A revista Veja desta semana, nas páginas 50 e 51, faz uma análise do Orçamento da União aprovado para 2006. Diz o seguinte: “Na proposta aprovada semana passada, a despesa mais robusta permanece com o pagamento de aposentados e pensionistas (163 bilhões de reais), seguida da folha salarial dos servidores públicos (104 bilhões de reais). O investimento, por sua vez, também continua raquítico, como nos Orçamentos anteriores. Neste ano, o montante previsto é de 21 bilhões de reais. Por trás desses grandes números, o Orçamento de 2006 repete a velha seqüência de vícios brasileiros: descontrole de gastos, aumento de imposto e taxa inexpressiva de investimento (…)”.

Ocorre que, ao descrever as despesas do Orçamento, faltou a Veja dizer o montante que ficou destinado ao pagamento dos juros da dívida pública, cuja taxa é a maior do mundo. Enquanto o Orçamento destina 160 bilhões para a seguridade, reserva 180 bilhões de reais para pagamento dos juros. Não é verdade, portanto, que os pensionistas e aposentados lideram o ranking de despesas. A verdade, cruel, caolha e injusta, é que o maior compromisso do governo é pagar 180 milhões de reais em juros para remunerar rentistas e grupos financeiros.

O brasileiro paga imposto demais comparado aos fracos serviços públicos que lhe são oferecidos. Temos hoje uma carga tributária de cerca de 37 a 38% do PIB, contra uma precária estrutura de saúde, de educação e de segurança – para ficar apenas nos três principais setores de atendimento de massa à população. Isso está acontecendo porque, há muito tempo, desde que adotamos os conceitos neoliberais, a prioridade de destinação de nossos impostos é o pagamento de juros da dívida interna, que consomem quase 8% do PIB, e não garantir serviços públicos decentes à coletividade.

Se tivéssemos juros mais baixos, em patamares internacionais, e mantivéssemos a carga tributária, teríamos mais de R$ 50 bilhões, não inflacionários, para inversões adicionais em políticas públicas básicas, como saúde, educação e segurança, sem falar em importantes investimentos em infra-estrutura. Acho que a população brasileira concordaria em continuar pagando os altos impostos que hoje lhe são cobrados se fosse para aplicar a economia feita com juros nesses serviços públicos básicos, mesmo porque os destinatários dessas inversões seriam principalmente os pobres.

Hoje, nosso sistema tributário está enviesado contra os pobres. A combinação de juros altos com superávits primários elevadíssimos, da ordem de 4,25% do PIB, é uma máquina de transferência de renda de pobre para rico.

É que o superávit primário corresponde a dinheiro dos impostos, cobrados de todos – inclusive dos pobres, através de impostos indiretos -, e se destina explicitamente a pagar juros a cerca de 15 mil a 20 mil famílias de milionários que detêm 80% da dívida pública brasileira.

Isso tem que ser invertido. Imposto é para transferir renda de rico para pobre, não o contrário. A forma dessa transferência é justamente as inversões do governo em políticas públicas básicas. Já disse que, no caso do Rio, por exemplo, precisamos de um choque de políticas públicas, a fim de resgatar os serviços públicos de massa. Costumo dizer que a propriedade e a herança do pobre são os serviços públicos. Acho, inclusive, que nossa ênfase não deveria ser reduzir impostos, mas aumentar e melhorar a qualidade dos serviços públicos. É dessa forma que o Governo cumpre seu dever constitucional de promover o bem-estar da sociedade.

Publicado na Folha Universal, edição 735, de 2006