Morreu John Kenneth Galbraith. Foi o maior economista da segunda metade do século XX, sucessor e divulgador de Keynes – o qual, por sua vez, havia sido o mais destacado economista da primeira metade do século. Morreu com alguma melancolia em relação aos rumos do capitalismo moderno, tendo em vista a prevalência, no final do século, da política neoliberal, que se impôs, circunstancialmente, por razões sociológicas complexas, em contraposição ao capitalismo regulado que pregava.

Era um notável escritor, com capacidade literária incomum entre economistas. Seus detratores, enciumados, tentavam desqualificá-lo, dizendo que não era bem um economista, mas um sociólogo. É que o pensamento original de Galbraith começou a incomodar justamente quando, dos anos 50 para cá, a corrente dos monetaristas e dos neoclássicos começou a tornar-se dominante mediante a manipulação de modelos teóricos chamados neoclássicos, e que depois evoluiriam para se tornarem a base do neoliberalismo.

Pairando sobre a mediocridade da economia matemática, Galbraith penetrou como ninguém na dinâmica da sociedade capitalista madura com livros luminares como “A Sociedade Afluente” e “O Capitalismo Industrial”. Percebeu dimensões antes insuspeitas, como as contradições, nas corporações capitalistas de ponta, entre proprietários e administradores. Percebeu o fenômeno das necessidades criadas pelo capital, e defendeu, de forma apaixonada, a prevalência do interesse público sobre o privado.

Em todas as circunstâncias agiu segundo sua consciência e suas convicções intelectuais, e eventualmente assumiu posições radicais, como na ruptura com o presidente Johnson por causa da guerra do Vietnã. De forma alguma foi autorizado pela elite americana. Ao contrário, de alguma maneira trouxe influentes personalidades desse segmento para as causas progressistas que defendia.

A elite conservadora nunca o perdoou. Talvez tivesse mais medo das reformas capitalistas que propunha — por serem viáveis e porque, afinal, já tinham sido testadas nos governos Roosevelt — do que de uma suposta revolução comunista defendida pelos esquerdistas radicais, e que, nos Estados Unidos, nunca atemorizaram ninguém – exceto talvez nos momentos mais críticos da Grande Depressão. Nunca acreditou no socialismo real. Mas também nunca fez uma defesa apologética do capitalismo, que queria sob responsável regulação do Estado.

Já na maturidade, escreveu um roteiro para televisão transformado em livro, “A Era da Incerteza”, que é uma viagem imperdível ao mundo do pensamento econômico ocidental, desde suas origens no século XVIII. O curioso no caso é que, temendo as repercussões do programa nos Estados Unidos, Milton Friedman, seu oponente mais destacado no campo da economia política, correu à Europa e voltou aos Estados Unidos no esforço de convencer a BBC e outras tevês, primeiro a não exibi-lo, e depois a fazerem um programa parecido, porém ancorado por ele e sob a sua ótica. Conseguiu!

Dificilmente a ciência econômica terá outro Galbraith. A combinação de rigor analítico, percepção para o novo, e estilo elegante, temperado para uma ironia sutil que algumas vezes chega ao sarcasmo, raramente se reunirão de novo sob a pena de um mesmo autor. É que a economia, em grande parte, degenerou para a matemática e o modelismo, perdendo muitas de suas características humanas. E para não falar da parte dela que é orientada exclusivamente por interesses. Neste caso, como dizia Galbraith, não é possível acreditar em análises de quem tem interesses próprios em jogo!

Publicado na Folha Universal, Edição 736, de 2006