O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, eu gostaria de abordar o tema do comércio e da integração da nossa América Latina, razão pela qual estive em Bogotá, no antepenúltimo final de semana, com Parlamentares, Deputados e Senadores de 22 Países, como Canadá e Argentina.
Vivemos, na América Latina, uma das mais graves crises sociais da nossa história, determinada por índices sem precedentes e por longo tempo de desemprego aberto e de subemprego. Nossos sistemas democráticos, resgatados a duras penas a partir dos anos 80, têm estado sob forte tensão das crises sociais, levando a soluções políticas às vezes traumáticas, em face da incapacidade revelada pelos nossos sistemas econômicos de dar resposta a legítimas demandas de progresso material de nossos povos.
O receituário de políticas econômicas a que temos sido submetidos nas duas últimas décadas revela-se claramente insatisfatório como suporte para o desenvolvimento. Temos tido taxas de crescimento medíocres, condicionadas por uma agenda comum de extremas restrições monetárias e fiscais, das quais somente escaparam, mais recentemente, os Países que, por algum caminho, procuraram superar o marco neoliberal. Estes, sim, estão crescendo mais vigorosamente. Devem nos inspirar em nossas escolhas mais abrangentes.
A estabilização permanente da democracia em nossos Países depende, a meu juízo, do desenvolvimento acelerado, não como abstração econômica, mas como instrumento de construção do estado de bem-estar social e da própria democracia social. Queremos para os nossos cidadãos o que foi conquistado no pós-guerra por outros povos civilizados em termos de bem-estar básico, em termos de segurança social e individual, em termos de possibilidade de realização material e espiritual. Nossos povos têm esperado longo tempo por isso, e se nossas elites políticas forem incapazes de lhes dar respostas dentro da democracia, corremos o risco de aventureiros o fazerem fora da democracia.
Permita-me, agora, abordar mais detalhadamente a questão do comércio e da integração regional. Vejo a integração econômica como um imperativo do nosso desenvolvimento, mas não vejo o livre comércio como um instrumento direto de integração, sobretudo nos estágios iniciais desta última. Aliás, nossos povos perceberam bem isso. Rejeitaram a Alca tal como havia sido proposta, e rejeitaram porque perceberam que um tratado de livre comércio entre Países com situações econômicas e tecnológicas assimétricas não leva ao desenvolvimento comum, mas, sim, à cristalização de diferenças de capacidade produtiva, de tecnologia e de renda.
No âmbito sul-americano, o Mercosul tem sido uma experiência vitoriosa de integração pelo comércio, mas, neste caso, seus dois principais parceiros, o Brasil e a Argentina, apresentam níveis similares de desenvolvimento econômico e tecnológico. Assim mesmo, temos de reconhecer que há necessidade de avanços para uma efetiva integração, notadamente no sentido da especialização industrial entre os Países, já que, do contrário, o que estaremos trocando crescentemente não passarão de isenções tributárias de exportação, e não produtos diferenciados pela tecnologia e pela produtividade.
Não obstante, entendo que a integração econômica é o nosso destino. Por razões geográficas e geopolíticas óbvias, deveria começar pela América do Sul, estender-se para a América Latina e, no futuro, abarcar todas as Américas. É necessário que a América do Norte, os Estados Unidos e o Canadá tenham uma visão generosa desse processo, na medida em que uma precipitação no seu encaminhamento, como foi o caso da Alca, levar-nos-ia – a nós, Países em desenvolvimento – possivelmente a um retrocesso ainda maior nas nossas condições econômicas. Nesse sentido, o livre comércio seria o último passo a dar numa longa caminhada de integração econômica. Nesse caso, o melhor que a América do Norte poderia fazer para nos ajudar seria abrir unilateralmente seu mercado para nossos produtos e serviços, como no passado muitos de nós fizemos para seus próprios produtos e serviços.
A inspiração, Sr. Presidente, vem da Europa Ocidental, não da União Européia, no seu estágio final de união política sob marco neoliberal, mas da Europa inicial dos seis do Mercado Comum Europeu, que promoveu uma efetiva integração econômica entre seus membros antes de partir para o livre comércio regional. Sim, porque dois acordos de integração precederam o Tratado de Roma de 1958. Primeiro, o Acordo do Carvão e do Aço, que estabeleceu os alicerces para a especialização e integração das indústrias básica e energética sob planejamento público; segundo, a EPU, ou União Européia de Pagamentos, que estabeleceu uma moeda comum contábil para facilitar o intercâmbio regional sem necessidade de dólar – na época, extremamente escasso.
Foi a partir desses alicerces que se construiu o Tratado de Roma, que, em si mesmo, também se estendeu para muito além de um simples tratado de livre comércio. Além disso, desenvolveu-se pelo lado privado uma macroespecialização industrial, pela qual a Alemanha e, parcialmente, a França tornaram-se fornecedoras de bens de capital para o bloco, abrindo, em contrapartida, seu mercado para os produtos primários e bens de consumo dos parceiros. Com isso, as trocas internas crescentes no Mercado Comum Europeu, chegando a mais de 60% de seu comércio exterior, foram uma efetiva contribuição ao aumento de produtividade, ao desenvolvimento tecnológico e ao crescimento da renda. Mas algo que está quase esquecido nesses tempos neoliberais é que o Mercado Comum Europeu estabeleceu também um marco para o desenvolvimento social dos Países membros. Um capítulo dos três que compõem o Tratado de Roma trata especificamente disso. E determinou-se que as condições sociais obrigatórias para o bloco deveriam seguir o padrão fixado pelo País que estivesse mais avançado, ou seja, obrigou a uma uniformização por cima das regras sociais, em especial as trabalhistas e previdenciárias. Comparem isso, agora, com as normas previstas na rejeitada Constituição da União Européia, propondo a remoção de qualquer obstáculo legal ao mercado livre, e veremos como a própria Europa Ocidental está regredindo socialmente, ao mesmo tempo em que tenta nos impor o padrão neoliberal que nega a sua própria constituição social e política histórica.
Não nego a necessidade de altos padrões de competitividade e de eficiência econômica para participar do mundo comercialmente globalizado. Contudo, que isso seja fruto da especialização industrial e das conquistas tecnológicas, e não do dumping fiscal e do dumping social. Sem isso, o projeto de integração econômico será um projeto das elites econômicas internacionalizadas e das tecnocracias do nosso Continente, e não um projeto dos nossos povos em benefício de todos.
Se o marco inicial da integração das Américas for o Mercosul, expandido para a América do Sul, podemos imaginar uma seqüência de etapas que facilitariam o processo, inspirando-nos, como dito acima, na experiência do Mercado Comum Europeu.

