O ato extremo da hipocrisia é culpar os outros por pecados que todos temos. Por omissão ou ação, o Brasil é o que é porque todos o fizemos assim. É interessante ler o artigo “Mortalha”, em que Fernanda Torres culpa a classe política, ou o andar a cima, que a priori seria toda incompetente e corrupta, pela enchente do Rio de Janeiro, o engarrafamento de trânsito ou a ausência dele. Na sua fúria, chega a comparar os bilhões da corrupção da Lava-Jato ao prefeito capaz de fugir de um acidente sem prestar socorro à vítima, como se tudo fosse a mesma coisa.
O temporal que caiu no Rio dia 20 de junho foi o maior para esse mês nos últimos 20 anos e deu-se com a triste coincidência da maré alta, o que dificultou em muito o escoamento. O alto nível de impermeabilização do solo urbano leva inevitavelmente a essas tragédias, cada vez mais comuns nas grandes cidades como São Paulo, nossa maior metrópole, que no último verão sofreu muito mais do que nós. Mas não é só isso, há o excesso de lixo jogado nas ruas por pedestres desavisados e folhas enormes das nossas centenárias amendoeiras.
A colisão a que a autora se refere foi meramente um esbarrão de pneus que sequer soltou a calota e que, de tão irrelevante, só tomei conhecimento quando, já tendo chegado ao destino, o motorista me participou. Mas todos sabemos que muitas vezes, a imprensa, na pressa do mundo digital, nem sempre apura com rigor ou recolhe provas. Onde estão a perícia, as fotos do acidente, o boletim de ocorrência, o laudo de corpo de delito? A tal vítima abandonada teria sido a calota?
Passei 10 anos da minha vida com a família nos países mais pobres da África, em meio à hecatombe da Aids. Quando voltei ao Brasil, fui para o sertão da Bahia onde, com mais de 20 milhões de reais de meus direitos autorais, construí a Fazenda Nova Canaã que, há quase 20 anos, educa centenas de crianças em horário escolar integral no meio do sertão árido.
No Rio De Janeiro, também nunca fugi à luta. Enfrentei sozinho quatro eleições contra o poderoso PMDB, hoje mergulhado na sua pior crise.
Política é enfrentar sem tréguas as vicissitudes quotidianas da nossa sociedade desigual e injusta. É contrariar interesses estabelecidos, suplantar as maquinações do ódio impenitente, suportar críticas, humilhações, injúrias, menosprezo, calúnias e, ainda assim, encontrar forças para cumprir um expediente intermitente de domingo a domingo, sob acusações cruéis dos que nos lançam cargas pesadas que eles nem com o dedo mindinho se dispõe a ajudar a levar.
Aproveito o espaço para esclarecer a opinião pública sobre histórias mal contadas publicadas nos últimos seis meses:
Não moro no Palácio da Cidade e nunca tive intenção de construir um muro de dois milhões de reais para protegê-lo; não tenho câncer na próstata; meu filho não é formado em “psicologia cristã”, curso que, aliás, nem existe, nem recebeu 10 mil reais da prefeitura. Ele é formado em Oxford, faz mestrado na FGV e hoje é consultor da ONU no Brasil. Nunca fiz culto no Palácio da Cidade; a viagem oficial à Rússia foi “combinada com os russos”.
A Prefeitura não cortou a verba do carnaval. A crise impôs suspender o abono do ano passado para direcionar esses recursos às creches. Não nomeei sócio da minha filha e não acomodei evangélicos nas superintendências; não abri mão de 70 milhões de reais do ISS para as empresas de ônibus. Foi no governo anterior que isso ocorreu. No meu, proibi o aumento da passagem; a Prefeitura não vai pagar o filme do Bispo Macedo e finalmente não nego a minha fé, mas a Prefeitura não tem religião.
Termino com e-mail que recebi do amigo Jacques Galinkin sobre o noticiário daquele temporal do mês passado: “você é o prefeito da cidade, portanto o manda chuva. A imprensa tá certa. A culpa é sua”!
Ps: A Universal completa 40 anos esse mês. Parabéns!
Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo em 4 de julho de 2017.