O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, V. Exª traz a esta Casa a majestade da figura de Dom Pedro II, o mais conspícuo de todos os brasileiros. Sentado, solenemente, à mesa, como Presidente da nossa sessão, V. Exª nos traz a lembrança do grande brasileiro Dom Pedro II, o mais conspícuo, na sua época, dos brasileiros.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Srªs e Srs. Senadores, Srªs e Srs. telespectadores da TV Senado, Srªs e Srs. ouvintes da Rádio Senado, ilustres visitantes e servidores desta Casa, a Folha de S.Paulo, verdadeiro baluarte nacional na luta pela liberdade da informação, completa 90 anos de existência. É um fato importante. Atravessou crises econômicas, que não foram pequenas, dilúvios de ódios e de paixões, que fazem parte da política brasileira. AFolha de S.Paulo está completando 90 anos! Esse é um marco para nós, um alento para todos os brasileiros, porque mostra que, nesses 90 anos, mesmo com momentos de exceção, em que fechamos o Parlamento, em que fomos governados por ditadores – atravessamos momentos difíceis, de intensas crises econômicas, financeiras e cambiais –, temos a celebrar um órgão da imprensa que resistiu a isso tudo, mostrando que o povo brasileiro ama, realmente, a liberdade, a justiça e a democracia.
São 90 anos de existência e de vigília incansável, para que os brasileiros tenham acesso a um veículo confiável de comunicação. A excelência do jornal é demonstrada em números. Por 25 anos, a Folha manteve a liderança no número de exemplares vendidos no Brasil. Atualmente, é um dos jornais de maior circulação do País, além de ser, inegavelmente, um dos mais influentes.
O jornal começou a circular em 19 de fevereiro de 1921, com o nome de Folha da Noite. Seus fundadores foram Olival Costa e Pedro Cunha. Em 1925, foi criada a Folha da Manhã, edição matutina da Folha da Noite.
Por ter apoiado a candidatura de Júlio Prestes, um paulista, à Presidência da República, o jornal foi empastelado, isto é, depredado e fechado, em 24 de outubro de 1930, quando saiu vitoriosa a revolução que colocou no poder o gaúcho Getúlio Vargas. Mas foi breve esse período, esse ato. Esse eclipse foi curto. Em janeiro de 1931, o jornal foi vendido para Octaviano Alves Lima, cafeicultor, que priorizou a defesa dos interesses dos produtores agrícolas. Além disso, adotou a linha editorial de defesa do liberalismo e de oposição ao Estado Novo. Contou, no período da ditadura Vargas, com nomes de expressão como Diógenes de Lemos Azevedo; Guilherme de Almeida, considerado o Príncipe dos Poetas Brasileiros; e Rubens do Amaral. A tiragem diária saltou de 15 mil para 80 mil exemplares, um número respeitável para os anos 30.
Em 1945, o controle da companhia, que já se denominava Empresa Folha da Manhã, passou para as mãos de José Nabantino Ramos. Como o jornal era voltado para a classe média, adotou-se a imparcialidade como linha editorial e a defesa do ensino público e da cédula única. Em julho de 1949, foi lançada a edição vespertina, com a denominação de Folha da Tarde.
Em 1953, a empresa transferiu suas atividades para o prédio ocupado ainda hoje, na Alameda Barão de Limeira, onde funciona a administração, a redação, a publicidade e as oficinas de composição e impressão. Lá se encontram, atualmente, os jornais do grupo: Folha de S.Paulo e Agora. Lá também funcionou o jornal Notícias Populares, que foi publicado entre 1963 e 2001.
Uma nova fase teve início em 1º de janeiro de 1960, quando houve a fusão das três Folhas (da Manhã, da Tarde e da Noite), quando foi adotada a denominação que conhecemos atualmente: Folha de S.Paulo.
Em agosto de 1962, Octávio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho assumiram o controle da empresa Folha da Manhã. A família Frias se encarregou de manter o jornal com a qualidade com que ele chegou ao seu 90º aniversário e que o mantém entre os jornais de maior circulação do nosso Brasil.
Em 1973, demonstrando seu pioneirismo em avançar no mundo da informação, a empresa criou o Banco de Dados de São Paulo, destinado a armazenar os arquivos de foto e de texto, e a biblioteca da empresa.