 
(Interrupção do som.)
 

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Partiríamos de uma moeda contábil comum, seguindo-se um programa comum de especialização da indústria básica sobretudo de energia e logística, assim como de macroespecialização industrial e privada, com o Brasil e Argentina como fornecedores de bens de capital, e os demais Países como supridores sobretudo de bens de consumo e produtos primários. Haveria, naturalmente, alguma sobreposição, mas isso existiu também na Europa Ocidental, o que não impediu o avanço da integração econômica.

Um estudo detalhado e justificado dessas etapas foi feito pelo economista brasileiro José Carlos de Assis em tese de doutorado, defendida junto a Coppe/UFRJ, e que será brevemente publicada em livro sob o título Plano Inca.

Note-se que já estão em curso iniciativas de integração de infra-estrutura energética e logística entre Países da América do Sul, faltando apenas sua articulação num programa mais abrangente e, sobretudo, a formulação clara de um sistema de financiamento estável via um orçamento comum, arbitrado por uma autoridade também comum.
Mais importante, Sr. Presidente, é que o Ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, propôs uma moeda contábil comum a partir da expansão do já existente CCR, Convênio de Crédito Recíproco, que pode dar um tremendo impulso no comércio regional.
A moeda contábil, de acordo com o economista acima citado, poderia ser também base de financiamento dos programas de infra-estrutura, notadamente em sua parte financiada por recursos locais. Nesse sentido, seria base também para futura organização de um banco central sul americano, que desempenharia, para a região, as funções de um FMI voltado também para o desenvolvimento, e não apenas para o equilíbrio comercial externo dos Países membros.
Sr. Presidente, não devemos ter medo de ousar. Como políticos, com responsabilidade de definir soluções para as graves questões sociais do Continente, temos de pensar o futuro, pois, do contrário, estamos condenados a repetir permanentemente o passado. Entendo que chegou o momento de a América Latina e a América do Sul pensarem com seus próprios recursos intelectuais e políticos as opções que estão a sua frente. O receituário que nos tem sido imposto de fora para dentro está nos mergulhando numa crise social sem fundo, que ameaça, como já disse, nossa estabilidade política e democrática.
Convido os senhores a olharem para dentro de nossos Países sem preconceito de espécie alguma. O que vemos? Taxa de desemprego aberto de mais de 10%. Taxa de subemprego às vezes acima de 20%. Grande desalento em amplas faixas da população, que desistiram do mercado de trabalho.

(Interrupção do som.)

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Sr. Presidente, em um minuto, concluo.
Somos Países pobres e, assim mesmo, nos damos ao luxo de abrir mão de mais de um terço de nossa força de trabalho, alijando-a do sistema produtivo. Isso causa problemas de financiamento fiscal e previdenciário.
Como conseqüência, impõem-nos draconianos ajustes fiscais e monetários que inibem ainda mais o sistema produtivo e o desenvolvimento. Obviamente, a repetição recorrente desse sistema não nos levará a lugar algum. Ou melhor, nos levará ao desastre social e político, que alguns dos nossos Países já experimentaram.
Vamos, pois, tentar uma saída. O caminho, a meu ver, é a integração econômica pela via da especialização, do planejamento público da infra-estrutura energética e logística e da uniformização social “por cima”, a fim de fazer desse projeto um projeto de nossos povos, e não apenas de nossas elites. Ousemos. É o mínimo que nossos povos poderão esperar de suas elites políticas.
Muito obrigado, Sr. Presidente.