O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, Sr. Senador Alvaro Dias, Sr. Senador Valdir Raupp, Sr. Presidente, V. Exª cita aqui o nome de José Alencar, que é, realmente, um homem que tem dado um exemplo de tenacidade, ferrenho, ferro puro, um homem que mostra realmente toda a altivez da raça brasileira quando enfrenta, com galhardia, sem medo, com destemor, destemidamente, uma doença que a outros já teria até desanimado, a outros teria imprimido um pavor, um temor, mas não a ele, porque ele tem dito que não tem medo da morte; apenas teme a desonra, que ele conseguiu evitar com uma vida sábia, procurando sempre servir.
Então, quero aqui também me somar a V. Exª nas homenagens que presta ao Presidente de Honra do meu partido, José Alencar Gomes da Silva, e também à sua esposa. Não poderia aqui deixar de, neste momento, ferir um pouco o protocolo para lembrar que aquela dama ilustre, com todas as ternuras do seu coração e também com o seu encantamento e seu poder sedutor, é hoje uma representante legítima das mais nobres virtudes da mulher brasileira, Mariza Campos Gomes da Silva.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB – PI) – Senador Crivella, desculpe-me, eu acho que V. Exª não está ferindo protocolo, não. Eu acho que, neste País, nós temos que falar mais em família, respeitar mais a família, acreditar mais na família. V. Exª traz um tema muito importante para o Congresso, que é o ícone da sociedade democrática: temos de revalorizar os conceitos de família. O próprio Deus, quando colocou o seu filho Jesus no mundo, não o desgarrou; colocou-o em uma família, na Sagrada Família. O próprio Rui Barbosa, que está acima de nós, ali, o conceito que tinha de pátria é o da família amplificada.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Exatamente.
Aliás, Senador Mão Santa, Deus é família. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo. Sozinho é o diabo. Deus é família.
Mas V. Exª sabe que eu venho aqui expor a minha preocupação com relação à crise da violência no Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro.
Não há mais segurança pessoal nas grandes metrópoles brasileiras. Depois de quase três décadas de estagnação econômica, e agora sob o impacto da crise mundial, a degradação social daí resultante criou um caldo de cultura propício à violência e uma área expandida de recrutamento de criminosos sem qualquer contrapeso. Nada que se fizer hoje em termos de retomada do crescimento renderá frutos de maior segurança antes de uns sete a dez anos. No entanto, não está claro que se vai fazer algo hoje na direção certa. Daí a perspectiva de caos.
Nas últimas três décadas, coincidindo com o processo de abertura e de democratização política no Brasil, vimos progressivamente um processo de disfunção da esfera econômica em relação à esfera social e um processo de disfunção da esfera social em relação à esfera política. A economia já não gera emprego no nível exigido pela expansão do mercado de trabalho, e a política não reflete essa necessidade do corpo social. Em consequência, há uma deterioração social evidente, que se reflete na insegurança.
A criminalidade não é fruto da miséria; é, sim, o último estágio de estratégias de sobrevivência e de ascensão social à margem da lei; porém, não necessariamente à margem de um consenso social peculiar. O narcotráfico reflete, hoje, na realidade brasileira, uma espécie de acordo entre os viciados do asfalto, os traficantes armados do morro e os barões internacionais da droga. E é essa solidariedade que o mantém, pois é do asfalto que vem o financiamento das grandes rotas e sua distribuição final por redes das periferias.
O financiamento copioso, principalmente pelas classes médias do asfalto, é que permite a estruturação em redes do narcotráfico, num esquema estratificado e hierarquizado, tão bem organizado e lucrativo quanto os maiores negócios lícitos do mundo. Tal negócio provavelmente existiria mesmo sem crise social de desemprego, mas, numa situação de alto desemprego, ele encontra uma área de recrutamento extremamente favorável para todos os níveis de envolvimento, desde o olheiro desarmado ao soldado com uma AR-15.