Creio que V. Exªs hão de convir que a democracia depende, e muito, de uma imprensa independente. Por isso, temos de reconhecer a importância do papel assumido pela Folha de S.Paulo para a redemocratização do nosso País, quando se encontrava em plena vigência o regime militar, imposto em abril de 1964.
Em 1975, sob a direção do jornalista Cláudio Abramo, o jornal começou a se destacar por adotar um posicionamento político que não agradava os militares e também por permitir a publicação de textos que divergiam do Governo. Exemplo disso foi a criação, no dia 22 de junho de 1976, da seção denominada Tendências/Debates, um espaço destinado à publicação de artigos de intelectuais e de políticos perseguidos pelo regime militar.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde os anos 80 do século passado, a Folha é um dos jornais de maior destaque do País. Em 1983, tornou-se a primeira redação informatizada da América do Sul, com a instalação de terminais de computadores para a redação e a edição de textos. Em 1984, mais uma vez, a Folha se destaca ao criar o Manual de Redação, no que se expõe uma concepção do jornal, da política editorial às fases da produção.
A Folha de S.Paulo destacou-se em relação aos demais veículos de comunicação na campanha das Diretas Já, o que resultou na criação de um documento interno denominado A Folha depois da Campanha Diretas Já, no qual se propunha um modelo de jornalismo crítico, pluralista, apartidário e moderno.
O dinamismo de um jornal de incontestável sucesso e independência não deixa de incomodar certos setores do poder político. Dessa forma, em março de 1990, a Folha foi invadida por agentes da Polícia Federal, num gesto de truculência, sob o pretexto de busca de irregularidades administrativas.
Em 1993, a Folha tinha uma tiragem de 420 mil exemplares durante a semana e de mais de 700 mil aos domingos. Em 1994, com o lançamento de fascículos encartados do Atlas Folha/New York Times, a tiragem dominical, Srªs e Srs. Senadores, atingiu a marca quase inacreditável de 1.117.802 exemplares, que a transformou no primeiro jornal brasileiro a superar a marca de um milhão de exemplares, com direito a registro noGuiness Book, o Livro dos Recordes, na edição de 1996. Foi algo que impressionou o mundo: a edição de domingo de um jornal de um País ainda em desenvolvimento vendeu mais de um milhão de exemplares.
A Folha de S. Paulo continua mantendo-se em primeiro lugar no que diz respeito à tiragem dos jornais brasileiros. Novos tempos, novos meios de comunicação, e a Folha mantém seu o pioneirismo. Em abril de 1996, foi lançado o primeiro serviço online de grande porte no Brasil, o Universo Online – UOL, em caráter experimental, com acesso aberto a todo usuário da Internet. Em setembro, deu-se a fusão com o Brasil Online – BOL, do Grupo Abril, dando origem a uma nova empresa, a Universo Online S.A., a primeira associação entre dois grandes grupos de comunicação do País.
Desde meados dos anos 90, o Grupo Folha dispõe de um moderníssimo parque gráfico, localizado em Tamboré, na cidade de Barueri, a 35km de São Paulo, o Centro Tecnológico Gráfico – Folha (CTG-F), considerado, para orgulho nosso, o maior da América Latina. Lá são realizados, atualmente, os trabalhos de impressão dos jornais Folha de S. Paulo, Agora e Valor Econômico, este último, de criação relativamente recente. Aliás, o Valor Econômico, especializado em economia, como diz o nome, é resultado da associação também de dois grandes grupos de comunicação: o Grupo Folha e o Infoglobo, do Rio de Janeiro, da minha terra. Essa publicação, Valor Econômico, foi lançada em 2 de maio de 2000 e demonstra preocupação em atender segmentos específicos de mercado. É impresso, simultaneamente, em Barueri – os exemplares ali produzidos circulam em São Paulo – e em Duque de Caxias, cujos exemplares circulam no Rio de Janeiro.
Srªs e Srs. Senadores, era necessário traçar, ainda que de forma bastante resumida, a trajetória histórica desse importantíssimo veículo de comunicação em que se transformou a Folha de S. Paulo, para que V. Exªs pudessem melhor avaliar a seriedade com que sempre se conduziu, no afã de manter bem informados os brasileiros. Sua isenção e sua luta pela independência como instrumento de informação a fazem merecedora das maiores homenagens deste Parlamento no seu 90º aniversário.
