Milhões de pessoas, pelo menos uma vez na vida, devem ter se perguntado sobre o que pode estar por trás de uma seqüência de eventos aleatórios e fortuitos que levam uma pessoa a estar no lugar errado, na hora errada e por isso ser vítima de um brutal assassinato, como foi o caso de Jean Charles de Menezes em Londres.

Jean morava e trabalhava em Londres no momento de um atentado terrorista que pôs fim a décadas de um ambiente de paz que se estendia desde os trágicos bombardeiros alemães da Segunda Guerra mundial; residia em um prédio onde, segundo a polícia e confirmado pelo IPCC –Independent Policial Complaints Committee (Comitê Independente de Investigação sobre Reclamações da Atuação da Polícia) -, viviam também suspeitos de colaborarem com organizações terroristas; Jean sai para trabalhar, naquele específico dia, um pouco atrasado, encontra a estação habitual do metrô fechada e se dirige para a próxima; três equipes de policiais trocam informações desde a saída de Jean de sua residência até a entrada no metrô; em contato, por questões de cadeia de comando, com superiores, quase uma dezena desses policiais, experientes, bem treinados e bem equipados, participa, com a informação que fornece, na constituição final de um juízo de valor que, uma vez implementado, acarreta a consecução de uma das mais desastrosas operações policiais de que se tem notícia: um inocente é executado com oito tiros, munição aparentemente dum-dum, sendo sete deles desferidos na cabeça.

Miseravelmente, outro brasileiro, só para citar casos recentes de repercussão mundial, Fábio Silva, aos 27 anos, deixou para sempre esposa e filho, pois foi uma das 192 vítimas do atentado terrorista de 11 de março de 2004 em Madri. Duas tragédias com algo em comum: a morte de brasileiros que estavam no lugar errado, na hora errada.

Escrevo este artigo na Europa. Vim com uma comitiva de parlamentares brasileiros à Irlanda, Inglaterra, Espanha e Portugal para examinar a condição, nesses países, dos emigrantes brasileiros, que já são milhões pelo mundo. Com relação ao caso de Jean Charles, dissemos enfaticamente às autoridades inglesas responsáveis pelo inquérito, aos parlamentares e à imprensa que esperamos que as investigações não terminem por culpar o regulamento, ou dilua a responsabilidade na cadeia de comandos, isto é, todos são culpados e aí ninguém é punido.

É preciso que saibam que qualquer violência cometida contra um brasileiro, esteja onde estiver e por mais humilde que seja, resultará em que por trás dele estará um Governo, um parlamento, um povo que irá cobrar justiça. E o fazemos não só em nome de um concidadão, do qual nos orgulhamos, mas em defesa de 200 milhões de imigrantes que hoje vivem fora de seus países de origem. O caso do Jean, pela repercussão internacional que teve, se tornou simbólico.

Na Câmara do Lordes recebi um relatório da Comissão de Assuntos Internos que, após meses de estudos, concluiu, com provas, que a imigração tem papel positivo na economia inglesa. Portanto, faz sérias recomendações ao governo no sentido de apoiar a integração da comunidade de imigrantes no país. Na Espanha ouvi a mesma coisa. Os imigrantes, além de tudo, têm um papel fundamental na equação da previdência pública, cujas contas, para fechar, necessitam que muito mais gente esteja trabalhando do que aposentada.

Desgraçadamente, por culpa de uma política econômica equivocada, que infelizmente continua sendo defendida pelo presidente Lula, criamos a geração dos emigrantes. A geração dos que correm o risco permanente, como os brasileiros citados, vítimas dos covardes atentados, por estarem no lugar e na hora errados.

Publicação – Folha Universal, Edição 714, de 2005