O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Muito obrigado, Sr. Presidente.
Sr. Presidente, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, Srª Ministra Marina Silva, Sr. Senador Eduardo Azeredo, estou no plenário do Senado Federal, ouvindo com atenção os discursos dos meus colegas, dos meus companheiros, como sei que há várias pessoas que, pelo Brasil afora, acompanham também. A política há ser sempre esse dilúvio de ódios e paixões, onde, muitas vezes, as coisas são ditas, mas não são provadas. Fazem parte, realmente, do debate.
O importante, Sr. Presidente, é que o Brasil hoje, como o resto do mundo, enfrenta, está no meio de uma crise econômica mundial que é a maior dos tempos contemporâneos, e de um tipo e de uma escala jamais vistos por nossa geração e, provavelmente, pela geração dos nossos filhos e nossos netos. Nenhuma nação da terra será capaz de escapar dos efeitos dessa crise, mesmo que algumas delas tenham, inicialmente, melhores condições que outras de enfrentar seus desdobramentos. Estou certo de que, nesta Casa, acima de partidos políticos e de ideologia, todos já estamos conscientes da profundidade dos desafios colocados à liderança política do mundo e, obviamente, à liderança política brasileira, no que lhe compete.
Subestimamos a crise, no início. A excelente performance da economia nos três primeiros trimestres do ano passado levou muitos de nós a assumir uma atitude ilusória diante dos efeitos da crise. Mas isso não impediu que o Governo tomasse iniciativas importantes para proteger nossa economia, nossa sociedade e nossa estrutura de emprego, em especial na área monetária, onde foram acionados vários mecanismos de ampliação da liquidez em face do colapso geral do crédito externo, em especial para exportações.
Três eixos o Governo identificou como desdobramentos da crise: o problema do crédito, a taxa de juros – o câmbio – e o enfrentamento macroeconômico. E o Governo enfrentou com medidas de curto prazo e de médio prazo. De médio prazo é a política anticíclica, é o PAC, que nasceu como Programa de Aceleração do Crescimento e, hoje, é um programa anticíclico. Mas o Governo também tomou iniciativas de baixar o IOF para empréstimos às pessoas físicas.
Criou novas alíquotas para o imposto de renda. O Governo ampliou, melhorou o prazo no redesconto entre os bancos, diminuiu o precatório, fez assegurar os recursos no BNDES, que, no passado, chegaram a R$90 bilhões – a Caixa Econômica, R$67 bilhões até outubro do ano passado; e o Banco do Brasil, mais de R$170 bilhões em empréstimos concedidos a curto prazo. De tal maneira, com essas medidas, o Governo Brasileiro procurou manter a liquidez do crédito, o investimento e, assim, assegurar o emprego.
Porém, Sr. Presidente, como se tem visto, as medidas monetárias, embora importantes e imprescindíveis, não foram e não são suficientes. A crise que começou no sistema financeiro, desencadeada por uma espiral especulativa como nunca se viu na história humana – o volume de derivativos, segundo estatísticas do BIS em meados do ano passado, equivalia a US$600 trilhões, contra menos de US$60 trilhões do Produto Mundial Bruto –, contaminou o sistema produtivo e desencadeou um processo de desemprego também em larga escala. Como consequência, a demanda agregada despencou e, com ela, o emprego. Isso fez desencadear uma espiral viciosa que não é possível conter apenas com a expansão da liquidez.
É que, desde a Grande Depressão dos anos 30, único precedente que se equipara à crise atual, sabe-se que, em face de uma crise de demanda aguda, a liquidez no sistema bancário empoça. Os bancos ilíquidos ou com carteiras de alto risco param de emprestar porque não têm dinheiro, e os bancos que têm dinheiro não querem emprestar para outros bancos ou para o setor produtivo porque temem os riscos de inadimplência. Isso atinge todo o sistema produtivo, mas, especialmente, as pequenas e médias empresas, grandes empregadoras na economia. É a isso que estamos assistindo. Houve medidas importantes, como a redução do compulsório, que citei aqui, e a redução de impostos, mas a disponibilidade de crédito efetivo para o sistema produtivo continua abaixo do normal.
