O SR. MARCELO CRIVELLA (PL – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs Senadores, telespectadores da TV Senado, nossos amigos da Rádio Senado, é um prazer estar hoje na tribuna do Senado Federal para homenagear uma das figuras mais importantes do Rio de Janeiro, o Dr. Siro Darlan, recém-promovido a Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado, defensor incomparável do Estatuto da Criança e do Adolescente, um homem que tem uma trajetória sem precedentes de serviços prestados ao nosso Estado, à minha terra. 
Por isso, hoje ocupo a tribuna do Senado Federal para homenagear esse grande brasileiro, de quem tenho a honra de ser conterrâneo. 
Diz a Bíblia: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”. São palavras de Jesus escritas no Evangelho segundo Mateus. Sabemos que distribuir justiça com as limitações inerentes ao ser humano é das tarefas mais nobres e mais difíceis da vida em sociedade. 
O múnus público da magistratura torna-se ainda mais complexo em um contexto de gritantes disparidades sociais, em um meio onde o violador da lei, com freqüência, é, ao mesmo tempo, algoz e vítima de nossas piores iniqüidades. Separar o joio do trigo, exercer o direito com firmeza, mas sem perder o olhar humano, é tarefa em que poucos conseguem êxito. 
Felizmente, esse tem sido o caso do Juiz Siro Darlan, há mais de 22 anos na magistratura do Estado do Rio de Janeiro, onde se notabilizou por sua atuação exemplar à frente da 1ª Vara da Infância e Juventude do Juizado de Menores. 
E o exemplo profissional representado pelo Dr. Siro advém, sobretudo, do seu inconformismo, de sua consciência sobre o seu papel de autoridade capaz de promover transformação social, de sua cobrança, muitas vezes duras, de providências e de responsabilidade por parte do Poder Público, quando todos os mecanismos de proteção social deixaram de funcionar. 
De muito pouco adianta contarmos com legislação avançada sobre a criança e o adolescente – a esse respeito, aliás, muitos disseram que o Estatuto da Criança e do Adolescente estava acima das possibilidades brasileiras – se o operador do Direito se limitar aos escritórios e aos gabinetes refrigerados. 
Essa lucidez sempre esteve presente no trabalho do Juiz Siro Darlan. 
Concretizar a legislação de cunho social sempre foi, para ele, trabalhar para as comunidades e dentro das comunidades. É exemplo dessa postura pró-ativa o projeto “Justiça nas Comunidades”, estabelecido em parceria com Conselhos Tutelares, Ministério Público, Secretarias Municipais de Trabalho e do Desenvolvimento, entre outros. 
Através dessa iniciativa, o Judiciário vai ao encontro das comunidades mais carentes, colocando gratuitamente à disposição de todos o serviço da Justiça na área da infância e da adolescência registros civis de nascimento, termos de guarda ou tutela, regularização de processos de adoção. 
Outro exemplo de inclusão da criança e do adolescente no processo de reconhecimento de cidadania é o Programa População de Rua Assistida. Por meio desse programa, quase mil jovens foram identificados, classificados, documentados e, posteriormente, matriculados em escolas públicas e encaminhados a programas oficiais de apoio familiar ou a abrigos municipais e estaduais. 
A magistratura de Siro Darlan nos faz lembrar que os direitos de cidadania representam uma conquista que precisa ser renovada dia após dia. Até porque, Sr. Presidente, lidar com crianças e adolescentes, principalmente os desassistidos, requer atenção e urgência singulares, pois o ser humano em formação é particularmente vulnerável em face das desigualdades sociais. 
Nesse ponto, lembro-me dos belíssimos ensinamentos da poetisa chilena Gabriela Mistral, Prêmio Nobel de Literatura, quando afirma que “somos culpados de muitos erros e faltas, mas nosso maior delito é abandonar as crianças. Muitas coisas podem esperar, a criança, não. Não podemos lhes responder amanhã, seu nome é hoje”. 
