Discurso proferido pelo Senador Marcelo Crivella em 26 de junho de 2015, na Assembleia Legislativa de Alagoas, em agradecimento à Comenda Zumbi dos Palmares conferida por unanimidade pelos deputados estaduais.
Saudações às autoridades presentes.
Agradeço a Deus estarmos juntos com saúde e paz. Agradeço também ao ilustre líder Deputado Galba Novaes pela indicação do meu nome para receber essa alta comenda. Sei que essa honraria não encontra razão de ser na minha modesta e obscura vida pública. É sem dúvida uma homenagem do Deputado Galba ao povo fluminense, ao Rio de Janeiro, de onde venho e a quem tenho a honra de servir no Senado Federal.
O Deputado Galba Novaes é um desses quadros raros da política e que para orgulho de nós todos, compõe como líder e presidente estadual o benemérito PRB de Alagoas. Quatro vezes vereador, presidente da Câmara, superintendente federal da pesca, deputado estadual, servidor do povo, amigo de todos, ele engrandece e dignifica a memória de seu pai e as mais altas tradições de honradez e nobreza do povo alagoano. Devo-lhe muito, nobre deputado, por esse momento que levarei para sempre na memória do coração que é a eterna gratidão.
Não quero me alongar, mas estando na Casa do Povo, ocupando a tribuna dessa casa que é o altar da democracia de Alagoas, não poderia deixar de prestar reverente e justa homenagem a essa terra, porque isso seria uma omissão imperdoável.
O substantivo Alagoas vem do latim LACO cujo derivativo é LACUNA. LACO é cheio, LACUNA é vazio. Quando cunharam a palavra, uns olharam para a água que enchia a cavidade e chamaram de LACO, que no português ficou lagoa, no francês lac, no inglês lake. Outros olharam para a cavidade no terreno que lhe serve de berço e chamaram LACUNA de onde vem o termo em espanhol laguna. LACO ou LACUNA depende de como se vê uma lagoa.
Nessa reflexão da etimologia, permita-me denunciar um paradoxo: se Alagoas tem sido LACO para o Brasil, o Brasil tem sido LACUNA para Alagoas. E o afirmo porque dessa terra fértil e dos sacrifícios e sonhos desse povo trabalhador, o Brasil e o mundo receberam muitas riquezas. Desde aqueles tempos do pau-brasil, dos verdes e imensos canaviais, do algodão, do peixe, da sombra e água doce dos coqueirais até as incalculáveis jazidas de gás de hoje, quanto dessa riqueza ficou para o povo alagoano?
Mas não foram apenas os bens materiais que Alagoas doou ao mundo. Foi daqui, das serras de Alagoas, que ecoou, através dos séculos, o mais veemente protesto contra as tiranias da escravidão e o sofrimento de um povo inocente. O Brasil se diminuía na senzala, Alagoas se engrandecia no quilombo. Os cem anos de Palmares iriam se imortalizar num cem números de virtudes que hoje vincam a índole e a vocação do povo alagoano. Alagoas tem fome de justiça e sede de liberdade. Alagoas não se agacha, não recua, não transinge, nem trai. Carrega de maneira indelével os ideais de Palmares.
Quando o império se avelhantara e se degenerara na impiedade, no egoísmo e no centralismo político. Quando o congresso dos barões, condes e viscondes, que pela força do sangue ou do dinheiro mandavam no Brasil de costas para o povo, foi da fibra do alagoano o brado e a espada que nos deram a República na bravura cívica de Deodoro e Floriano.
As nacionalidades dependem muito dos seus quadros históricos. Dos seus líderes sábios e generosos. Dos seus condutores clarividentes e carismáticos. Deles, e dos maiores, foi Deodoro, que no leito de morte rogou que no seu uniforme militar, nenhuma comenda fosse colocada, senão aquela pequenina medalha de abolicionista que tanto se orgulhava de possuir. Era o sentimento de Palmares, vivo e forte no Marechal alagoano, fazendo da morte não uma desgraça inexorável, mas um caminho de liberdade quando já deslumbrava os clarões da eternidade e as escadarias do Panteão dos Heróis da Pátria. Alagoas nada negou ao Brasil. Seu sal-gema, suas imensas plantações, sua pecuária, seus rios e seu mar. É o maior produtor de gás do País e 75% do açúcar que se consome na Rússia sai daqui.
Mas se Alagoas tem sido essa LACO de riquezas para o Brasil, o Brasil tem sido uma LACUNA para Alagoas. Lacuna pela falta, pela carência, pela omissão, por investimentos à altura do muito que lhe deve. Se Alagoas adoça o mundo, tem amargado ainda um dos menores IDHs do país. E não é de hoje. Volto os olhos para Penedo terra dos meus antepassados. Em 1545 era vila. Em 1600 já era comarca. Em 1900 lá nasceu meu avô, Henrique Francisco Bezerra, que com 12 anos abandonou sua terra natal e sua parentela, fugindo da fome para nunca mais poder voltar. Viveu com o coração estraçalhado de saudades e a alma ulcerada de lembranças. Como bom alagoano foi um patriota a serviço da nação. Ainda jovem sentou praça e formou as forças legalistas de Getúlio quando São Paulo ameaçava rasgar a unidade nacional e deixar a República. Foi condecorado por bravura arriscando a vida pela união do Brasil. Depois trabalhou arduamente na construção da Rodovia Presidente Dutra e em tantas outras obras que definiram e possibilitaram os caminhos do progresso da nossa Pátria. Ao 84 anos, cansado das lutas e ao lado da sua consorte incomparável, companheira fiel na tormenta e no esplendor, morreu, longe da sua Penedo querida dos idos da sua infância, da convivência de seus pais e irmãos que as circunstâncias da vida lhe privaram para sempre. Quantos filhos desta terra tiveram trajetória semelhante. O Brasil jamais poderá pagar pelo capital humano de valor incalculável que recebeu das terras alagoanas.
Hoje, quando o destino me traz de volta o passado, ao receber na terra dos meus antepassados a medalha que imortaliza os princípios sagrados de repúdio a todas as tiranias, com humildade, mas sem hesitação, me perfilo ao lado do heróico povo de Alagoas para servir as mesmas causas e os mesmos ideais que ardiam no coração dos pobres de Palmares e que há é haverá para sempre no coração do povo alagoano.