Senhor Presidente,
Senhoras e Senhores Senadores,
Senhoras e senhores telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado,
Senhoras e senhores presentes ao Plenário do Senado Federal,

Hoje é o aniversário de Juscelino e gostaria de lembrar o dia 23 de agosto de 1976, um dia que amanheceu triste. Havia pelo Brasil a fora, em cada lar uma prece, em cada olhar uma lágrima e em cada coração um voto de pesar e de saudade. A Nação se calou e Minas chorou. Nas cordilheiras da Mantiqueira, no Caraça, nas cavernas e nas grutas, nas cachoeiras e nas campinas. Dos Buritis a Itajubá, do Parnaíba a Nanuque, Minas em sua tristeza era a síntese da alma nacional, de 100 milhões de brasileiros que naquela manhã, tomados da mesma emoção, sentindo a mesma dor, unidos na mesma amargura, carpiam o líder excepcional, o presidente, o amigo do povo, o servidor de todos, que horas antes a morte lhes arrebatara tragicamente.

É que Juscelino Kubitschek de Oliveira foi um político por excelência. Seu coração não escondia o ódio, mas era fonte de amor.

O povo brasileiro chorou e lembrou que de cada etapa da sua existência de onde se irradiava uma lição que enobrece e dignifica a vida: do menino pobre e orfão de pai, da histórica Diamantina, mas bom filho, bom irmão, bom amigo, nos vem a doçura da alma mineira, que um dia foi imortalizada pelo poeta Sarney, quando disse que Minas não tem mar, nem poderia ter, porque o mar é salgado e Minas é doce. É daí que vinha a doçura do menino Juscelino. Do rapazinho dinâmico e laborioso, que atravessa as madrugadas debruçado sobre um aparelho telegráfico, remonta a fé no trabalho. Do médico humanitário das campanhas da Mantiqueira nos vem o amor ao próximo e do estadista o respeito cego à Constituição. A dignidade humana elevada a categoria de um dogma e da sua imaculada vocação democrática ele fazia uma simbiose do prazer de uma arte com a devoção de um sacerdócio.

Por onde ele andava, ao seu redor se formava uma atmosfera sem trevas, sem nuvens de maus presságios e sem os relâmpagos da insensatez e da destemperança. Ao contrário, se irradiava uma luz que contagiava os homens de boa vontade e os sintonizava na doce energia da sua criatividade e virtude cristã.

Prefeito de Belo Horizonte nomeado pelo então Governador Benedito Valadares, ele mostra sua capacidade criadora, inova, renova e transforma aquela capital sertaneja , até então inexpressiva, numa metropóle moderna e dinâmica, com o embelezamento da Pampulha, para onde convoca o gênio de artistas, antes desconhecidos, hoje renomados mundialmente: Niemayer, Lucio Costa, Portinari, Burle Marx e Santa Rosa. E o povo mineiro, surpreendido e agradecido, o chama nas ruas, carinhosamente, de “Prefeito Furacão”.

Governador de Minas. Dias, meses e anos de um labor infindável. Com seu binômio Energia e Transporte ele cria em 1952, a CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais), constrói cinco usinas hidrelétricas, abre mais de três mil quilômetros de rodovias. Promete construir em dois anos uma usina siderúrgica e cumpre: em 12 de agosto de 1954 foi inaugurada, com a presença de Getúlio Vargas, a Siderúrgica Mannesmann, na região metropolitana de Belo Horizonte. E de tal maneira se houve no Governo de Minas e foi tão grande o volume de suas realizações que seu nome se projetou por todos os recantos do País e o Brasil enxergou que havia no Palácio da Liberdade, um jovem brilhante, atuante, presente e dinâmico.Um dos maiores do seu tempo.

A sua caminhada para o Palácio do Catete foi uma epopéia. A transposição de um terreno minado, que a outro teria desanimado, menos a ele que possuía a fibra de um gladiador e o arrojo de um bandeirante. Seus adversários lhe impuseram uma campanha dura, das mais ásperas e virulentas. No rádio, na imprensa escrita, na televisão, nas tribunas parlamentares, de nada foi poupado. Não houve expedientes dos mais torpes aos mais desumanos, que não fosse posto em prática, mas ele, nem mesmo no vértice do sofrimento, no paroxismo da luta, quanto mais contundentes as injúrias e infamantes as calúnias, se deixou atormentar ou se tornar irascível, não admitindo sequer perder a linha de sua elevada compostura.

Era acima de tudo um mineiro. Mineiro na maneira de pensar e de agir. No cuidado com a vida. No coração sem ódio. Na humildade sem subserviência. Na prudência sem hesitação. Na altivez sem orgulho. Mineiro na sua índole de conciliar, na vocação do entendimento, de não reagir na fumaça do tiro, de ponderar, de encontrar a solução pacífica para os mais complexos dilemas da vida.

