Desde 2014 está em vigor uma lei de minha autoria que determina que a atuação das polícias brasileiras deve se basear nos princípios da legalidade, da necessidade, da razoabilidade, da proporcionalidade, priorizando sempre o uso de equipamentos com menor poder ofensivo.
Tomou-se ilegal o uso de arma de fogo contra pessoa desarmada em fuga ou que não represente risco imediato à vida dos policiais ou de terceiros, bem como disparos contra veículos que desrespeitem bloqueios policiais, a não ser, mais uma vez, que a integridade de agentes ou de terceiros seja posta em risco. A lei exige que os policiais sejam treinados a usar instrumentos projetados para não causar mortes ou lesões permanentes, e disponham deles quando em ação.
Minha fonte de inspiração foi o Código de Conduta para Policiais, proposto pelas Nações Unidas e adotado com êxito em muitos países, e o que desejo evitar é a repetição de manchetes assim, colhidas aleatoriamente ao longo de 2014: “Jovem de 25 anos é morto por PM ao desviar de blitz” (27/07), “PM tenta evitar fuga de moto em blitz e atira em colega e adolescente” (05/12), “Filho de vereadora é baleado e morre durante fuga” (04/07), “Atriz é baleada após furar bloqueio policial” (27/06), “Universitária é morta com tiro de fuzil em blitz no Rio” (02/08), “Morre homem baleado após fugir de blitz da PM” (26/08), “Universitário morre baleado em blitz no Rio” (02/01), “Jovem é baleado em blitz e acusa PM” (18/11).
Quantas dessas mortes poderiam ter sido evitadas? Quantas delas decorreram de despreparo, precipitação e sentimento de impunidade?
A polícia brasileira mata muito, desnecessariamente. Em favelas e periferias, quase sempre as vítimas têm a mesma extração social (são pobres), a mesma faixa etária (são jovens) e a mesma etnia (são negros). Suas mortes são noticiadas de maneira lacônica e não emocionam, pois se apagam as histórias de vida, a convivência com parentes e amigos, os gestos bons, as amplas possibilidades que cada um tinha diante de si.
Ao avistar a polícia, um jovem pode correr porque ficou assustado, porque ouviu dizer que ela maltrata pessoas, porque já presenciou humilhações de amigos ou até mesmo porque tem um cigarro de maconha no bolso. Em nenhum desses casos, e em inúmeros outros que podemos imaginar, merece morrer. Não pode ser alvejado pelas costas se não estiver colocando em risco a vida de alguém, pois o Estado não tem o monopólio de uma violência qualquer, mas somente da violência legítima, aquela que, por definição, está sujeita a regras, limites e controles.
Precisamos fazer um amplo esforço civilizatório para restringir ao mínimo o uso da violência, hoje disseminada na sociedade brasileira. A lei que propús, que o Senado aprovou e a presidente Dilma Rousseff sancionou, é parte desse esforço. A nova lei não pode ficar no papel. As autoridades precisam agir para alterar os procedimentos da polícia, e a sociedade precisa cobrar.
Marcelo Crivella é senador (PRB-RJ)