasileiros residentes no exterior. Em primeiro lugar, nosso país, lamentavelmente, não possui uma estrutura de atendimento consular minimamente condizente com o número de brasileiros no exterior. Em segundo, porque as ações de combate aos grupos que exploram emigrantes são muito reduzidas, tendo em vista a lacuna na legislação penal.

A CPMI confirmou o que muitos desconfiavam: o oferecimento de ajuda para entrar nos Estados Unidos ocorre em diversos pontos do país, principalmente em Minas e Goiás. A proposta cobre todos os custos da viagem, estadia e deslocamento em território mexicano. Assim, mediante o pagamento de um valor determinado, o interessado compra um “pacote” que, em tese, garantiria sua entrada nos EUA. Os aliciadores seduzem as vítimas permitindo que o pagamento seja feito somente com a efetiva entrada em solo norte-americano. Em caso de insucesso, o emigrante não arcaria com nenhum custo, como se fosse um contrato “contra entrega”.

Como muitas pessoas não dispõem de recursos para pagar a oferta dos aliciadores, ou dispõem tão-somente de uma parte desses recursos, entra em cena a figura do “cônsul”, responsável por financiar o pacote, geralmente fixado em 10 mil dólares.

Muitas vezes, as quadrilhas de aliciadores pegam o freguês na fila do Consulado, no momento em que ele tem o visto negado. Daí o aliciador o leva ao financiador. O financiador apresenta-lhe o falsário, que providencia visto e passaporte adulterados. E, finalmente, ele é entregue às mãos do coiote, que é o transportador ou o guia dos grupos. Entre o desemprego no Brasil e as novas oportunidades no exterior, muitos optam pela aventura da travessia.

O projeto, recém-aprovado em segundo turno no Senado, atinge especificamente a ação de terceiros que exploram a boa fé e ingenuidade dos brasileiros, e promove alterações no nosso Código Penal. Assim, haja ou não fraude documental, exista ou não relação de trabalho preestabelecida, aquele que promover, facilitar, intermediar ou financiar a entrada irregular de pessoas em território estrangeiro, com o fim de lucro, vai parar no xadrez! Basta de mortes, prisões e exploração econômica!

Por fim, todas as operações realizadas pela Polícia Federal, as viagens que fizemos ao exterior para resgatar brasileiros e a mudança na legislação deram resultado concreto: em março de 2005, 10 mil brasileiros estavam presos em cadeias norte-americanas. Agora, um ano depois, não chegam a 100. Esta vitória, com certeza, é nossa.

Publicado na Folha Universal, Edição 733 de 2006