O SR. MARCELO CRIVELLA (PL – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs. Senadoras e Srs. Senadores, começo este meu pronunciamento agradecendo à Senadora Heloísa Helena por ter feito a minha inscrição na sexta-feira, e também parabenizando a Senadora, por ter aniversariado anteontem e por ter lançado as bases do seu Partido. S. Exª é uma brilhante guerreira. Cumprimento também todos os brasileiros que nos assistem pela TV Senado.
Ocupo hoje esta tribuna para falar de trabalho, sustento e riqueza, e começo citando as palavras escritas por Moisés há mais de 4 mil anos, no livro de Gênesis:
No suor do rosto comerás o teu pão, até que tornes a terra… (Gen. 3:19)
Não era assim no princípio, quando o homem acordou para a vida no Jardim do Éden, único paraíso que um dia existiu na terra e onde um processo natural e progressivamente exuberante produzia um ciclo auto-renovável de frutos e flores, oriundos da pujança da natureza original. O paraíso acabou e ainda não surgiu outro pela mesma causa: a cobiça.
Esse sentimento imbatível por métodos e teorias humanas, seja de origem filosófica, artística ou científica, persiste nos corações até os dias de hoje e impede que a natureza dê à luz novos paraísos, os quais ela foi vocacionada a gestar em benefício de todos os homens e mulheres de boa vontade.
Desde então, a única hipótese para a perpetuação da espécie é a luta pela sobrevivência por meio do trabalho, que, por sua vez, tem parte da energia que produz transformada em calor – e esse se dissipa pelo suor que pinga do nosso rosto.
Sem trabalho, não há pão! Nosso povo sabe bem disso. Milhões de brasileiros não têm o pão nosso de cada dia, e a razão concreta para isso é que não há trabalho. O Programa Fome Zero serviu para mostrar ao mundo e aos brasileiros o caráter e as boas intenções de um Presidente eleito majoritariamente pelos mais pobres e que se tornou o fiel depositário de suas esperanças. Mas só isso e nada mais! É ingênuo imaginar que poderemos construir uma sociedade mais justa e resgatar milhões de brasileiros que hoje vivem no desemprego aberto e no subemprego reinventando um paraíso onde seja possível receber o sustento sem trabalhar, substituindo, assim, de maneira mais eficiente, a própria natureza, que tentou e jamais conseguiu isso permanentemente.
Não só esse programa, como todas as demais políticas compensatórias deste Governo e dos que nos antecederam puderam contrariar a regra básica que definiu a possibilidade de vida em ambiente de cobiça há mais de 4 mil anos e continua valendo e assegurando que só pode haver sustento permanente se produzido pelo suor do rosto de alguém que trabalha.
Por isso o povo clama por emprego digno e remunerado que faça com que homens e mulheres honestos tenham sustento permanente para si e suas famílias. Não há outro caminho e nunca houve. Se não formos capazes de criar empregos para milhões de brasileiros, então será o narcotráfico que empregará uma grande parcela deles, recrutando nossos jovens para suas fileiras. Pais de família serão submetidos a estratégias obscuras na luta pela sobrevivência e muitas mulheres, ainda jovens, poderão cair nas armadilhas da dita e maldita “vida fácil”, enquanto uma geometricamente crescente multidão de adolescentes se envolve com as drogas e passa a patrocinar o pior crime da era contemporânea.
O bom pai não é diferente do bom governante ou do bom sacerdote. Ele sabe que só o trabalho, e mais nada, pode moldar o caráter, manter a mente ocupada no que é útil, despertar no ser humano o sentimento nobre do dever cumprido. Todos precisam disso, ricos ou pobres, cultos ou incultos, religiosos ou não.
Negar trabalho é negar a vida e a dignidade. Não há política compensatória que atenue isso.
Há famílias ricas em nossa sociedade que, por disporem de muitos recursos, tentaram poupar seus filhos do suor e fazê-los viver confortavelmente de rendimentos financeiros supostamente inesgotáveis. A título de poupá-los da luta pela vida, na verdade, tornaram-nos cidadãos fracos, vítimas de problemas que não surgiram do meio externo, mas de dentro deles mesmos, provocados pelo ócio, que corrói os princípios e torna o ser humano vítima de si próprio. “Mente vazia, carpintaria do diabo”, dizem sabiamente os que conhecem o valor do trabalho.
A sociedade americana descobriu isso no fim do século passado, e a publicação do livro A Teoria das Heranças provou estatisticamente que fortunas herdadas se dilapidam na geração seguinte, e quase 100% delas se esgotam na próxima geração.