Todos se lembram dos primeiros dias do seu governo. O estado de sítio amortalhava a Nação, para deter o delírio dos inconformados. A Nação estava sangrando e dividida em campos nitidamente caracterizados. Crise econômica, crise política, crise militar. Os mais otimistas previam: governo agitado, legalidade ameaçada.
Eis que se revela o estadista, em toda a sua plenitude, e o gênio político, na força de sua capacidade. Os que dele esperavam vingança e ódio se surpreendem e se decepcionam. Ele suspende no mesmo dia da sua posse, o estado de sítio, restaura a democracia, devolve à imprensa e aos veículos de comunicação os instrumentos da liberdade. Cinco anos de governo, cinco anos de prática ilesa da democracia. A paz interna, o progresso, Legislativo e Judiciário intocáveis na sua majestade, imprensa solta e o prestígio internacional que ele conseguia através do respeito à voz das urnas e da diuturna vigilância na observância do exercício dos sagrados direitos do Homem.

Seria fastidioso falar das monumentais realizações de Juscelino na Presidência da República, mas não se pode deixar de se mencionar Brasília o que seria uma omissão imperdoável.

O sonho desta Capital estava nos primórdios de nossa História. Foi o devaneio dos Inconfidentes, visão de inspiração divina de Dom Bosco, mandamento imperativo de todas as nossas Constituições — haveria de encontrar, no homem das alterosas — sonhador, temerário e ousado—as mãos ciclópicas para plantá-la e chantá-la nas regiões abandonadas do planalto central, como âncora da nacionalidade a lhe apontar, para sempre, os horizontes sem fim da esperança.

Esta bela Capital é uma imensa forja onde se acrisolam as essências mais puras da nacionalidade, o alto forno onde se retemperam as energias da brasilidade, a mais alta realização artística de uma raça tomada de ímpeto e determinação.

Cassaram o presidente, é verdade. O baniram da vida pública. Os vilipêndios atormentaram os últimos anos de sua existência. Foi condenado a ser um morto vivo, um fantasma vagando, um miasma. A Tv Globo não falava seu nome. A imprensa censurada, dele não se lembrava. Foi submetido aos mais infames interrogatórios inquisitoriais da inveja e do despeito, mas nada demoliu seu ânimo. Apenas no exílio, ele se entibiou e sofreu. A saudade da Pátria e o medo de que não pudesse mais revê-la o angustiavam. De Nova Iorque ele escreve a um amigo palavras ressumadas de desalento, palavras ressumadas de amargura. Ouçamo-lo:

” O dia de Natal amanheceu triste. São duas horas da tarde e a noite já cobriu a cidade. Não se vêem senão as luzes fosforescentes dos carros e dos anúncios. Ontem tive surpresa comigo mesmo. À noite, por volta das sete horas, senti uma solidão mortal. Não conseguia atender a telefonemas sem quebrar a emoção, porque esta me impedia de falar. Uma tristeza pesada, brutal, dolorosa invadiu-me. Por que está acontecendo isto comigo?

O exílio é o preço que os grandes homens pagam para conseguir um lugar no coração do povo. Exilados foram os Andradas que nos deram a Independência. Pedro II, o mais conspícuo de todos os brasileiros, desterrado, morreu longe da Pátria, com o coração estraçalhado pelas ingratidões e a alma ulcerada de desenganas. O Visconde de Ouro Preto e Silveira Martins. Ruy Barbosa e Epitácio Pessoa. Siqueira Campos, Washington Luís, Otávio Mangabeira, Arthur Bernardes, são constelações fulgurantes de civismo um dia desterrados, hoje a brilhar no Panteon da Pátria.

O exílio era o toque que faltava para compor a imagem histórica de Juscelino Kubitschek de Oliveira, a moldura de ouro de sua radiosa personalidade, o píncaro resplandecente de sua empolgante trajetória.

Falando, pela última vez no Senado da República, onde se orgulhava de representar o bravo Estado de Goiás, e quando dúvida já não mais havia da sua proscrição iminente, Juscelino Kubitschek de Oliveira sentenciou:

” Mais uma vez tenho nas mãos a bandeira da democracia que me oferecem, neste momento em que, com ou sem direitos políticos prosseguirei na luta em favor do Brasil. Sei que nesta terra brasileira as tiranias não duram; que somos uma Nação humana penetrada pelo espírito de justiça. Homem do povo, levado ao poder sempre pela vontade do povo, adianto-me, apenas, ao sofrimento que o povo vai enfrentar nestas horas de trevas, que já estão caindo sobre nós. Mas delas sairemos para a ressurreição de um novo dia, dia em que se restabelecerão a justiça e o respeito à pessoa humana.”

Hoje, em sua memória, nos reunimos no Plenário desta Casa para mais uma vez celebrar com orgulho cívico o ilustre líder mineiro, que nos deixou a lição indelével de que todo sacrifício é pequeno quando celebrado com ardor cívico no altar da Pátria.

Sua obra não morreu. Não morrerá nunca. Enquanto houver um brasileiro, por mais anônimo e solitário que seja, caminhando pelas ruas de Brasília, no eco dos seus passos, na imagem da sua sombra e no brilho dos seus olhos, estará plasmado o reflexo da obra e dos sonhos do Presidente Juscelino Kubitsheck de Oliveira, o Garimpeiro de Diamantina.