Meus votos são de que o objetivo que sempre norteou os editores, no sentido de fornecer aos leitores informação isenta e completa, seja perseguido sempre, com a seriedade e a competência já conhecidas e consagradas pelos leitores brasileiros.
Então, permiti-me submeter aos Srs. Senadores o requerimento de uma sessão solene, para que pudéssemos festejar não apenas os 90 anos desse grande jornal, mas também os 90 anos em que os brasileiros conseguiram manter a liberdade de imprensa viva e atuante, é verdade que com alguns melancólicos eclipses. Inclusive, o Senador Suplicy, que é de São Paulo, também um entusiasta dessa sessão solene – há pouco, falávamos pelo telefone –, ressaltava que não se trata apenas da celebração dos 90 anos de um jornal, mas também da celebração de 90 anos em que, com todas as dificuldades dos processos de nossa evolução social, econômica, política, pudemos manter acesa a chama da liberdade, numa das suas mais importantes características, que é a liberdade da imprensa.
Hoje, antes de terminar, Sr. Presidente, eu gostaria de citar – está na página C-13 da Folha de hoje – um assunto muito interessante, que diz: “DNA de negros e pardos do Brasil é muito europeu”. É interessante. Permitam-me trazer aqui uma reminiscência.
Todos sabemos que o Brasil era habitado pelos índios quando chegaram os portugueses e quando chegaram também os franceses, sobretudo na minha terra, na Ilha de Villegagnon. Para os europeus do norte, os anglo-saxões, as mulheres de pele escura tinham uma conotação de sub-raça. Em todo o Renascimento, as pinturas dos grandes mestres europeus retratavam os anjos e os santos e até a Virgem Maria, que era uma dama ilustre, mas do Oriente Médio, como loiros, como pessoas de olhos claros. Os anjinhos sempre eram retratados de cachinhos dourados. A pele morena não era prestigiada.
Villegagnon punia com morte seus companheiros que fornicassem com as índias, que eram generosas nesse aspecto e que receberam com furor uterino os portugueses. Eram as mães dos primeiros heróis, porque as mulheres brancas que vieram da Europa não sabiam criar filhos no clima tropical: com seu cueiro, com sua mantinha, aqueciam os bebês, que pegavam infecção no ouvido e na garganta e morriam. As índias, naquela ocasião, já tomavam dez banhos por dia. O português, o francês, o alemão que aqui chegaram no século XVI não se lembravam a última vez que tinham tomado um banho. As índias nos dão os curumins, que estão na gênese do heroísmo da nossa raça. Foram eles que vararam aquelas matas espessas, subiram e desceram montanhas, fugiram de cobras e de onças, atravessaram a caatinga e os sertões, balizaram uma das maiores geografias do mundo, a golpes de tenacidade e de bravura, e nos deram uma gênese extraordinária no concerto das nações.
Todos sabem que a riqueza do Brasil começa com a cana-de-açúcar e chega ao nosso tempo com o café. A cana-de-açúcar era produzida pelo negro, bem como o café. Os negros vieram da África para nos ajudar. Os negros têm sua característica própria. Se os índios eram pé de vento, se os índios queriam caçar, pescar, entrar pelas matas, viver aventuras, a índole do homem africano – digo isso como quem viveu dez anos na África –, a índole que vinca a alma do povo africano é mais dada à rotina, à permanência, à persistência, ao trabalho do dia a dia, que, muitas vezes, não é, eu diria, a vocação nem da raça branca nem da raça vermelha. Então, foram os negros que enfrentaram a epopeia de plantar e colher a cana, de levá-la até o engenho, de purgar o açúcar, de suportar a senzala. E fizeram isso em regime de trabalho de doze horas por dia, de sete dias por semana e de doze meses por ano, em mais de 350 anos.