Priorizar aqueles que serão o futuro da sociedade é, além de um imperativo ético, um dever cristão. O Juiz Siro Darlan tem demonstrado, de forma reiterada, ter plena consciência disso. 
Estou certo de que seu desempenho como magistrado da mais alta Corte de Justiça do Estado do Rio de Janeiro continuará a nos brindar com generosas doses de um espírito crítico que não tem outro fim senão o de aperfeiçoar nossa realidade social. 
Por esses motivos, encaminho a Mesa requerimento de voto de aplauso e louvor ao trabalho do Juiz Siro Darlan. 
Tenha certeza, Dr. Siro, que o Senado Federal é par na luta por uma sociedade mais justa, mais fraterna e mais cristã. 
Sr. Presidente, essa homenagem é devida a um dos brasileiros mais ilustres, um dos homens mais admirados, uma unanimidade em meu Estado, Rio de Janeiro, pelo trabalho exemplar que exerce à frente da 1ª Vara da Infância e da Juventude do Rio de Janeiro há muitos anos. 
Na cidade do Rio de Janeiro, um problema dos mais visíveis são as crianças de rua. Reinseri-las em suas famílias e suas famílias no processo econômico de nossa vida social é um desafio que agora, com a ascensão do nosso Juiz Siro Darlan ao cargo de desembargador seguramente será mais difícil. Ele deixa essa 1ª Vara, depois de mais de 10 anos à frente dela, inconformado. Inconformado, porque moveu contra o atual prefeito do Rio de janeiro centenas de ações, uma após outra, tentando sensibilizar o Executivo a cumprir o que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente. 
Foram várias as ações corroboradas pelo Ministério Público, com sentenças tramitadas e julgadas na Justiça, mas que não conseguiram transpor a sensibilidade da Administração Municipal. Por ocasião da campanha eleitoral, há um mês atrás, S. Exª foi a público dizer que, se a Administração Municipal não mudasse, não teria mais condições de ficar à frente da 1ª Vara da Criança e do Adolescente, no Rio de Janeiro, por já ter movido, centenas de processos sem ter obtido resposta daquele edilidade. 
É impressionante como neste Brasil dos dias de hoje vale tão pouco a vida dos cidadãos e até das crianças. Vimos agora a mídia se rendando e festejando o lucro de R$2 bilhões do Banco Bradesco, e pouco se fala sobre a renda do salário, a renda do trabalhador, que nos últimos anos caiu de R$1.300,00 para R$800,00. Festejamos oitenta bilhões de exportação, mas não refletimos sobre a nossa pauta de produtos de exportação de produtos primários e de baixo valor agregado. Pior: exportamos muita carne, muita proteína de soja, e há tanta gente passando fome neste País, especialmente nossas crianças. Continuamos a praticar um superávit primário que este ano, seguramente, ultrapassará os R$70 bilhões – no ano passado foi de R$67 bilhões. Enquanto existem 22 milhões de brasileiros desempregados; segundo os números do IBGE somos 11 milhões de brasileiros no desemprego aberto e 13 milhões, ou quase isso, no subemprego, isto é, brasileiros ganhando até um salário mínimo, representando 20% de nossa força de trabalho. A força de trabalho no Brasil é composta de pouco mais de 80 milhões de trabalhadores, portanto temos 20 milhões de pessoas desempregadas e subempregadas neste País. 
