O lema “Ordem e Progresso”, que representava os ideais positivistas dos republicanos de 1889, na verdade, deveria ter se traduzido no Brasil por garantia de estudo e trabalho para todos. Os ideais republicanos foram sufocados por sucessivas crises políticas. Marechal Deodoro foi obrigado a renunciar, depois do fracasso da política econômica conhecida como “Encilhamento”, empreendida por Rui Barbosa, ministro da Fazenda dele.

Nesse momento, talvez uma das mais tristes páginas da nossa história fez o país entrar em crise: o massacre de Antonio Conselheiro na Guerra dos Canudos. Brasileiros contra brasileiros. O ministro do Exército comandou o massacre de mais de 20 mil homens, cujo único pecado era viver como beatos, repetindo preces e ladainhas. Já estava implantada a República do “café com leite”, que iria até 1930. Os ideais republicanos eram sufocados pelos interesses das oligarquias de Minas e São Paulo. Traduzia-se como interesse nacional a garantia do preço da saca de café e a estatização dos eventuais prejuízos dos produtores.

No período da segunda república, Getúlio enfrentou o Movimento Tenentista, a Intentona Comunista, a 2a Guerra Mundial, mas – sob o preço da sua própria vida –, faz prevalecer os interesses nacionais e lançou as bases que tornariam o Brasil uma das nações que mais cresceria no século XX.

Vieram a revolução, a redemocratização, as diretas e o neoliberalismo. E, ainda hoje, 26 milhões de brasileiros estão no desemprego aberto ou no subemprego, isto é, trabalhando sem carteira assinada e ganhando menos de um salário mínimo por mês. E, pior, segundo levantamento do IBGE, 65% são jovens de 16 a 24 anos que não estudam nem trabalham.

Moisés escreveu que a paz é fruto da justiça e a segurança se estabelece com o direito. Libertamos os escravos, mas sem dar aos brasileiros a oportunidade de estudar e trabalhar não podemos afirmar que, realmente, promovemos a abolição. Esta semana mesmo, só para exemplificar, recebi em audiência líderes do movimento dos pedevistas, aqueles aos quais venderam a falsa ilusão chamada de Programa de Demissão Voluntária. Cinqüenta mil brasileiros aderiram, a maioria chefes de família, que ganhava na época o que hoje corresponderia a 2 e 3 mil reais e na faixa etária dos 40 anos. Segundo eles, 90% nunca mais encontraram um trabalho formal.

Cada vez que os vejo vagando pelos corredores do Congresso, tentando encontrar o caminho de volta e até se oferecendo para devolver a indenização que receberam, com trabalho, claro, porque, infelizmente, a maioria desses chefes de família estão hoje humilhados, dependentes de “bicos” ou de parentes, penso que este não é, ainda, um país justo.

Nos 500 anos da nossa história sempre foi sagrado, entre nós, o direito à propriedade. E quanto sangue não foi derramado em nome dele sob os auspícios da lei? Mas, no mesmo nível, nem um milímetro abaixo, o ideal republicano era garantir educação e trabalho a todos os brasileiros, sobretudo, àqueles que nascem pobres, como a maioria de nós e que, portanto, só contam com o suor de seu rosto para sobreviver.

Jamais haverá ordem e progresso sem educação e trabalho.

Publicado na Folha Universal, edição nº 730, de 2006