Nossos avós, nossos antepassados, todos sabemos, diziam – isso está nos livros; aqui, não quero tecer qualquer comentário de valor aos meus pais, aos meus avós, aos meus antepassados, a quem devo este País na grandeza e até este Senado e esta tribuna – que as mulheres brancas eram para casar, que as índias eram para o amor, que as negras eram para trabalhar. Mas as negras, que trabalharam muito e construíram este País, tinham também um sentimento que encontrei na África: a mulher africana quer ter um filho por ano, e não é muito relevante quem seja o pai; o importante é o filho. A estrutura de família é algo ainda em formação na África, por questões referentes ao lobola, por questões tribais, por questões de tradição. Isso nos trouxe uma grande tragédia, que foi a Aids, devido realmente ao fato de os homens terem muitas mulheres e ainda viverem, sobretudo na área rural, no sistema da poligamia. Pois bem, as mulheres negras nos deram muitos filhos. Não nos negaram nem o trabalho, nem o esforço, nem os seios, porque não há um de nós que, em quaisquer dos ramos de sua família, dos seus antepassados, não tenha sido amamentado por uma mãe negra.
Sr. Presidente, tudo isso se fundiu nesse caldeirão racial, onde, há quinhentos anos, forma-se a alma e o homem brasileiro. O estudo que está à página C-13 da Folha de hoje devia ser lido por todos os brasileiros. Vejam o que diz a Folha de S.Paulo: “Variação de região para região do país é baixa”. Em termos de herança genética, é pequena a variação. E nos adverte sobre a cor da pele. Meu Deus, quantas guerras se travaram por causa da cor da pele!
Os portugueses que vieram para cá se encantaram com as índias porque, sabemos, a Península Ibérica é a esquina do mundo. Ali passaram celtas, godos, visigodos, romanos, mas passaram os mouros também, que vieram da Mauritânia, que eram árabes, cujas mulheres eram muito bonitas, de cabelos negros, de olhos negros, e fizeram, então, todos os devaneios do espanhol e do português, que lhes eram escravos. Então, eles não eram como os anglo-saxões, que consideravam as mulheres de pele escura uma sub-raça. Aqui, apaixonam-se pelas índias e pelas africanas, embora a civilização portuguesa também nos tenha trazido a sífilis, o que foi terrível para o princípio da nossa constituição genética.
Aqui, diz-se que, dos milhões e milhões de genes do código genético do nosso DNA, a cor da pele se relaciona a poucos genes. Portanto, esse é um parâmetro enganoso. Aqui, o repórter, muito feliz – quero parabenizar a Folha de S.Paulo –, mostra que, no Brasil, brancos, pardos e negros, todos eles têm uma constituição genética muito semelhante.
Vou citar um dado: um negro do Rio Grande do Sul, por exemplo, o Paim, tem 43% de DNA europeu, 44% de DNA africano e 1% de DNA indígena. Já o negro, no meu Rio de janeiro, é um pouquinho mais africano, apenas 5% a mais: 40% do DNA dele é europeu, e tem um pouquinho menos de índio. No Pará – é interessante, que coisa! –, o DNA europeu dos negros é muito maior do que o africano.
Quero dizer para os senhores o seguinte: fui missionário na África durante dez anos e eu já havia descoberto essa questão do DNA antes dos cientistas.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB – RR) – Senador Marcelo Crivella, permita-me um aparte?
MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Já vou lhe conceder um aparte, Senador Mozarildo. V. Exª é um homem da Medicina. Eu já havia descoberto isso e vou explicar a V. Exª por quê.
Na África, em 1993, ainda na época do Apartheid, fui missionário. Houve um certo, vamos dizer assim, constrangimento tanto por parte dos negros como dos brancos. O corretor de imóveis que procurei para me ajudar a encontrar o salão – eu era missionário, precisava de um local – disse: “Onde é que você está pensando em procurar o salão?”. Falei: “Em frente à estação”. Ele falou: “Como?”. Isso ocorreu numa cidadezinha chamada Durban, na Zululand. Ele disse: “Como? Que estação?”. Eu disse: “Estação de trem”. “Ah, o senhor deve estar brincando comigo”. Eu disse: “Por quê?” “Porque ali é área dos negros. Nasci aqui, tenho 32 anos, nunca fui lá. Eu nunca fui lá!” E era uma distância de cinco quilômetros de onde estávamos sentados, conversando.