No momento de uma crise esmagadora, de uma crise social sem precedentes em nossa história, eu, do Rio de Janeiro, terra que sofre com a violência, com a exclusão social, com mais de 700 comunidades carentes, Sr. Presidente, quero fazer um relato durante este meu pronunciamento. Nem nos dez anos em que vivi na África, em Estados pobres como Malawi, Zâmbia, Quênia, Botsuana, Moçambique, Angola – e Angola, naquela época, nos idos de 90, ainda era um país em guerra, um país que sobreviveu a 27 anos de guerra civil, e Moçambique era considerado pela ONU o país mais pobre do mundo – em nenhum desses Estados, em Uganda, Tanzânia, Madagascar, Tessuto, Suazilândia, nunca vi a miséria que vejo nas comunidades carentes do Rio de Janeiro, nunca vi meninos de 14, 15 anos vendendo cocaína à luz do dia. Assusta-me a situação que impõe à sociedade brasileira essa crise social sem precedentes. Continuamos praticando uma política econômica que é pano de fundo de toda essa crise. Sem sombra de dúvida, todos os fatores, os perversos índices sociais, seja estupro, seja seqüestro, seja homicídio, estão diretamente ligados ao desemprego. A política econômica que ora praticamos neste País visa a evitar uma crise econômica, mas não dá atenção à crise social que ela produz. Temos uma política monetarista; festejamos o controle da inflação. Os índices do risco Brasil nas agências internacionais caíram; temos nossas contas equilibradas no nosso orçamento fiscal, mas ninguém fala em tantas crianças de rua, em tantas comunidades carentes que se multiplicam como cinturões, na falta de investimento nos nossos órgãos de defesa, na própria Polícia, no aparelho da Justiça; ninguém fala que nesse momento e neste País todos os morros habitados das capitais brasileiras estão sob o controle do narcotráfico, que exerce esse domínio com extrema violência sobre uma população acuada, uma população sem qualquer mecanismo de defesa do Poder Público. 
Essa absurda desigualdade social do Brasil, perpetuada por instrumentos, por mecanismos de concentração de poder e renda se reflete nas crianças, na insensibilidade do Poder Público. Reflete-se nesse momento em que faço uma homenagem a uma das figuras mais importantes da minha terra, Dr. Siro Darlan, Juiz da 1ª Vara de Juventude, que pede demissão por não agüentar, depois de mais de dez anos movendo processos contra o Poder Público, por não suplantar a insensibilidade de um País que cada vez mais se afasta do seu povo, das suas origens, da sua tradição, daquilo que nos faz uma sociedade. 
Concedo um aparte à nobre Senadora Heloísa Helena. 
A Srª Heloísa Helena (PSOL – AL) – Senador Marcelo Crivella, estava ouvindo atentamente o pronunciamento de V. Exª e nem queria atrapalhar, mas resolvi fazer um aparte. Há duas circunstâncias que sem dúvida nos deixam, a nós que estamos atuando nas instituições públicas, profundamente constrangidos, muito mesmo, com a situação de que V. Exª fala, das crianças. Imaginemos um dos nossos filhos de 8 anos de idade – não tenho mais criança nesta idade – olheiro do narcotráfico, pago com crack ou com sanduíche para matar a sua fome. Um país que se predispõe a isso é tão injusto, como bem trata V. Exª, que me senti absolutamente ridícula quando tive que apresentar uma proposta de emenda à Constituição para garantir a obrigatoriedade do Estado em disponibilizar creche. Senti-me tão ridícula por apresentar isso porque palavras como obrigatoriedade, como está no ensino fundamental, ainda é o que possibilita que uma mãe da periferia de Alagoas ou do Rio de Janeiro possa entrar com uma açãozinha no Ministério Público caso não consiga uma vaga para matricular seu filho, mesmo depois de passar noites e noites nas filas, como V. Exª sabe que uma mãe pobre tem que fazer para conseguir uma escola perto, quando existe, da sua comunidade. Imagine o que significa a ausência do Poder Público para uma criança que tem de 0 a 6 anos, quando há maior fragilidade, que é a fragilidade da estrutura anatomo-fisiológica, a fragilidade de não poder se defender do estupro, da violência, que vai desde o risco de uma queimadura leve a uma queimadura de terceiro grau ou à morte, e