O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, presentes no plenário, o Programa de Aceleração do Crescimento representa uma mudança de concepção do Governo Lula e uma nova forma de pensar a relação entre duas instituições essenciais para o desenvolvimento de uma sociedade: o Estado e o mercado.
Tais instituições devem interagir através de ações de Governo para estimular o crescimento econômico, promover justiça e segurança social. Em caminho oposto, os últimos Governos de Fernando Henrique e o primeiro Governo Lula construíram suas estratégias de crescimento e desenvolvimento social baseadas em lendas que são conhecidas e antigas, são do século XVIII: “Para governar melhor é preciso governar menos”. Frase do Marquês d’Argenson, ou “a regra geral é que nada deve ser feito ou tentado pelo governo. O lema do governo… deveria ser: ficar quieto… A exigência feita pela agricultura, indústria e comércio aos governos é tão modesta e razoável quanto a que Diógenes fez a Alexandre, o Grande: saia da minha frente.” (F. Benthan)
Através do PAC, o Governo tenta retomar o controle da nau Brasil, que está à deriva. O PAC não aceita a idéia de que o Estado ocupa o lugar da iniciativa privada, que o investimento público expulsa da economia o investimento privado, fenômeno conhecido na academia como crowding-out. Muito pelo contrário, o PAC adota a concepção do crowding-in: o investimento público atrai para a economia o investimento privado real. A idéia está baseada exatamente na possibilidade da alteração do PIB/potencial. Assim, o investimento público não expulsaria o investimento privado, mas, ao contrário, abriria espaço para a sua expansão.
A última grande iniciativa econômica de governo no País foi o Plano Real. Quem derrotou a inflação no Brasil foi o Governo. Não foram as forças de mercado que se movimentavam livremente. O Governo Lula retomou a iniciativa através do PAC depois de quatro anos esperando o espetáculo do crescimento, que seria oferecido, segundo os especialistas, pelo mercado. Mas isso não ocorreu. O crescimento econômico médio no período 2003/2006 foi de apenas 2,6% (nos anos 1995-1998, correspondentes ao primeiro governo Fernando Henrique, foi de 2,6% também e no segundo mandato de FHC, de 2,1%). Então, o Governo desistiu de esperar o dia em que o paraíso chegaria como resultado dos sacrifícios cotidianos.
De um lado, o PAC é criticado porque não se propôs a realizar cortes de gastos correntes, não reduziu a carga tributária de forma generalizada e significativa, não apresentou regras de garantia para os negócios privados de grande porte e não desburocratizou a economia. Por outro lado, é criticado por sua timidez: o montante previsto de investimento público seria considerado insuficiente.
Em 1994, o Plano Real também foi criticado porque não continha medidas para promover o crescimento e melhorar o perfil distributivo da renda. O objetivo do Plano era somente um: extinguir o regime de alta inflação. Só faltou gente para dizer que o Plano Real não continha o programa de reforma agrária. Aliás, em relação ao PAC, até isso já foi alardeado.
De fato, os montantes indicados no PAC para investimento público não são notáveis; contudo, são muito superiores àqueles realizados nos últimos anos e poderá saltar do patamar de aproximadamente 0,5% para 1% do PIB. As desejadas regras de garantia dos negócios de grande porte e a desburocratização podem até se mostrar necessárias, mas não são essenciais nem determinantes. Mais do que reformas e marcos legais o que os empresários desejam é lucro, uma palavra que é quase sinônima de crescimento sustentado.
A China é um caso exemplar. Esse país, com partido único, sem eleições diretas e sem democracia, com um alfabeto ininteligível, cresce, por mais de duas décadas, a 10% ao ano. Além disso, tem uma taxa de câmbio que garante exportações a preços altamente competitivos. Esse é o país que mais recebe investimento direto americano no mundo.
A redução da sucção fiscal proposta no PAC foi seletiva. Aliviou somente setores industriais de bens de capital, da TV digital e de semicondutores; aliviou, também, os empreendimentos de edificação de infra-estrutura e a construção civil. A redução da sucção fiscal será de R$6,6 bilhões no ano de 2007, ou seja, aproximadamente 0,7% do PIB. Foi uma medida correta, para aumentar a lucratividade esperada dos segmentos selecionados pelo programa. A escolha desses segmentos está relacionada com os objetivos mais gerais do PAC. Contudo, muitos afirmam que a carga tributária no Brasil deveria ser reduzida de forma significativa e generalizada, já que países com igual grau de desenvolvimento possuem cargas bem menores.
É verdade. Mas por que a carga tributária é alta no Brasil? Ela foi aumentada exatamente durante os últimos governos de Fernando Henrique Cardoso, com o objetivo de reduzir o déficit nominal, que cresceria de forma exclusiva por conta das elevadas despesas financeiras do Governo, decorrentes das altas taxas de juros praticadas durante esse período para controle da inflação. A causa da elevação da carga tributária foi a elevação da taxa de juros básica da economia. Esqueceram-se de dizer que países com grau de desenvolvimento assemelhado ao do Brasil possuem uma taxa de juros bem menor que a nossa e que suas dívidas públicas não são indexadas à taxa básica de juros, o que, portanto, permite-lhes ter uma carga tributária menor.
Um ponto crucial do Programa foi a ampliação do escopo da política fiscal, que tinha o objetivo de tão-somente reduzir a relação dívida/PIB. A política fiscal do PAC contém também o objetivo de promover o crescimento, um objetivo consagrado pelas políticas fiscais keynesianas nos anos de ouro do capitalismo, durante o século passado. Dentro desse quesito, é fundamental – tal como foi proposto no PAC – que o investimento público seja financiado pela redução do superávit primário e/ou pela redução das despesas financeiras do Governo. A redução de gastos correntes como fonte de financiamento dos gastos com investimentos públicos é uma medida que poderia ser inócua. Por exemplo, uma pessoa empregada que recebe um benefício do programa Bolsa Família de forma indevida gera gastos e empregos nas fábricas de bens de consumo. Cortar esse benefício (o que é uma medida “correta”), para transformá-lo em gasto de investimento é o mesmo que desempregar nas fábricas de bens de consumo, para empregar na construção de estradas.