Era o Apartheid absoluto, inexpugnável, na alma, na letra da lei, na cultura. Em todos os lugares, encontrava-se a separação, até mesmo na praia! Havia a praia dos brancos: por dez quilômetros, não podia haver mais ninguém. Havia a praia do índio e a praia do negro. Havia os bairros brancos, negros, indianos, bem como as escolas brancas, negras e indianas. No comércio e nas praças, nem o branco podia entrar nos do negro, nem o negro podia entrar nos do branco. Era um Apartheid completo. Então, não me conformei com aquilo e fui sozinho. E, sozinho, abri o nosso primeiro local de trabalho.
Os negros vinham, olhavam e não queriam entrar. Por quê? Porque achavam muito suspeito: como é que esse branco está aqui tentando falar de Deus, falar de Jesus! Eles, então, não vinham. Para os brancos, eu era, talvez, um ingênuo, um desinformado. Para os negros, eu era um suspeito.
Com um ano, nós já reuníamos 50 mil pessoas nos estádios e, de alguma forma, aquela população negra, na minha maneira de ser – minha e dos outros que foram comigo –, na maneira de falar, de cantar, de pregar, via alguma negritude, via alguma afinidade. E as barreiras caíram, quebraram. E não só na África do Sul, mas encontrei a mesma coisa no Maláui, no Zimbábue, no Quênia, em Uganda, no Lesoto, na Suazilândia, na Costa do Marfim, em Madagáscar, aonde fui. Em todos os lugares, as barreiras caíram, porque o brasileiro é isto: ele não é vermelho, não é branco, ele não é negro, ele é tudo isso e muito mais, de tal maneira que no passaporte brasileiro você pode colocar o nome que quiser e a fotografia que quiser.
Acho que, neste mundo globalizado, o imenso sucesso que o Presidente Lula fez foi exatamente por isto: por não ter vergonha de ser brasileiro, por em todas as ocasiões falar português, vestir-se como brasileiro, ser um brasileiro na alma e trazer uma identidade subjetiva e extraordinária com todos os povos.
Então, dou este depoimento, Senador Mozarildo. Lá, quando começamos a ter muitas pessoas indo à igreja, as coisas cresceram. Nós precisávamos trazer mais brasileiros, e alguns dos brasileiros que foram eram negros. As mulheres brasileiras chegaram lá e tinham o cabelo bonito, como elas têm aqui. As africanas ficaram encantadas. Então, até nas ruas, no supermercado, de repente vinha uma africana, botava a mão no cabelo das brasileiras e dizia: “Como é que é isso? Como é que vocês conseguiram isso?”. E as brasileiras então diziam: “Olha, lá no meu país, o Brasil, nós temos produtos que nós aplicamos”. E elas diziam: “Mas que produtos são esses?”. Diziam: “É o henê”. E elas não sabiam o que era isso. Então, quando eu vinha ao Brasil, as africanas esposas dos pastores e membros da igreja diziam: “Ó Pastor, traz para nós os produtos, traz para nós os produtos”. E eu, então, naquela ocasião, entre 93 e 94, descobri a existência do henê. E levei. Eu me lembro de que havia Pelúcia, Primícia, Marú. Eram vários tipos. Eu levava para elas, porque elas queriam, elas pediam, encomendavam. Só que, quando elas aplicavam no cabelo delas, era um Himalaia de frustração. Aliás, um Himalaia não, errei a palavra; não era um Himalaia, era um Kilimanjaro – nós estávamos na África – de frustração, porque no cabelinho delas o produto não fazia nenhum efeito, não tinha nenhum resultado. E elas ficavam tristes, elas brigavam comigo: “Mas o senhor não trouxe os produtos!”. Eu dizia: “Eu trouxe, mas acontece que as brasileiras, mesmo com a pele mais escura do que uma xhosa, uma tswana, uma shangaan, uma pédi, uma zulu, as brasileiras já estão misturadinhas há muito tempo”. Elas já não são mais africanas na sua raiz, no seu DNA e na sua gênese, porque isso não existe mais no Brasil. Está aqui, hoje. Isso eu já tinha descoberto em 1993, mas a ciência agora veio comprovar minha tese. Às vezes, a ciência atrasa um pouco – com o perdão da brincadeira.
