Nós somos três países em um. O primeiro Brasil é formado por 10 mil famílias, ou 10 mil grupos econômicos, que possuem hoje cerca de 80% dos títulos da dívida pública brasileira, ou seja, R$800 bilhões. O segundo Brasil é formado por 10 milhões de brasileiros, que são donos do restante da dívida pública, ou seja, R$ 200 bilhões. O terceiro Brasil, 175 milhões de pessoas, sobrevive, cada vez mais, a duras penas. Desses 175 milhões, 80 milhões trabalham e o restante é aposentado, deficiente, criança e jovem em idade escolar. Dos 80 milhões que trabalham, 10 milhões estão no desemprego aberto, isto é, não conseguem emprego de jeito nenhum e há um bom tempo, e 16 milhões estão subempregados, quer dizer, trabalhando sem carteira assinada e ganhando menos de um salário mínimo por mês Dos demais 54 milhões de brasileiros da nossa população economicamente ativa, 75% estão ganhando até 3 salários-mínimos.
Esse é o tamanho do abismo chamado desigualdade social, construído sob políticas públicas concentradoras de poder e renda, que tornam os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Esse é o fator crônico do nosso permanente subdesenvolvimento. Imaginemos, por exemplo, que a riqueza brasileira fosse melhor distribuída. Nesse caso, mais brasileiros poderiam viajar de avião e isso faria com que novas empresas aéreas surgissem e que todas precisassem de mais aeronaves para atender à demanda de um mercado interno pujante. Isso possibilitaria desenvolvermos no país uma indústria, só para ilustrar, de turbinas de avião, o que geraria milhares de bons empregos no país e nos daria a oportunidade de exportar um bem de alto valor agregado.
Temos no país excelentes engenheiros, energia em abundância e todos os recursos minerais necessários. No entanto, devido a essa extraordinária vulnerabilidade, que é a nossa histórica desigualdade social, o Brasil continua exportando commodities de baixo valor agregado e importando os de alto valor agregado. Em média: 1kg de soja custa US$ 0,10 (dez centavos de dólar), 1kg de automóvel custa US$ 10, isto é, 100 vezes mais, 1kg de aparelho eletrônico custa US$ 100, 1kg de avião custa US$1.000 (10 mil quilos de soja) e 1kg de satélite custa US$ 50.000.
Os países ricos sabem disso muito bem. Por isso, eles nos vendem uma placa de computador, que pesa 100g, por US$250. Para pagarmos essa plaquinha eletrônica, o Brasil precisa exportar 20 toneladas de minério de ferro. Esta semana o jornal inglês Financial Times publicou o ranking das 500 maiores empresas do mundo. A maior empresa brasileira, a Petrobras, é apenas a 113ª dessa lista e, pasmem, abaixo da Toys Are Us, que é uma cadeia americana de lojas de brinquedos com algumas filiais até aqui no Brasil.
Cristo ensinou: “Daí, e dar-se-vos-á”. Enquanto não acertarmos conta com essa herança feia de concentração de poder e renda que caracteriza nosso País, e não tivermos uma política de inclusão social e investimento em ciência e tecnologia, apoiada num projeto nacional de geração e distribuição de riqueza, com impostos sobre herança e uma tabela de imposto de renda progressiva, vamos continuar desperdiçando energia, recursos e talentos, submersos na lama do egoísmo. Aqui, no Brasil, os que estão em cima não dormem porque têm medo dos que estão embaixo. E os que estão embaixo não dormem porque estão com fome.
Publicado na Folha Universal, Edição 720 de 2006