Há, sim, uma carreira no narcotráfico, acessível aos jovens da periferia, e a raiz da insegurança nas metrópoles vem justamente do cruzamento dessa estrutura marginal, aberta aos jovens com a falta de perspectiva no mercado de trabalho legal para eles. O primeiro degrau na carreira é o do olheiro, o do avião. Como não exige arma, parece a muitas famílias uma atividade tão legítima como qualquer outra. É uma forma pela qual o jovem contribui para as receitas domésticas ou, em certos casos, é toda a receita. Um menino ou menina que, sem muita chance na escola ou estimulado pela família desempregada, começa a ganhar algum trocado como olheiro, avião, dificilmente sai da carreira. Seu destino é tornar-se soldado, gerente, correio, chefe, dono do morro, acabando preso ou morto. Paralelamente, sobretudo quando também viciado, acaba por assaltar e sequestrar. No caso das meninas, em geral, não vão muito além de entregadoras, vendedoras, comparsas, e o triste fim: a prostituição.
A tragédia humana é justamente o ponto inicial da carreira, na medida em que a venda da droga, sendo socialmente tolerada tanto pela família de quem vende quanto pelo meio social de quem compra, oferece atrativos consideráveis em relação ao mercado de trabalho, virtualmente fechado. O que vem depois é o que aparece nos jornais: conflitos da polícia com traficantes, de traficantes entre si; drogados que assaltam, sequestram, incendeiam ônibus; assassinos frios que matam motoristas e pedestres por ninharia.
De fato, quando se olham os horizontes do País numa perspectiva futura, não há como evitar os três problemas centrais: o alto desemprego, que afeta sobretudo os não-qualificados e semiqualificados; as condições degradadas de vida nas favelas; e o problema da segurança dentro e fora das periferias.
É para superar, numa mesma iniciativa, essas mazelas conjuntas que nós propusemos, Senador Mão Santa, o Cimento Social, o projeto da Cidade Cidadã. Não faz nenhum sentido econômico, social e político que, a esta altura do nosso desenvolvimento econômico, a esta altura da nossa evolução histórica, ainda tenhamos imensas parcelas da nossa população levando uma vida subumana, em subcondições, num submundo de privações e opróbrios. Por que, meu Deus, se temos tanta madeira, se temos cimento, calcário, argila, minério de ferro, polos petroquímicos espalhados pelo País, a nos fornecer plásticos, borrachas, tintas, vernizes, tanto alumínio, uma mão-de-obra esperando ser treinada e empregada, como um vigia aguarda pela aurora? Por quê? Qual a razão de o nosso povo ainda morar em barracos com a sua família? Por que, ainda, trabalhadores moram em casas sem água adequada, sem destino adequado aos dejetos, vivendo ou dividindo um exíguo espaço com ratos, baratas e todo tipo de praga? Crianças que, naquela umidade, acabam sempre tendo problemas alérgicos, nariz escorrendo o tempo todo. Num ambiente desse, é comum que um ser humano seja atacado pelos maus pensamentos e sentimentos e cresça com uma revolta íntima, estigmatizado, até porque, da janela daquele barraco frio, pode-se ver um arranha-céu, a uma distância constrangedora, um bom bairro, um bairro nobre, onde as pessoas têm lazer, educação, acesso ao turismo e a uma vida digna.
Essas duas cidades – que não são apenas representadas no Rio de Janeiro, mas em São Paulo, em Porto Alegre, em Curitiba, nas grandes capitais brasileiras, em Belo Horizonte, em Salvador – são irmãs siamesas e monstruosas, que não vivem uma sem a outra, separadas por um abismo chamado desigualdade social, que nos envergonha a todos. É um monumento hediondo e cada vez mais perene que faz com que o povo brasileiro abaixe a cabeça cada vez que olhe para uma comunidade carente num morro desses.
Este final de semana, Sr. Presidente, eu estive mais uma vez no Morro da Providência. Ao cruzar determinados caminhos no alto do Morro, sábado de manhã – um sábado ensolarado, em que tantos cariocas estavam nos parques, no Jardim Botânico, ao redor da Lagoa ou nas tantas praias, ou se preparando para ir para o Maracanã –, ali eu vi meninos de sandálias, com armas pesadas, perdidos, com olhares vidrados, meninos magros, maltratados, soldados do tráfico. E fico pensando, Sr. Presidente: quando é que vamos tomar realmente a decisão política de reverter esse quadro?