Mas este é o fato: este é o Brasil que amamos, e é este povo extraordinário que há de construir a Nação dos nossos sonhos. As pessoas às vezes fazem muita propaganda dos Estados Unidos, do Canadá e dos países da Europa. Quero ver um exemplo de qualquer raça anglo-saxã nos trópicos. No clima temperado, tudo bem! Mas quero ver aqui, onde a gente já levanta com o suor pingando nos olhos, onde sentimos a febre de todas as doenças tropicais e o tempo todo é esse enxame de bichos. Se a gente vai colher uma goiaba, ela já tem bicho. São bactérias e fungos comendo nosso dedo do pé, o branco dos olhos, os vasos linfáticos da virilha e das axilas. Somos um povo extraordinário, que vencemos tudo e todos, com uma capacidade de trabalho extraordinária e, sobretudo, com a nossa fé em Deus.
Então, está aqui, Senador Mozarildo, uma reportagem muito bacana que mostra que, no Brasil, de maneira nenhuma, qualquer política ou espírito de segregação, racismo e discriminação jamais vai ecoar na alma do povo brasileiro. Por quê? Porque nós todos somos, neste caldeirão, uma mistura. E mesmo aqueles… Enganam-se. Aqui está dizendo: a pele é parâmetro enganoso. Estou dizendo, está aqui: os negros do Pará têm DNA mais europeu do que africano.
Senador Mozarildo, por favor.
O Sr. Mozarildo Cavalcanti (PTB – RR) – Senador Marcelo Crivella, quero cumprimentá-lo, parabenizá-lo mesmo pelo assunto que traz à tribuna do Senado, embora se baseando em uma reportagem, porque é importante ter uma base para mostrar todo o conhecimento que V. Exª também já tinha sobre o assunto. Eu fico feliz. V. Exª, pelo lado religioso, tem esse espírito humano, eclético, em relação a essa questão; e eu, como médico, também. Esse estudo sobre o DNA do brasileiro, que já tinha sido publicado anteriormente, mostra claramente como, na verdade, nós temos uma outra raça, nós temos a raça brasileira, que é fruto dessa miscigenação de europeus, de índios, de negros, que deu realmente essa qualidade a nós, brasileiros, de sermos um povo que herdamos dos índios a paciência, a tranquilidade; que herdamos dos negros a força, a capacidade de trabalho; e herdamos dos europeus algumas virtudes também. Então, eu fico preocupado é quando vejo algumas pessoas, algumas instituições, quererem racializar o Brasil, segregar o Brasil por raças, criando, por exemplo, quilombos, criando reservas indígenas. Eu não discuto. Se um grupo de negros quer viver em uma área em que tenham mais tranquilidade, mais condições de trabalhar, perfeito! Eles querem. A mesma coisa os índios: querem ter uma área deles, uma terra para produzir? Também concordo. Acho que não poderia haver falta de respeito a isso. No entanto, é muito perigoso quando se estimula esse tipo de coisa e começa a haver, aí sim, um certo apartheid, e até um certo… Eu não diria ódio, mas pelo menos aversão a essa ou àquela categoria, a essa cor. Aprendi na Medicina que a cor da pele só serve para indicar que algumas doenças incidem mais nos mais claros – por exemplo, câncer de pele incide muito mais em pessoas de pele clara – e algumas doenças, como anemia falciforme, mais em pessoas de pele negra. Mas só esse indicador é que vale, o resto não vale. Para mim, portanto, é muito importante que tenhamos essa consciência, e até uma consciência maior: de que isso causa inveja a muitos países grandes, desenvolvidos, porque eles não foram capazes de fazer essa miscigenação de maneira… Eu sei que, no passado, podem ter havido injustiças e tal, mas, de qualquer forma, essa coisa foi evoluindo, e hoje nós temos um povo que é assim: bom, trabalhador, capaz e, sobretudo, um povo que não tem essas coisas que vemos no mundo todo, esses ódios por religião, por cor, por categoria social. Nós somos realmente um povo abençoado. E, talvez por causa dessa carga genética que nós temos, nós tenhamos essa característica. Dizem: “Ah, o brasileiro tem o jeitinho brasileiro”, exatamente porque o brasileiro é tolerante, é capaz de encontrar sempre uma saída que não seja a guerra, que não seja a briga. Criticam até que nós fizemos a Independência sem lutar. Fizemos da maneira mais inteligente possível: dialogando, concedendo e amarrando uma independência pacífica. Parabéns, portanto, pelo tema!