Faltou uma medida fundamental na área bancária, uma redução mais acelerada da taxa Selic. A baixa de um ponto é muito pequena para o tamanho da crise financeira. E este é o primeiro ponto em que estamos na contramão do mundo: nos Estados Unidos, na Europa e na Ásia, as taxas básicas de juros foram reduzidas a quase zero por cento. Continuamos acima de 11%; aliás, estamos em 12,75%. Com uma inflação prevista para 4,5% este ano, teremos uma taxa nominal ao redor de 7%. É um excesso. Já era um excesso antes da crise e se tornou extravagante depois dela. É claro que a redução da Selic apenas não resolve o problema do crédito extremamente caro no Brasil, já que osspreads bancários são tão altos que, diante deles, baixar a Selic à metade teria ainda pouca expressão. Na realidade, depois da crise e da redução do compulsório e do IOF, os spreads foram aumentados em até 6 pontos percentuais, para quase 50%, inclusive, e contraditoriamente, também nos bancos públicos. Se isso continuar assim, dificilmente a política monetária contribuirá para o enfrentamento da crise e sua superação. Ao contrário, vai agravá-la.
Entretanto, é em relação ao quadro fiscal que a redução da Selic pode trazer uma grande contribuição para a retomada. No ano passado, pagamos, em razão da Selic elevada, mais de 160 bilhões de reais de juros aos titulares da dívida pública. Esse dinheiro, em grande parte constituído pelo superávit primário de cerca de 5% do PIB, não volta à economia sob a forma de investimento ou consumo porque seus titulares, já com o consumo saturado e com poucas perspectivas de investimento produtivo por causa da queda da demanda, preferem comprar títulos públicos, remunerados a 12,75%. O efeito da Selic elevada e do superávit primário também elevado é, pois, fortemente contracionista. Num momento de crise, é mortal para as perspectivas de recuperação.
Numa crise de desemprego e de demanda agregada – e vivemos uma crise aguda de desemprego, como mostrou o Caged de dezembro, com 654 mil empregos perdidos num único mês –, a economia só dispõe de três alavancas de recuperação, capazes de fazer com que o sistema privado volte a confirmar nas perspectivas de investimento: o crédito, já comentado como sendo insuficiente; a demanda externa por exportações, que colapsou com a generalização da crise; e uma política fiscal anticíclica, expansiva.
É essa, Srªs e Srs. Senadores, a alternativa que nos resta. Será impossível sair dessa crise sem um plano vigoroso de expansão do dispêndio público, talvez da ordem de 2% a 3% do PIB, seguindo o que o Presidente Obama acaba de fazer nos Estados Unidos, aliás o que toda a União Européia e muitos países da Ásia vêm fazendo, assim como a China e a Índia.
Aqui também estamos na contramão do mundo. Há poucas semanas, fizemos um corte orçamentário de 25% em plena crise de demanda. Isso contraria frontalmente a recomendação que o Presidente Lula fez à sociedade de não parar de gastar. Suspeito que a razão para uma sinalização tão nefasta em momento de crise seja o fato de o Governo se sentir intimidado diante das críticas de uma parte da sociedade, em especial da grande mídia e do empresariado, ao gasto público em geral. Não vou entrar no mérito desse debate referido a um tempo anterior à crise. Vou me ater ao que nos resta daqui para a frente. De onde surgirá um aumento da demanda agregada no momento atual, com capacidade de reverter o quadro recessivo, a não ser do aumento do dispêndio público? Afinal, o caminho da expansão da liquidez e a alternativa do aumento de exportações estão, como eu disse, bloqueados.
Essa discussão, aliás, já deveria ter sido superada, em face do que está acontecendo lá fora. A discussão relevante é, na verdade, sobre gastar em quê no Brasil. Ou simplesmente gastar onde o investimento tem um multiplicador maior de renda e de emprego. Alguns correm para dizer que o Governo deveria gastar mais; porém, apenas em investimento e não em custeio. O que significa exatamente isso? Gastar na construção de um hospital e não na contratação de médicos e enfermeiros? Gastar na construção de escolas e não na contratação de professoras e serventes? Gastar na prospecção de petróleo e na construção de hidrelétricas, mas não na contratação de petroleiros e eletricitários? Esse paradoxo está implícito na Lei de Responsabilidade Fiscal, mas essa Lei foi votada em circunstâncias extraordinárias, sob o regime do pensamento único neoliberal, e ninguém pensou muito em suas conseqüências no futuro. Agora, porém, estamos em crise.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB – PI) – Senador Crivella, desculpe-me interrompê-lo, mas são 18h30. Prorrogo por mais meia hora a sessão para V. Exª ficar à vontade, assim como a oradora seguinte, que é Rosalba Ciarlini.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Muito obrigado, Sr. Presidente.
