O voto é a fonte da representação e a representação é a alma da democracia. Onde a representação é inautêntica, fraudada, obtida pelo dinheiro na compra do voto ou pela demagogia, enganando o eleitor, não existe democracia mas autoritarismo, seja qual for a sua expressão, com maior ou menor virulência, mas, sempre, autoritarismo.
Quando se quer conhecer o grau de desenvolvimento, legitimidade e representatividade de uma democracia, basta observar e avaliar a sua legislação eleitoral. Se ela preserva e garante o voto em toda a sua plenitude, então, sem dúvida, estamos em face de um autêntico governo das leis que é o objetivo supremo de todos os povos sábios e cultos. Mas se ela é um amontoado de normas espúrias, de artificialismos e mecanismos hábeis, feitos para conter, deturpar e corromper a vontade eleitoral do povo, e se é fiscalizada por um Ministério Público desleixado e aplicada por uma confraria de cúmplices de togas, reunidos para a prática amoitada do compadrio, pobre viciosa côrte, então, com certeza, estamos diante de um simulacro de democracia, gerando a insegurança do governo, a instabilidade das instituições e a desordem no plano administrativo, político, social e econômico.
Veja-se portanto que é só na genuína representação que os governos democráticos encontram sua estabilidade, pedra-angular da ordem, do trabalho, do desenvolvimento econômico e cultural dos povos.
Temos tido uma autêntica representação do nosso povo? Todos os sociólogos e cientistas políticos são unânimes na negativa. No império, em que pese o brilho intelectual e a notável competência dos parlamentares, tivemos Câmaras elitistas. Eram os condes, marqueses e barões, por força do sangue ou da riqueza, que se permitiam o honroso privilégio de representar e legislar em nome do povo. Um Congresso de senhores de escravos do qual o povo não participava e nas ruas dele dizia “desse mato não sai coelho”. A situação não mudou com o advento da República. Os nobres fidalgos foram substituídos pelos grandes latifundiários do açúcar, do algodão, do cacau do leite e do café. Até a Revolução de 30, eram os interesses desses grupos que dominavam as decisões políticas.
O surgimento da civilização industrial, a partir de 30, forçou o debate em torno de assuntos mais ligados aos trabalhadores, tais como: acidente no trabalho, caixa de pensões e aposentadorias, lei das oito horas e outros congêneres, mas não se alterou a composição elitista da representação. Os profissionais liberais substituíram os donos da terra e os manipuladores do comércio. E assim continua até hoje.
O Congresso Nacional não tem ainda a fisionomia do povo, que é em sua maioria feminino, trabalhador, classe média e religioso. Essa representação per capita não se vê em Brasília e em nenhum outro legislativo estadual.
Essa é, a meu ver, a grande falha da representação democrática em nosso País. Ela não é abrangente porque não contempla, nos seus quadros, legítimos representantes das classes que compõe o povo brasileiro e nem os tem na justa proporção de sua expressão numérica e segundo a sua importância política e econômica no contexto de nossa sociedade.
E essa deficiência, e todos os males que dela decorrem, é em grande parte causada pela interferência do capital na compra desbragada de votos que ocorre no dia da eleição através do iníquo mas “legal” aluguel de milhões de “cabos eleitorais”, na verdade pagos para votar, que encabrestados por sua ignorância e pobreza vendem o voto elegendo sistematicamente corruptos, deturpando o sistema, tornando o processo eleitoral num ritual farisaico e sem sentido.
Para mudar o País temos que mudar a política e isso se faz com o voto. Voto livre, consciente e honesto. Quem vende o voto, vende o Brasil.
Marcelo Crivella
Fonte: Congresso em Foco