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Obrigado, Senador. V. Exª disse que não devemos nos repartir nem em quilombos nem em reservas. V. Exª tem toda razão. Nós respeitamos e queremos nos redimir da nossa dívida com negros e com índios. Mas não é separando, não é dilacerando aquilo que… E também não é desrespeitando os nossos princípios cristãos.
Há nesta Casa o PLS 122, que foi arquivado na legislatura passada e agora volta à discussão. Por que foi arquivado? Porque não conseguiu tramitar em nenhuma Comissão. Mas por que não tramitou? Simplesmente porque proíbe a pregação da Bíblia como ela é. Todos os parlamentares – e o brasileiro, na sua índole – respeitam a decisão, a preferência sexual de cada um. E não aceitamos que sejam eles, homens ou mulheres, vilipendiados na sua decisão, ridicularizados, diminuídos, subalternizados, de jeito nenhum. Isso a lei pune. Não só em relação a eles, como a qualquer outro brasileiro de qualquer outra situação. Mas o problema é que a lei não avançou porque ela criminaliza a Bíblia. Ela prende o sacerdote cristão e o pastor evangélico por dizer aquilo que a Bíblia diz: o homossexualismo é um pecado.
Ora, nós podemos, com muitas lutas, conseguir maioria para votar em dois turnos e aprovar uma emenda à Constituição, mas nós não vamos conseguir fazer uma emenda à Bíblia. Nós não vamos poder. Ah, não vamos! Não será possível, não será viável. Pelo contrário, o povo brasileiro… aquele curumim foi o primeiro a vir para as escolas dos jesuítas. Durante quatrocentos anos neste País, cada vez que um galeão aportava a um cais brasileiro, subia um frade, e as pessoas, então, podiam ser até de qualquer nacionalidade, podiam ter qualquer característica física, mas o frade perguntava: “Você é católico? Você sabe fazer o sinal da cruz?”. Então, por quatrocentos anos, a unidade que havia da Nação brasileira era o catolicismo. As pessoas perguntavam: “O que você é?”. “Católico, apostólico, romano.” Às vezes, nem frequentavam a igreja, mas era uma senha, uma senha de que o Brasil crescia com uma civilização cristã. Assim foram nossos antepassados, assim nos formamos nas universidades, nas faculdades, na escola, no Parlamento. Aqui, não se emenda a Bíblia. Emenda-se a Constituição, com dificuldades. Imagine tentar mudar um texto sagrado que está na alma, no coração, no espírito, na índole, na vocação que vinca a alma do povo brasileiro!
É preciso encontrar um caminho. É preciso encontrar um caminho, porque os direitos terminam quando começam os dos outros. E não se pode censurar, vetar, ameaçar, constranger a pregação da Bíblia como ela é. Agora, entendam: aqueles que confessam ou aqueles que optam por outra, vamos dizer, forma de constituir sua família, quando a Bíblia aconselha e diz que se trata de um pecado, faz isso de maneira amorosa, respeitosa, carinhosa, como um pai aconselha um filho, como alguém que quer bem, tem um amor que não é fingido, não é velado. Às vezes, há discursos fáceis de políticos, mas por interesses eleitoreiros. E o povo vai distinguir isso.
Respeito e amor verdadeiro muitas vezes impõem que falemos a verdade, até mesmo quando, politicamente, não se recomenda isso. Mas, ora, somos brasileiros, temos que aprender a conviver com as diferenças. É uma característica da nossa raça, do nosso povo, da miscigenação, que não podemos mudar e que há de se perpetuar nesta terra, até enquanto Deus nos permitir existir.
Então, Sr. Presidente, eram estas as palavras que eu gostaria de trazer neste momento em que estamos pedindo aos Srs. Senadores e à Mesa do Senado que nos conceda uma sessão solene para celebrarmos não só o aniversário de 90 anos da Folha, mas também 90 anos de liberdade de imprensa, com algumas elipses, tenho aqui que reconhecer, até amargurado. Mas vencemos e permitimos que se constituísse uma grande empresa, que é baluarte, que é patrimônio nosso e que, acima de tudo, é um marco do espírito de amor à liberdade, à justiça, à paz e ao direito.
Muito obrigado, Sr. Presidente.