O programa que estamos lançando, Minha Casa, Minha Vida, é um programa importante, mas ainda é muito pouco, e não sei se vai alcançar as condições das favelas, onde está o epicentro da nossa crise. Por quê, Sr. Presidente? Porque ele vai trazer financiamentos para os Municípios e os Estados fazerem parceria com a Caixa Econômica Federal e construírem, talvez, um milhão de casas. Mas esses terrenos serão construídos em áreas infraestruturadas, adjacentes à cidade. É muito difícil que uma pessoa que esteja na favela e que ali, próximo do trabalho, já se encontra há trinta ou quarenta anos, queira se mudar para uma área distante, remota. E uma área distante e remota, Sr. Presidente, onde a casa terá de 30 a 35 metros quadrados. Será que essa pequena casa, esse casebre, terá condições de seduzir aquele que, hoje, em péssimas condições, num amontoado, vive pelo menos mais próximo de um grande centro, próximo do trabalho? Eu acho que não. Talvez ela possa dar vazão àqueles brasileiros que estão se casando agora e que, em vez de morar com o pai e com a mãe, pagando uma prestação de R$50,00 ou R$100,00, se disponham a começar a vida naquela situação. Mas não vai tirar muita gente das favelas da Rocinha, de Copacabana, de Ipanema, do Morro da Providência, que é a primeira favela do Brasil, porque essas pessoas já sabem que experiências anteriores a essa, que fizeram a Vila Kennedy, a Vila Aliança, que fizeram o bairro João XXIII e outras tantas comunidades lá na Zona Oeste ou ao longo da Avenida Brasil, acabaram degredadas em pouco tempo, porque a essas famílias não é dado um salário decente para que possam manter ou ampliar suas casas dignamente.
Sr. Presidente, a crise mundial fez com que o FMI, um fundo normalmente conservador, recomendasse aos bancos centrais que adotassem políticas anticíclicas em nível de 2% do PIB. O Japão esta gastando 3% do PIB, os Estados Unidos, 2,3%. E o Brasil? O Brasil está gastando 0,3% do PIB.
Então, Sr. Presidente, motivado por esses fatos matemáticos… E a Matemática tem uma vantagem, porque ela nos dá precisão; a Matemática, Sr. Presidente, é indiscutível. As regras da Física e da Mecânica são perenes. Se um sujeito subir ao décimo andar de um prédio e pular, ele vai cair, hoje, amanhã, daqui a dez anos, com a mesma velocidade e certamente vai morrer, porque são leis imutáveis. Assim também são as leis da Matemática.
Sr. Presidente, não vamos sair desta crise sem que o Governo possa investir 2% do PIB, no mínimo, em políticas anticíclicas. E a proposta que trago aqui é um programa de emprego garantido, para que esses jovens que hoje estão sendo recrutados pelo narcotráfico, para que essas meninas que hoje vendem produtos piratas, que entram na prostituição ou ficam como soldados, fogueteiros, correios do narcotráfico possam encontrar um destino melhor. Um programa de emprego garantido está sendo hoje feito na África do Sul e na Índia. Aliás, a Índia e a China são os únicos países que estão, segundo o FMI, com perspectiva positiva de crescimento do PIB. A OCDE deve perder 3% do seu PIB; os Estados Unidos, 2%; o Brasil, se empatar em zero, é bom negócio, mas o que estou dizendo a V. Exª é que nós precisamos criar um programa de emprego garantido para todos esses jovens que hoje retroalimentam a violência. Garantir emprego para eles, para todos eles, para que possam reconstruir os barracos, para que possam urbanizar as favelas, para que possam prestar serviços nas creches, cuidar de crianças, fazer reforço escolar, serem treinados.
Isso não é difícil, Sr. Presidente. Dois por cento do nosso PIB – estou falando em 40 bilhões – são um quarto daquilo que nós pagamos de juros, e os juros estão muito altos. Aliás, esses dias, alguém perguntou ao Presidente José Alencar: “V. Exª parou de falar em juros?”. Ele disse: “Não, é que agora todos falam, inclusive aqueles que me criticavam antes”.
É verdade. Aqueles que o criticavam antes hoje o aplaudem e fazem coro com esse brasileiro visionário que, lá atrás, como o vate andaluz, já nos dizia que isso era prejudicial à economia. O Brasil não crescia aos níveis que poderia crescer.
Sr. Presidente, então eu trago aqui o meu projeto, o meu projeto de Cidade Cidadã, de Cimento Social, de unir o povo brasileiro, e não separá-lo com muros. Nós não podemos cercar essas favelas com muros porque vai aumentar a violência. A grande crítica que eu fazia à Cidade da Música, levantada pelo então Prefeito César Maia, com R$600 milhões do orçamento público da cidade do Rio de Janeiro, é que era um investimento numa área já urbanizada, com muito lazer, onde as pessoas têm clube, têm shopping center, têm praia, em detrimento de quê? Daqueles que moram no barraco, daqueles que não têm escola, que não têm hospital adequado, que não têm emprego.