Então, dizíamos aqui que essa discussão do pensamento neoliberal, do Estado mínimo e do mercado regendo ou fazendo programa de nação está superado. O mercado mostrou que morre de overdose e precisa ser regulado. Neste momento de crise só temos uma alternativa, que é o Governo adotar política anticíclica, mas não só, Sr. Presidente, na área de investimento. É importante a construção de estradas , de hidrelétricas, é importante cuidar da infra-estrutura brasileira, aumentar nossa capacidade de investimento em nossas rodovias e ferrovias, e o Governo tem feito isso…
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB – PI) – V. Exª me permite interrompê-lo? A tese de Ted Gaebler e David Osborne, explicitada em seu livro
Reinventando o Governo, encomendado por Bill Clinton, é do Executivo mínimo. Ele não diz mercado mínimo, não.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Pois é, o mercado era máximo, e o mercado máximo levou a uma crise máxima, Sr. Presidente, uma crise que mergulhou o mundo em uma profunda recessão, senão à depressão, com queda de emprego inclusive em países com economia estabilizada, como países da Europa, assim como os Estados Unidos. Aliás, hoje tivemos a notícia de que o Produto do Japão, segunda potência mundial, segundo PIB do mundo, caiu 12% no último trimestre do ano passado. E na década passada, o Japão tentou relançar sua economia fazendo obras públicas, duplicando suas estradas, ferrovias, rodovias… E não lançou a economia. Isso mostra que esse plano de obras precisa ser acompanhado também com gastos em serviços, Sr. Presidente.
E aqui no Brasil, Sr. Presidente, nós temos uma dívida histórica com as comunidades carentes. Eu já falei aqui, diversas vezes, desta tribuna, como surge a favela no Brasil: com a Guerra do Paraguai, com a volta dos voluntários da Pátria, que, lá na minha cidade, foram colocados no Morro da Providência provisoriamente sob a perspectiva de que se iria tomar uma providência. Àquela época, Caxias, o grande Patrono, que foi Senador nesta Casa, defendia que todo soldado, que todo cidadão que vestisse a farda, fosse índio, fosse português, fosse negro, viraria cidadão, de acordo com a Constituição de 1924. Mas não era esse o desejo do Partido Republicano Paulista, o único Partido deste País naquela ocasião, que queria usar a escravidão para desgastar a República. Tanto é que a escravidão só cai quando a República cai junto. Ela cai em 1888 e a República, em 1889. Portanto, não aceitou o Partido a hipótese de Caxias. E os voluntários da Pátria voltam, mas como subcidadãos. Alforria sem trabalho e sem moradia.
E olha a vergonha que deu! Aquela decisão, que devia ser provisória, aquela providência que devia ser tomada se transformou num país favelizado, para a nossa vergonha.
A esta altura do desenvolvimento econômico deste País, nós ainda temos, em todas as capitais, pessoas, crianças, homens e mulheres, trabalhadores, vivendo em condições sub-humanas. E eu pergunto ao Senador Eduardo Azeredo, engenheiro civil como eu: falta cimento? O que é o cimento, Senador Mão Santa? É uma farofa de calcário e argila com um pouquinho de gesso. Falta calcário neste País? Falta argila? Falta gesso? Nós temos em tamanha quantidade que não somos capazes sequer de dimensionar. Falta madeira? Falta alumínio? Falta tinta? Falta verniz? Falta plástico? Falta borracha? Falta o quê? Falta mão-de-obra? Não, nós temos uma mão-de-obra abundante esperando ser treinada e empregada como um vigia espera pela aurora. O que nos falta, Sr. Presidente, é lançar um programa de habitação na escala da nossa necessidade. E agora chegou a hora.