da utilização pelo narcotráfico. Então um país em que é preciso alterar a Constituição para obrigar o Estado a disponibilizar creche, é muito injusto. Um país em que, do Presidente à mídia, se comemora superávit porque não há onde gastar, fazer superávit ao invés de investir… Este é um País de pobres, de miseráveis, de pessoas que estão sendo jogadas na marginalidade como último refúgio porque não têm nenhuma expectativa de vida, de pessoas que estão sendo desumanizadas na condição mais primária do que é o ser humano, ou seja, desumanizadas pela miséria, pela marginalidade, pela pobreza. Este é um País que constrói um superávit enorme, que enche a pança dos banqueiros e esvazia o prato, o emprego e a dignidade do povo brasileiro. Ainda ousa dizer que vai ficar guardado o dinheiro em caixa para não jogar fora. Um País com tamanhas injustiças, um Presidente da República e um Congresso Nacional omisso aceitarem uma coisa dessas, realmente, é de cortar o coração. Portanto, quero parabenizar V. Exª. Imagine a dor – muitas vezes temos essa dor aqui também – do juiz que V. Exª está homenageando. Realmente, remar contra a correnteza, nadar contra a correnteza do pensamento único, das facilidades, da sedução do poder, é de machucar o coração. Assim, quero saudar V. Exª pelo seu pronunciamento e quero também compartilhar da sua preocupação em relação às nossas crianças porque é uma situação muito difícil a que vivenciamos hoje. E depois não adianta querer a pena de morte, não adianta levantar o dedo em riste para apontar a criança que está sendo jogada na marginalidade, que está assassinando por aí afora porque a sociedade já a desumanizou tanto… Um País em que uma criança para se fazer respeitar e se fazer ver precisa portar uma arma ou um canivete para cortar as pessoas não é um País que se possa dizer democrático. Isso porque democracia sem justiça social não se justifica como democracia. 
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL – RJ) – Muito obrigado, Senadora Heloísa Helena. Temos em V. Exª uma guerreira, uma combatente, que há de lutar conosco, porque, no dia 23 deste mês, vamos instalar no Congresso Nacional a “Frente Parlamentar para uma Política de Pleno Emprego”, para acabar com o superávit primário, pelo menos enquanto perdurarem os altos índices de desemprego e de recessão em nosso País. Vamos negociar uma política de rendas, de diminuição dos juros e de controle do câmbio, para que não haja envio de tanto dólar para o exterior. Conforme documentos que o Banco Central enviou à na CPMI do Banestado, presidida pelo Senador Antero Paes de Barros, houve 410 mil casos de remessa de dólar para fora do País no período de 1993 a 2001. Precisamos saber o que isso representa. 
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Juiz Siro Darlan pediu demissão, porque hoje no Rio de Janeiro, segunda capital do Brasil, não há uma instituição do Governo para receber uma criança que, por exemplo, cheira cola. Tais crianças devem ser encaminhadas a Barra Mansa, a uma instituição dirigida por uma ONG. O Rio de Janeiro, repito, a segunda cidade do Brasil, não tem qualquer organismo público que possa atender a uma criança que caiu na armadilha da vida, que nasceu pobre, que vive no morro, que não teve boa formação, cujos pais não tiveram oportunidade, e hoje cheira cola ou usa drogas. 
Esse é o Estado do Rio de Janeiro. Era isso que discutíamos na época da eleição quando o Juiz Siro Darlan disse que se não houvesse uma mudança na prefeitura iria pedir demissão, como fez. 
Sr. Presidente, encerro meu pronunciamento, pedindo a V. Exª que faça constar nos Anais do Senado Federal, na íntegra, esse pronunciamento de homenagem ao Dr. Siro Darlan e também o requerimento de voto de louvor. 
Era o que eu tinha a dizer. Muito obrigado, Sr. Presidente. 

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DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MARCELO CRIVELLA EM SEU DISCURSO. 
(Inserido nos termos do art. 210, inciso I e o § 2º, do Regimento Interno.) . 
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Matéria referida:

“Requerimento de Voto de Louvor ao Juiz Siro Darlan”.