O IBGE anuncia: Mais de 11 milhões de brasileiros vivem em favelas e a maioria na região mais rica do Brasil. Essa realidade que se perpetua por gerações como o maior e mais hediondo monumento à desigualdade social no Brasil, envergonha a todos os brasileiros mas sobretudo a nós, os políticos. Desgraçadamente ao longo da nossa evolução social, política e econômica nos faltaram líderes que nos dessem instrumentos idôneos e eficazes para garantir a todos os brasileiros, pelo menos na escala das nossas necessidades fundamentais, a distribuição de riqueza para atender a todos. As políticas públicas para o setor de habitação em favelas são desarticuladas, insuficientes, ineficientes, muitas improvisadas com previsíveis, custosos e péssimos resultados, além de obras mal feitas, quando feitas, e sem nenhuma previsão de manutenção, deixando milhões no abandono, num descaso social inaceitável e repugnante que atinge sobretudo e principalmente crianças inocentes que crescem envergonhadas, com medo, diminuidas diante da vida, sofrendo a vergonha dos pais, e que mais a frente serão empurradas pela revolta , não todas, mas muitas delas, para uma vida à beira do crime ou na marginalidade aberta, gerando no Brasil essa violência anômica, incontida e miseravelmente crescente.
Uma pergunta persiste: por que num país onde temos reservas inesgotáveis de calcário, argila e gesso, matéria prima de todos os cimentos, para não falar da escória siderúrgica que no CPAF entra em até 85% da farofa que produzirá o cimento de alto forno, praticamente sem custo, porque é subproduto da produção do aço; porque se temos madeira, alumínio, parque siderúrgico e portanto vergalhões, arames, perfis e placas de aço; temos sílica à vontade portanto todo tipo de vidros, um parque petroquímico que produz em abundância, tintas, vernizes, borrachas, espumas e plásticos e além do mais um exército pujante e valente de serventes, pedreiros, carpinteiros, pintores, eletricistas, bombeiros hidráulicos, telhadistas, mestres e apontadores; então por que, meu Deus, a cem anos, início da Favela do Morro da Providência, nosso povo sobrevive em barracos úmidos no inverno, abafados no verão, onde os ratos entra à noite para roer a ponta da orelha de idosos e criancas e muitas vezes nas tormentas de verão, essas mesmas crianças morrem soterradas na lama e no lixo?
O programa Minha Casa, Minha Vida é um grande passo mas alcança uma população acima da miséria. O Fundo de Habitação de Interesse Social, que tive a honra de ser relator, supre convênios com as prefeituras e os estados, mas sua natureza não é de ir à favela para jogar um barraco no chão e ali construir em seu lugar uma casa agradável e pré-fabricada, montada em até três dias para ser entregue mobiliada e pronta para garantir, por exemplo, à uma viúva pobre de 54 anos, analfabeta e com 32 quilos, moradora há décadas da favela e que criava três netos cuja mãe abandonou a sua responsabilidade e para os quais provia com ajuda da divina bolsa família. Sabe o que ela me disse: eu passo fome, mas meus netos não! Mais não se podia dizer para retratar a fibra, a dignidade, a honradez, o idealismo e o espírito de renúncia de uma senhora pobre brasileira que morria aos poucos pelos seus. Pois bem, em poucos dias entregamos a ela uma casa do Cimento Social, projeto que desenvolvo há anos na Providência, primeira favela do Brasil, tentando criar esse cimento social para unir a sociedade, os empresários, as organizações sociais, igrejas, universidades e sindicatos e sobretudo os governos para juntos formarmos uma corrente de norte a sul num movimento nacional que seja um brado, uma síntese da nossa irrefreável indignação : “Movimento Brasil sem Barraco” . Quando o neto de 8 anos viu a vista da janela do segundo pavimento, me fez ir às lágrimas: “vó nossa casa é a mais linda do mundo!”
Sou engenheiro civil e estou convencido de que temos as condições, se todos quisermos, de em alguns poucos anos apagarmos do nosso presente essa mácula vergonhosa que agride a consciência nacional e deplora nossa espírito cívico e juntos e de mãos dadas, erguemos os nossos olhos aos horizontes sem fim da esperança dessa terra tão linda que Deus nos deu para rasgar neles pela força do nosso trabalho e a fibra invencível da nossa união a perspectiva iluminada e gloriosa do nosso destino de Brasil, terra de encantos mil, onde nenhuma só criança nasça, cresça e sobreviva em barraco.
Artigo publicado na Folha de São Paulo, dia 08 de Janeiro de 2012