Sr. Presidente, tenho falado muito aqui no Cimento Social. É preciso unir essa sociedade. O meu Rio de Janeiro é uma violência tremenda. Por quê? Não é uma cidade, mas duas. De um lado, culta, bonita, às margens do oceano Atlântico, com avenidas, apartamentos que custam milhões de dólares; de outro lado, a uma distância constrangedora, uma imensa parcela da nossa população vive em condições miseráveis, sub-humanas, numa existência triste e desgraçada. É lógico que essa desigualdade causa violência entre nós. Balas perdidas, crianças mortas, muito tráfico de drogas… São duas irmãs siamesas e monstruosas que não vivem uma sem a outra, mas que precisam se unir num cimento social. Precisamos resgatar isso.
Sr. Presidente, faço, desta tribuna, mais uma vez, um apelo, para que possamos aproveitar esse limão e fazer uma limonada. Precisamos aproveitar essa crise e usar o potencial da construção civil. Não dependemos de nada, de tecnologia nenhuma, temos todas aqui neste País. Por que o nosso povo mora em barracos? Por que nossas crianças crescem com o estigma da inferioridade, com uma revolta íntima que amanhã poderá lançá-las, na falta do emprego, num primeiro passo, no subemprego, tentando vender alguma coisa na rua, aos berros, para sobreviver, e, depois, na criminalidade aberta, vendendo cocaína, se prostituindo ou se envolvendo com produtos piratas?
Sr. Presidente, confio no espírito público do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Quantas vezes ouço aqui, amargurado, as críticas que fazem a esse Presidente. Foi ele quem conseguiu levar metade da população brasileira para a classe média. Segundo os centros sociais de estudos da Fundação Getúlio Vargas, hoje, metade da população brasileira está na classe média. Foi ele quem regulamentou e protegeu a propriedade rural, a pequena agricultura familiar. Hoje, só no Rio de Janeiro, são 50 mil. É o Estado, proporcionalmente, com mais agricultores familiares. Quem tem propriedade de até 8 hectares tem uma propriedade familiar onde trabalha a família. Lá trabalham o pai, o filho, o irmão, arando a terra com o suor do seu rosto. O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, agora mesmo, está garantindo o financiamento e o preço mínimo na compra do produto agrícola. É o Presidente do Bolsa Família. Mas, meu Deus do céu, o que querem? Que as pessoas morram de fome? Eu não acredito que alguém deixe um emprego formal, com carteira assinada para ficar em casa, indolentemente, recebendo o bolsa família, até porque essa não é a nossa índole nem a nossa vocação. O povo brasileiro é trabalhador. Ele não vai trocar o seu emprego pelo bolsa família. Recebe o bolsa família aquele que está desesperado, que se encontra na amargura do desemprego e não consegue superá-la sem ajuda do Governo. Aliás, é um programa aplaudido no exterior, transferência de renda neste País de imensa concentração de poder e renda.
Portanto, faço um apelo ao nosso Presidente Luiz Inácio da Silva, ao servidor do povo, ao amigo de todos, ao tolerante, ao Presidente que enfrenta essa crise, que já enfrentou outras piores e que hoje tem 85% de apoio popular, que é o que conta. Peço a ele que, neste momento de crise, não se intimide diante da opinião pública. Se disserem “Olhe, vamos gastar com custeio”, precisamos. Se fizemos a escola, precisamos de professor; se fizemos o hospital, precisamos de médico. Acima de tudo, vamos resgatar a população que mora nas favelas brasileiras, começando, talvez, pelas grandes capitais, Rio, São Paulo, Minas Gerais, Salvador, onde, com essas chuvas, as pessoas ficam numa insegurança. É terrível!
Aliás, Sr. Presidente, o Cimento Social é um esforço que temos feito na favela da Providência, para tentar resgatar essa vergonha, essa página triste da nossa história.
Sr. Presidente, muito obrigado pelo tempo que V. Exª generosamente me concedeu, inclusive estendendo esta sessão.
Quero dizer ao povo brasileiro que vamos sair desta crise, com muito trabalho e com muito esforço. Nós não vamos nos intimidar, porque temos um potencial e, acima de tudo, somos um povo acostumado a crescer nos desafios.
Muito obrigado, Presidente.