O trabalho é a fonte da vida. Trabalho digno é questão de justiça e só ela pode produzir a paz.
Hoje vivemos a maior crise de desemprego da história do nosso País, no campo e na cidade. São quase 25 milhões de brasileiros, entre desempregados absolutos e subempregados, que levantam todas as manhãs e sentem a angústia de não ter o que fazer, para onde ir. Não estando ocupados dignamente, passam o dia pelas ruas batendo em portas, distribuindo currículos, para depois voltar para casa e não ter nada mais a mostrar para sua família do que um semblante abatido e histórias tristes de fábricas fechadas, de promessas vazias, de amigos encontrados pelo caminho, também desocupados, enquanto contas se acumulam sem qualquer previsão de pagamento.
Como admiro, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, essa gente, esse nosso povo sofrido e valente, que, por amor a esta terra e à sua família, continuam engolindo em seco, acreditando, esperando, lutando como podem, pegando emprestado aqui para pagar ali, adiando consultas, amargando mais um dia, tentando esquecer e pedindo a Deus para que pelo menos seus filhos, no futuro, possam crescer, estudar, trabalhar e vencer.
Toda essa crise em que vivemos hoje, e é a maior da nossa história, tem como pano de fundo a política econômica. Ela é a causa direta do desemprego, e o desemprego causa o resto. Agora mesmo, enquanto discurso, todos os morros habitados – repito, todos – das grandes capitais brasileiras estão sob o domínio do narcotráfico e suas populações, subjugadas a regras impostas e injustas, que proíbem, por exemplo, que crianças tomem vacinas ou estudem em uma clínica ou escola próxima, porque essas estão localizadas em áreas dominadas por facções rivais.
No entanto, hoje, pela manhã, Senador Suplicy, ouvi, na mídia, a pirotecnia festiva dos fetiches econômicos apregoados. O mundo celebra o índice Dow Jones, que opera hoje acima dos dez mil pontos, e o índice Nasdaq, acima dos dois mil pontos. O risco-Brasil caiu, o C-Bond subiu e o barril de petróleo baixou de preço. Nosso saldo na balança comercial do mês passado foi mais de 3 bilhões de dólares. Mas sabe, Sr. Presidente, quando isso vai atender aos interesses concretos dos brasileiros que nos elegeram e pagam nossos salários? Nunca!
E sabe por quê? Porque tudo isso foi feito para servir ao mercado, e o mercado tornou o Brasil o palco de uma política econômica desastrosa, socialmente perversa, desviada dos interesses das massas, fazendo com que nossa riqueza não gere emprego, mas gere mais aplicações financeiras improdutivas, cujo lucro não retorna à atividade econômica sob a forma de demanda e investimentos no setor produtivo, mas circula nas mãos dos mesmos que estão efetivamente com o consumo saturado.
Em resumo: está na mão dos que já possuem mais do que precisam e não se sentem motivados a se submeter aos riscos de novos empreendimentos, porque estão seduzidos pela idéia de que se pode criar com papel um paraíso onde as pessoas vivem e enriquecem sem trabalho, sem o suor dos seus rostos.
Os economistas vulgares do mundo globalizado afirmam que toda a aplicação financeira retorna de alguma maneira à atividade econômica. É falso. O noticiário de hoje prova isso. Os trilhões de dólares que estão girando sob o signo de prosperidade do ciclo econômico no circuito financeiro vão se restringir a trocas patrimoniais estratégicas, com moeda, ativos, ações e outros subprodutos do papel financeiro sem qualquer relação direta com a geração de emprego e renda.
É papel gerando papel de uma riqueza extraída exclusivamente da especulação.
Enquanto isso, a equipe econômica brasileira está tripudiando sobre o drama de mais de 25 milhões de desempregados e subempregados ao manipular as taxas de crescimento do PIB no primeiro trimestre do ano como se já estivéssemos entrando no ciclo de prosperidade econômica. Não entramos.
Os dados estão sendo manipulados e as taxas crescentes de desemprego até abril estão aí para demonstrar o contrário. Leiam o artigo de Mendonça de Barros, que diz ser um absurdo a técnica empregada por Meirelles de anualizar a taxa do PIB. Se empregássemos essa mesma metodologia, agora convenientemente utilizada, o Brasil, que ano passado cresceu negativamente, teria supostamente crescido pelo menos 0,5%.
