Artigo do senador Marcelo Crivella publicado no domingo, dia 11/10/2009, no Jornal do Brasil
O Rio é a cidade olímpica de 2016. A euforia que tomou conta dos cariocas que saíram às ruas e lotaram as areias de Copacabana, era a síntese da alma nacional. O sentimento de quase 200 milhões de brasileiros, espalhados pelo nosso vasto território, que naquele instante, naquela mesma hora, unidos pela mesma alegria, tomados da mesma emoção, celebravam efusivamente o feito monumental e inédito, a vitória espetacular da Cidade Maravilhosa, num concurso internacional e dificílimo que reuniu numa eletrizante final metrópoles da grandeza e tradição histórica de Madri, Tóquio e Chicago.
Era a nação que explodia, pujante e indomável, estraçalhando os elos de um estigma de inferioridade e dúvidas que por tanto tempo manteve o país num status quo incompatível com a grandeza de seus recursos naturais, com a imensidão de seu território, com o destino vislumbrado e alicerçado por nossos antepassados, mas, sobretudo e principalmente, com o potencial imensurável e incomparável do poder criativo e da energia realizadora da brava gente brasileira. Contudo, essa vitória não foi obra do acaso. Não caiu do céu nem veio com os ventos do destino.
O sonho das olimpíadas no Brasil teria sido um imenso fracasso, um oceano de frustações e um Himalaia de desenganos, não fosse a obstinação, o idealismo, o espírito de renúncia e a habilidade diplomática de um carioca, cujo nome ficará para sempre gravado na gratidão nacional: Carlos Arthur Nuzman. O Rio e o Brasil devem muito a este grande brasileiro. Na década de 60, ele foi o atleta olímpico que competiu com garra e dignificou o desporto nacional. Nos anos setenta, como presidente da Confederação Brasileira de Voleibol, lançou as bases de uma geração de craques que traria a consagração de atletas antes obscuros e anônimos, hoje conhecidos mundialmente, que atendem pelo nome de Bernad, Renan, Montanaro, Xandó, Fernandão, Bernadinho entre outros. Era um novo Midas, transformando com o toque do seu talento a fibra da juventude brasileira em técnica, força, perseveranca e versatilidade de atleta olímpico. Os primeiros passos de uma jornada que em poucos anos faria do Brasil o mais respeitado e o mais vitorioso time de voleibol do mundo. É muito difícil vencer nossa seleção e ninguém a vence duas vezes.
Recentemente ele trouxe para o Rio os Jogos Pan-Americanos e Para-Pan. Da cerimônia de abertura ao apito final, tudo se realizou de maneira impecável e o Brasil pode ver que havia no líder do Comitê Olímpico Brasileiro um dirigente sóbrio, elegante, articulado e inteligente dos maiores do seu tempo. Mas o grande desafio estava por vir. O que era até então apenas o devaneio de atletas e dirigentes, um sonho distante e uma esperança petulante, tornar o Brasil a sede dos jogos olímpicos, essa façanha grandiosa o destino havia reservado para as mãos ciclópicas e o espírito ousado e temerário desse carioca que traz também no sangue a bravura da raça daquele pequeno Davi que derrotou com sua funda a fúria do gigante filisteu e invasor.
Foram dias, meses, anos de um labor infindável. De país em país ele visitou cada um dos membros do Comitê Eleitoral, expondo com sinceridade e inteligência as razões pelas quais era chegada a hora do Rio. Não negou nossas deficiências. Não fez falsas promessas. Não se utilizou da desfaçatez do misticismo e do discurso fácil da demagogia. Ele sabia que não era possível uma vitória matemática ou analógica. Com seu gênio político, deslumbrou no meio de nosso deserto de carências uma terra prometida que se podia erguer no horizonte da esperança. Mostrou que o Rio possuía forças para superar todos os obstáculos de suas contingências históricas, se no seu coração se acendesse a tocha do Fogo Olímpico.
Os políticos são subestimados, subalternizados, marginalizados e não raro, ridicularizados, mas são eles os mediadores entre as aspirações dos que sonham ante a força reacionária dos poderosos. E foi com espírito político que ele empreendeu a busca incansável na frenética procura de novos critérios para estabelecer uma equação que desse solução às nossas angústias. Um triunfo político que ele construiu sobre os escombros de nossas decepções anteriores em tentativas que fracassaram em seus argumentos.
Do Paquistão ao interior da Polônia; dos confins da Escandinávia às longínquas terras da Ásia, não houve um só lugar onde houvesse um voto que Nuzman não visitasse na sua peregrinação missionária. E foi tal o seu entusiasmo e tal a força inabalável da sua crença, que do Presidente da República ao brasileiro mais humilde, passando pelo Governador, pelo Prefeito, pelos mais renomados atletas, como Pelé, o atleta do século, e experientes dirigentes; pelo Senado Federal que relatou, votou e aprovou o Ato Olímpico em menos de 10 dias; pelo incansável Ministro dos Esportes, pela Câmara dos Deputados, pelos funcionários e dirigentes do Comitê Olímpico Brasileiro, pela imprensa, todos foram contagiados e seguiram, pessoalmente ou representados, rumo a Copenhague para apoiar, torcer e conquistar juntos e sob o comando de Nuzmam, essa grande vitória.
No momento em que se anunciava a conquista do Rio e a euforia incendiava os corações, eu o vi abraçado a sua esposa, Marcia Peltier, num gesto de reconhecimento e gratidão pelo tanto que dela recebera de encorajamento, ternura e amor na longa e árdua caminhada de tormento e de esplendor. Seria uma omissão imperdoável não mencionar uma dama tão ilustre, em cuja personalidade se harmonizam as doçuras da alma feminina e as resistências de caráter da mulher brasileira. Uma tarde/noite de gala. Um momento inesquecível. Uma página de glória com dimensão monumental que se acrescenta ao patrimônio das mais caras conquistas da nossa geração. Que em 2016 vibre nas pistas, nas quadras, nos campos e nas piscinas, nos músculos e tendões de cada um de nossos atletas, a fibra de um gladiador. Do gladiador carioca chamado Carlos Arthur Nuzman.