Com políticas públicas, nós poderemos diminuir esse fosso e essa desigualdade social. Culpa dos políticos, Senador Mão Santa, porque, ao longo desse extraordinário desenvolvimento econômico que sofreu o Brasil nessas últimas décadas, nós que deixamos de ser um País rural para um País cosmopolita não tivemos políticos que nos dessem instrumentos eficientes e eficazes para garantir, na escala da nossa necessidade, a distribuição da nossa riqueza e a garantia do bem-estar social para todos.
O Brasil cresceu, mas com a concentração abissal de poder e renda na mão de poucos. V. Exª, que é um homem político sensível, sabe do que estou falando. Temos hoje bolsões de riqueza. Os nossos ricos não perdem em nada para os ricos da Europa ou dos Estados Unidos. Têm os mesmos helicópteros, as mesmas mansões nababescas, desfilam em carrões, têm suas jóias, depósitos vultosos em contas de bancos movidas a esses juros astronômicos. Agora, os nossos pobres estão bem abaixo dos pobres das outras nações, até mesmo da vizinha Argentina e dos vizinhos Uruguai e Chile. Nossos pobres perdem muito para os pobres de lá.
Eu gostaria, Sr. Presidente, de registrar essas minhas modestas palavras e fazer também uma homenagem ao um dos maiores brasileiros a que tive oportunidade de assistir na minha mocidade e cujos textos eu li. Li dezenas de seus textos e me encantei. Falo de Tancredo Neves. Sr. Presidente, os discursos de Tancredo são extraordinários, e acho que todo brasileiro deveria lê-los.
Mas Tancredo fez muito mais: foi Governador de Minas, foi Ministro da Justiça de Getúlio Vargas, foi um político presente, esteve como coadjuvante importantíssimo em todas as epopéias do seu tempo. Sofreu um revés eleitoral em Minas Gerais, mas isso não o diminuiu; pelo contrário, o engrandeceu e enalteceu. Voltou ao Congresso Nacional – foi Senador também e Primeiro-Ministro – em uma chapa vencedora, e, infelizmente, a morte o levou precocemente e de maneira muito triste.
Ele, neste 21 de abril, faria aniversário. A ele, à sua família, ao Aécio Neves, ao povo de São João del-Rei, aos mineiros, quero prestar as mais profundas homenagens do meu partido, o PRB.
Sr. Presidente, não poderia também deixar de prestar uma homenagem a Brasília, que é realmente o sonho visionário dos nossos patriarcas, os patriarcas da nossa independência. Brasília já fazia parte dos sonhos de Dom Bosco, foi um imperativo de todas as nossas Constituições. Senador Mão Santa, desde a Constituição outorgada por D. Pedro II, Brasília era sempre um impositivo dos anseios nacionais, e foi se encontrar nas mãos ciclópicas de Juscelino Kubitschek de Oliveira, o garimpeiro de Diamantina, que, como Prefeito de Belo Horizonte, fez a Pampulha, a Capelinha, transformou aquela capital obscura, sertaneja, do cascalho informe, em uma grande metrópole… Depois, como Governador de Minas, no seu binômio “transporte e energia”, todo o povo brasileiro, pelo vulto de suas realizações, viu que ali existia um político lúcido, valente, bravo. E os nomes tutelares da Pátria o chamaram para dirigir nossos destinos. E ele os presidiu com muita honra e dignidade, fazendo, então, Brasília.
Brasília completa, amanhã, 49 anos. É o monumento mais lindo da grandeza e do poder criativo de uma raça. É aqui, Sr. Presidente, que se retemperam as mais altas virtudes da nossa nacionalidade.
Vou encerrar, citando Tancredo. Termino, Sr. Presidente, com as palavras do grande Presidente Tancredo Neves, que nos emociona a todos. V. Exª, que conviveu com ele, que teve esse privilégio, sabe que estou aqui apenas dizendo um pouco do que foi esse grande brasileiro. Pois bem, repito, ele dizia: “Brasília é a âncora da nossa nacionalidade a apontar, nos horizontes infinitos da esperança de nossa Pátria, nosso futuro glorioso e promissor”.
Muito obrigado, Sr. Presidente.