Concomitantemente, o mercado atual – upgrade de versão giga da ganância – prioriza o lucro cada vez mais, indiferente ao trabalho, à medida que contempla com quase total exclusividade, nos escassos investimentos produtivos que gera, o chamado setor da economia de alto valor agregado, cuja característica é a capacidade de produzir grandes lucros com baixo emprego de mão-de-obra.
O princípio básico pressupõe que o novo investimento gere novo salário, que se transforma em consumo, gerando mais investimentos e que o lucro proveniente seja reaplicado para atender à demanda efetiva em expansão. É o ciclo econômico virtuoso. E, assim, do suor do nosso rosto se produzem o sustento e a riqueza, que nada mais é do que a situação de um estado de bem-estar social que evolua para atender a todos em suas necessidades básicas.
Hoje, na pauta desta Casa, está a discussão do valor do salário mínimo. O Governo alega que um aumento para, por hipótese, R$300,00 estouraria o orçamento fiscal. Isso se deve ao compromisso da política de metas de superávit fiscal que o mercado considera apropriada e a aquiescente equipe econômica, indiferente ao explosivo desemprego, acata subservientemente.
Um valor justo para o salário mínimo, que poderia aumentar a demanda de um parque industrial ocioso em equipamento e mão-de-obra e gerar novos empregos, pode ser feito com uma fração do superávit primário de 4,25% do PIB, que representou quase R$67 bilhões no ano passado e deve gerar algo como R$70 bilhões neste ano. No primeiro quadrimestre deste ano, Sr. Presidente, senhoras e senhores brasileiros que nos assistem pela TV Senado, esse superávit chegou a R$32 bilhões ou 6,23% do nosso PIB.
Esse dinheiro, que é retirado da sociedade sob a forma de tributos, não é devolvido a ela sob a forma de compra de bens e serviços. É usado, nominalmente, para pagar juros. Os receptores de juros não querem dinheiro em espécie, dinheiro de tributo; esse dinheiro não rende juros automaticamente. Eles querem mais títulos públicos. Assim, o Banco Central os paga com uma mão e, com a outra, toma o dinheiro de volta e lhes vende mais títulos.
O que o Banco Central faz com o dinheiro que saiu do Tesouro, foi para o mercado privado e voltou para ele? O Banco Central esteriliza esse dinheiro, fica com ele em caixa, inutiliza-o, destrói o poder de compra que ele representa. Não surpreende que a economia entre em recessão permanente e o desemprego atinja os níveis mais elevados da nossa história, porque o Governo contrai a economia com o superávit primário e não consegue expandi-la, porque o setor privado não investe. E por que o setor primário não investe? Não investe porque não há demanda. De onde pode surgir a demanda? Do dispêndio público e, entre outras coisas, do aumento do salário mínimo.
Sras e Srs. Senadores, não é possível voltar ao paraíso. Nossa sobrevivência como Nação depende sobretudo do suor do nosso rosto e não do capital estrangeiro como muitos acreditam e, por isso, se propõem a obedecer a regras ditadas pelos interesses de uma comunidade financeira internacional insaciável.
Nosso povo, sobretudo os mais humildes, clama por uma política de pleno emprego que estabeleça juros mais baixos, em níveis internacionais pelo menos, dispêndio do superávit primário ou mesmo eliminação deste enquanto perdurarem as altas taxas de desemprego e uma estratégia de dispêndio público com investimentos na infra-estrutura, na defesa, na ciência e tecnologia, em saúde e educação e numa reforma agrária e agrícola que revolucione as relações no campo.
Esse é o Brasil em que eu acredito; esse é o Brasil que nos elegeu; esse é o Brasil do trabalho, não dos fetiches econômicos. Quando é que haverá qualquer relação direta entre o aumento dos C-Bonds e a queda do risco Brasil? Quando haverá alguma relação direta entre superávits da nossa economia com a geração de emprego e renda?
São esses os interesses concretos do nosso povo. Como podemos mudar a metodologia para medir o PIB, enquanto o desemprego bate recordes jamais vistos neste País?
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, chegou a hora de votarmos o aumento do salário mínimo. No ano passado, acreditei no que me disseram, isto é, se aprovássemos o salário de R$240,00 e fizéssemos a reforma da Previdência e a Tributária, teríamos neste ano R$12 bilhões para investir no primeiro trimestre, o que não aconteceu. Ouvi isso dos Srs. Ministros, mas esse dinheiro não chegou. Ao contrário, aprofundou-se a recessão. Já não acredito nisso; acredito, sim, no que está na Bíblia e no suor do nosso povo.
