O SR. MARCELO CRIVELLA (PL – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Parlamentares, médicos presentes a esta sessão, para nós do Senado Federal o dia de hoje marca um momento importantíssimo. Os chamados pais da Pátria devem se preocupar, em primeiro lugar, com o bem-estar do nosso povo. No Brasil de hoje, o que deveria ser corriqueiro é na verdade um fato que quando se atinge passa a ser até notório.
Nós, brasileiros, que por um lado temos um projeto que visa extinguir a fome no nosso País – Programa Fome Zero –, deixamos de assinar agora um acordo de cooperação entre Mercosul e União Européia porque não se aumentaram nossas cotas para exportação de carne bovina. Nosso rebanho chega a 170 milhões de cabeças no campo. Queremos exportar mais, enquanto temos tantas crianças passando fome.
A situação da Medicina é parecida com isso. Esses heróis da cidadania e do amor ao próximo convivem em ambientes trágicos, medievais, ganham mal; 70% dos mais de 200 mil médicos do País são funcionários públicos que trabalham em dupla jornada; mais de 50% fazem plantão; são pessimamente remunerados e quando vão para a inatividade – meu Deus do céu – a humilhação é constrangedora. Agora mesmo na porta da Governadora Rosinha, de meu Estado, havia uma fila de médicos aposentados que tentaram hoje, em seu dia, uma entrevista, uma audiência para que seja cumprido o princípio da isonomia, da paridade. É impressionante como este País regrediu, meu Deus! Não sei em que utopia vivemos, quando lemos na mídia “Aumento do PIB”, “Balança de pagamentos melhor”, “Nível de emprego melhor”. Grande falácia! A realidade das ruas é completamente diferente. Corri minha cidade de ponta a ponta. São 700 comunidades carentes; fui a pelo menos umas duzentas na campanha à Prefeitura e vi casos absurdos: uma senhora chorando, dizendo que perdeu o marido porque ele, com hemorróida, não conseguiu ser tratado pela rede pública de hospitais e um irmão disse para ele: “Olhe, tome querosene que limpa”. Tomou um litro e morreu. Isso não ocorreu na África, onde vivi 10 anos; não foi em Angola, tampouco em Moçambique, que na época em que vivi lá era o país mais pobre da ONU: foi aqui em Jacarezinho, a cinco minutos do centro da cidade do Rio de Janeiro.
Em Jacarepaguá, li o relatório dramático de uma médica, dizendo o seguinte: “Plantão terça-feira, no Hospital Cardoso Fontes, às 19 horas e 30 minutos. Recebi uma paciente com câncer de esôfago, colocando sangue aos borbulhões por todos os orifícios e drenos do corpo. Havia desenvolvido mediastinite grave – põe ela as vírgulas –, certamente devido às condições do nosso centro cirúrgico”. A mulher foi operar de um câncer e pegou uma infecção, Senador Mozarildo Cavalcanti.
Fechem os olhos e procurem imaginar uma senhora com a minha idade, 47 anos, sendo empurrada numa maca em um hospital público caótico para uma sala de cirurgia, onde havia desenvolvido essa infecção, com sangue vazando por todos os lados. A médica continua e diz: “Não havia como deixar de intervir. Levei-a para a cirurgia e só então fui informada de que não havia roupa esterilizada. Tirei o capote que usei do balde de roupa suja, e havia uma caixa qualquer no depósito de material com os panos para isolar o campo cirúrgico. Quero saber – ela conclui – se como médica, cidadã, funcionária pública há 20 anos, devo recorrer ao Ministério Público, ao CRM ou à delegacia mais próxima? Não agüento pessoas morrendo nas minhas mãos”.
Que falta de respeito ao povo e a esta classe! Segundo o adágio popular, o azar nos leva e a sorte nos faz encontrar as mãos do médico.
Queria homenagear com palavras mais bonitas, com exaltação, com ufanismo, acreditando na utopia, mas não consigo porque a responsabilidade pesa-me sobre os ombros. Fiz um discurso, elaborei, mas não é isso o que expressa o meu coração neste dia em que me vêm à mente hospitais, casas de saúde, postos de assistência média, que sequer têm um Raio-X, uma máquina para fazer mamografia, endoscopia, em que o paciente vai à consulta, mas não sai com o remédio e aquele mesmo posto fecha. De noite não tem ninguém, faltam recursos.
Entendo que devo fazer desta minha homenagem aos médicos um grito, um alerta, um pedido para que se mude a política econômica deste País, pano de fundo de todas essas quimeras.
Meus senhores, praticamos no ano passado um superávit econômico de 4,25% do nosso PIB; deixamos esterilizados nos cofres do Banco Central R$67 bilhões, enquanto o nosso povo morria sem assistência médica. Em uma visita que fiz com o Senador Edison Lobão à Argentina, fomos atendidos pela Presidenta do Senado, esposa do Presidente Kirchner que nos dizia o seguinte:
“Ô Lobão, Ô Crivella, queríamos que vocês explicassem como é que conseguem alcançar superávit com um sacrifício social tão vultoso. Aqui na Argentina estamos quebrados, não possuímos balança comercial nem as riquezas comerciais do Brasil, mas já oferecemos 3%, e está muito bom”. No fundo, o que ela dizia é que estávamos prejudicando os argentinos, que negociamos de maneira frouxa.