É correta a adoção da responsabilidade fiscal expressa na busca de um déficit zero para o orçamento do Governo Federal, e isso está no PAC. Os déficits orçamentários são sinais de fraqueza de uma economia. Uma economia não alcança o pleno emprego, porque tem déficit orçamentário. A leitura correta é inversa: não equilibra o orçamento, porque não atingiu o pleno emprego. Portanto, é correta a visão de que, se a economia crescer de forma continuada, a taxas superiores a 5% ao ano, alcançará o equilíbrio orçamentário. Com o pleno emprego, haverá aumento substancial da arrecadação e redução de alguns tipos específicos de gastos sociais, tais como aqueles referentes aos pagamentos do seguro-desemprego e do Bolsa Família.
A regra de contenção dos gastos da União com pessoal foi uma concessão, a meu ver, (in)devida às pressões de cunho liberal, que desejam restringir o tamanho do serviço público. Tal medida não representa a garantia de que não haverá qualquer descontrole fiscal, porém limita a capacidade do Governo de fortalecer o Estado, contratando pessoal qualificado, que poderia receber remunerações adequadas. Limita a capacidade de conceder reajustes ao funcionamento público, para que o Estado possa manter em seus quadros pessoal de primeira linha.
O PAC é fundamentalmente um programa de gastos de investimento público para estimular o crescimento. A regra estabelecida para conter gastos com pessoal não tem qualquer conexão técnica com o objetivo do programa. É tão-somente uma concessão (in)devida às pressões do pensamento conservador – muito presente na mídia –, que deseja o Estado mínimo.
Um país em processo de crescimento vigoroso e continuado precisará contratar para o serviço público mais e melhores engenheiros, fiscais, policiais, professores, médicos, que devem ser bem pagos.
O crescimento econômico, idealmente, deve ser impulsionado pelo conjunto de políticas macroeconômicas: fiscal, monetária e cambial. Um crescimento impulsionado por essas políticas acionadas de forma coordenada aumenta a probabilidade de se tornar sustentável. A política monetária deve tornar-se compatível com o PAC. No entanto, as taxas de juros sugeridas no PAC são incompatíveis com o objetivo do crescimento, porque mantêm a atratividade dos ativos financeiros em vez da atratividade do investimento produtivo – muito obrigado, Sr. Presidente –; não reduzem, de forma significativa, as despesas financeiras do Governo Federal que devem financiar o investimento público; e podem gerar um clima de desânimo generalizado, já que uma taxa de juros de 10% ao ano somente seria alcançada em 2010. Se o País mantiver a taxa básica de juros elevada, manterá o modelo estagnacionista do stop-and-go, que tem sido muito mais stop do que go.
A política cambial compatível com o crescimento é aquela que mantém uma taxa de câmbio estável e desvalorizada, isto é, uma taxa que garante às exportações de manufaturados preços competitivos no mercado internacional. No Brasil, a taxa de câmbio está sobremaneira valorizada. Duas variáveis, quando combinadas, tornam as importações explosivas: taxa de câmbio valorizada e crescimento econômico. Então, pode-se afirmar que, se a política monetária se tornar compatível com o PAC e a economia iniciar um processo vigoroso de crescimento, haverá um aumento drástico das importações, que ameaçará o saldo em transações correntes com o exterior do balanço de pagamentos brasileiro.
Sendo assim, será preciso iniciar o processo de compatibilização, desde já, da política cambial com o PAC. Será necessário iniciar um processo de desvalorização controlado da taxa de câmbio, para que, em aproximadamente 18 a 24 meses, a taxa de câmbio esteja em um patamar capaz de garantir o equilíbrio das contas externas em um ambiente de crescimento econômico. Uma política agressiva de aquisição de reservas por parte do Banco Central associada a uma política de esterilização é o caminho óbvio.
Há, contudo, uma barreira que deve ser observada. O custo para o carregamento de reservas por parte do setor público é a diferença entre a taxa de juros doméstica e a internacional – que é muito alta no Brasil –, e isso reforça a necessidade de uma redução mais acelerada da taxa de juros básica, a taxa Selic.
Enfim, o PAC é um ponto de inflexão na trajetória das políticas econômicas do Governo Lula. Vale a pena apostar nele. Eu, como todos os Senadores aqui, quero o crescimento do nosso País, e vamos colaborar, para que o Governo tenha todas as condições, no Congresso, de aprovar suas medidas provisórias.
O objetivo do crescimento tem que tornar-se uma obsessão nacional. Afinal, um país que verdadeiramente quer desenvolver-se deve pensar grande e, portanto, deve buscar compatibilizar objetivos múltiplos: estabilidade monetária, crescimento econômico, equilíbrio do balanço de pagamentos, equilíbrio das contas públicas e justiça e segurança social.
(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – O crescimento econômico e a conseqüente solidez orçamentária da União são as condições básicas e necessárias para a viabilização da transformação social de que o Brasil precisa. Sem crescimento econômico, não há espaço para a viabilização de programas sociais de profundidade e abrangentes, capazes de promover justiça e segurança social para todos.
Sr. Presidente, muito obrigado pelo tempo que V. Exª me concedeu.
Ao terminar minha fala, quero dizer que apostamos no PAC, mas é preciso compatibilizarmos medidas macroeconômicas, para que haja realmente o crescimento sustentável.