O Sr. Mão Santa (PMDB – PI) – Permite-me V. Exª um aparte, nobre Senador Marcelo Crivella?
O SR. MARCELO CRIVELLA (PL – RJ) – Com muito prazer, ouço o aparte do Senador Mão Santa.
O Sr. Mão Santa (PMDB – PI) – Senador Marcelo Crivella, recordo-me do momento em que, atendendo a um apelo do povo do Piauí outorguei a V. Exª a maior comenda do Estado: a Grã-Cruz Renascença. Quero dizer que, neste breve período em que aqui estamos, o discurso de V. Exª foi o mais feliz de todos. Resumindo: V. Exª começou invocando o livro de Deus. Eu diria que V. Exª aí está lembrando ao Governo que ele tem a obrigação de ser cristão porque é o Governo do Brasil, país cristão, e não do PT. Resumindo tudo, eu diria que V. Exª se comporta de acordo com o ensinamento bíblico de que o que fizermos pelos pequenininhos nós o estaremos fazendo por Cristo. V. Exª está defendendo os pequenos, aqueles que ouviram as palavras de Deus, que disse: “Comerás o pão com o suor do teu rosto”. Aqueles que acreditaram que o trabalho é que faz a riqueza. O trabalho e o trabalhador vêm antes. Sintetizando, o belo pronunciamento de V. Exª diz que o Governo deve promover não o dinheiro, o capital, mas a criação maior de Deus, que é o homem.
O SR. MARCELO CRIVELLA – Muito obrigado, Senador.
Ouviremos, com atenção, o nobre Senador Ney Suassuna, da Paraíba.
O Sr. Ney Suassuna (PMDB – PB) – Nobre Senador Marcelo Crivella, ouvi, com atenção, o discurso de V. Exª. Realmente, é muito preocupante verificarmos como o nosso País tem seguido a cartilha da economia. Preocupamo-nos com o risco Brasil, com o aumento da cotação do dólar, com os C-Bonds, quando podíamos estar cuidando de uma parte mais prática, construindo casas populares, oferecendo trabalho aos que estão sem emprego, aproveitando a mão-de-obra ociosa, ou incentivando ainda mais a nossa agricultura. Lamentavelmente, isso não tem ocorrido, como nós queríamos. O Governo tem-se esforçado, mas ainda não conseguiu tudo o que queria. Estou dividido, em relação a essa área econômica. Estou vendo que, por um lado, está havendo acertos – estamos no terceiro trimestre de crescimento –, mas, por outro, há o sofrimento do povo, principalmente nos Estados e Municípios da Região Nordeste, que V. Exª conhece tão bem. O discurso de V. Exª me toca profundamente. Parabéns pela sensibilidade que está conseguindo transmitir.
O SR. MARCELO CRIVELLA (PL – RJ) – Muito obrigado, Senador.
Sr. Presidente, para concluir, quero dizer que na semana retrasada estive na Argentina e conversei com a Presidente do Senado, Senadora Cristina Fernández de Kirchner, a qual me disse que em seu país o superávit é de 3%. Ela disse que não sabe como nós, no Brasil, com capacidade de exportação muito maior, com uma economia mais pujante, nos comprometemos a aceitar um superávit de 4,25%.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, brasileiros que nos ouvem, no primeiro quadrimestre deste ano, elevamos esse superávit para 6,25%, esterilizando – talvez a palavra certa seja essa – R$37 bilhões nos cofres do Banco Central a título de pagamento de juros, o que, na verdade, não vai acontecer, porque os credores da dívida brasileira querem receber o pagamento dos juros da dívida em novos títulos, ou, para que não aumente a inflação, o que também é falso, porque hoje nossa indústria trabalha ociosamente no que diz respeito a equipamentos e mão-de-obra. Portanto, chegou o momento de defendermos os interesses concretos de quatro grandes categorias de brasileiros que estão diretamente relacionados com o salário mínimo: os pensionistas e aposentados, principalmente os do setor rural, os funcionários públicos de Estados e Municípios pobres, os trabalhadores domésticos, que é a classe de trabalhadores que mais cresce no nosso País, e, finalmente os jovens brasileiros, os profissionais em começo de carreira na indústria e no comércio. Para essas quatro categorias o salário mínimo é de importância fundamental.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, precisamos analisar essa matéria sem demagogia, sem interesses eleitorais, sem partidarização; considerandos o interesse daqueles que ganham tão pouco.
Muito obrigado, Sr. Presidente.