E a situação se agravou porque, no primeiro quadrimestre deste ano, praticamos superávit de 6,75%. Esterilizamos R$32 bilhões da arrecadação. O Senador Roberto Saturnino, meu companheiro, do PT do Rio de Janeiro, Relator do PPA, tentou diminuir o superávit em 0,5% nos quatro anos seguintes. Foi afastado. Retiraram a relatoria do Senador. Enquanto isso, não há remédios nos hospitais e falta verba para pagar os médicos aposentados.
Há poucos dias, encontrei um ex-Diretor da Policlínica Geral do Rio de Janeiro. Gostaria de homenageá-lo. Fico tentado a citar o nome dele. Como não pedi autorização, peço permissão para não citar, mas ele deve estar me assistindo pela TV Senado. Ele disse que precisava de R$4 mil emprestados. Disse-me ele: “Fui professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Diretor da Policlínica, formei três filhos: um economista e duas arquitetas. E nenhum dos três tem condições hoje de me ajudar. Recebo R$700,00 de aposentadoria, endividei-me, minha esposa está doente, preciso de oxigênio, pago um aluguel de R$800,00. Meu filho, economista, tem pago meu condomínio, mas me fez um apelo dramático. Disse-me: “– Olha, meu pai, quando você ganhar sua ação movida contra o INSS, vê se você me devolve o dinheiro, porque tenho filho para criar”. Diretor da Policlínica Geral do Rio de Janeiro! Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. Formou centenas de pessoas e hoje recebe R$700,00!
Há um pleito no Ministério da Saúde dos médicos do meu Estado pedindo o direito de fazer jornadas maiores: passar de 20 horas semanais para 40 horas semanais. É um sacrifício, mas é o que a pessoa tem para sobreviver. Enquanto isso, temos as taxas de juros mais altas do planeta.
No ano passado, pagamos de juros aos credores da nossa dívida R$160 bilhões. Nunca se viu, meu Deus, uma transferência tão grande de recursos dos pagadores de impostos para os credores na história do capitalismo! Nunca se viu! E ainda o nosso Secretário do Tesouro, na última reunião do FMI, em Nova Iorque, propôs-se a aumentar um pouquinho o nosso superávit. Os técnicos conservadores do Fundo Monetário Internacional, que defendem o interesse dos países investidores, grandes banqueiros, surpreenderam-se, dizendo: “Olha, vamos abaixar um pouco o superávit, aliviar a crise esmagadora social do Brasil”. Disseram: “Não, vamos subir, vamos subir um pouco. Podemos agüentar até 4,5”. Estamos falando de mais R$10 bilhões, quase que o Orçamento da Saúde.
Creio que devia vir aqui hoje e falar de coração, falar do que vi nas comunidades carentes de minha cidade, do povo humilde, do povo sofrido, lá do sertão onde morei, e dizer, meus senhores, que, nos dez anos em que vivi na África (Malawi, Zâmbia, Quênia, Uganda, Madagascar e Angola – esta, com 27 anos de guerra civil), nunca vi uma crise social tão esmagadora como a que estamos vivemos. Nunca havia visto meninos vendendo cocaína às 10 horas da manhã como vi nas comunidades do Rio, lá no morro.
Peço a Deus que ilumine o povo brasileiro diante do seu sofrimento. Clamo aos céus, mas clamo também aos homens de boa vontade, e, na democracia, o tempo de mudança é a voz das urnas; clamo a Deus para que possamos transformar este País, começando pela saúde, onde agrava o sofrimento do povo brasileiro.
Termino homenageando os médicos, verdadeiros heróis nessa guerra pela saúde pública.
Quero citar, não poderia deixar de me esquecer do Dr. Jorge Darze, Presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro, que agora está lá na porta Governadora; vários senhores de cabeça branca, que salvaram a vida de tantas pessoas e hoje morrem à míngua, com um salário indigno.
Cito o Dr. Antônio de Pádua Jazbik, um orgulho da cirurgia cardíaca no Brasil. Lembro-me de um juiz federal de São Paulo que teve um problema no coração e foi fazer uma consulta em Houston – já que ele tinha dinheiro, resolveu pagar o melhor. Lá, perguntaram por que ele não se havia consultado com o Dr. Jazbik no Rio de Janeiro, que é uma referência. Atualmente tenho ido ao Ministério da Saúde para lutar por um projeto desse herói da medicina, que quer construir uma sala de cirurgia para crianças com problemas cardíacos lá no hospital de que é diretor, em Humaitá, no Rio de Janeiro. É uma luta tremenda para conseguir R$300, R$400 ou R$500 mil, pois está tudo contingenciado.
Saúdo também o Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Dr. Almir Fraga Valladares. Não podia deixar de citar também o Professor Pedro Monteiro Sampaio, que foi eleito Médico do Ano pela Sociedade de Medicina e Cirurgia do Rio de Janeiro; o Diretor do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho no Rio de Janeiro, Dr. Amâncio Paulino de Carvalho; e o Diretor da Rede Sarah, Dr. Aloysio Campos da Paz.
Que Deus possa iluminar, consolar e fazer com que a sociedade brasileira desperte para o valor desses profissionais!
Muito obrigado, Sr. Presidente.