O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores presentes, senhores telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, não poderiam ser outras palavras para iniciar essa curta oração se não aquelas já proferidas pelo Senador Garibaldi, que nos une a todos na homenagem que fazemos, nas pessoas dos Senadores Mão Santa e Heráclito Fortes, a essa terra que tanta orgulha o povo brasileiro, o Piauí.
Também recebi, sem merecer, uma medalha do Governador Mão Santa, numa linda cidade, a cidade de Parnaíba, num dos dias mais memoráveis da minha vida. Foi uma solenidade com centenas de pessoas, e ali comecei a gostar e a admirar esse grande Senador que hoje, da tribuna desta Casa, tanto constrói e alerta o País para o seu futuro.
Quero hoje aqui falar, Sr. Presidente, dos cinco dias que passei na África, a África, que tanto tem com o meu Brasil, a África que hoje luta para a unidade africana. Dos 54 países do continente africano, pela primeira vez na História, 53 países assinaram o acordo. Já escolheram sua bandeira; já escolheram o local onde será o banco central, o único banco a emitir moeda da África; já escolheram também o local da sua capital.
Dos 54 países do continente africano, da mãe África, apenas o Marrocos ainda não assinou o sonho da unidade africana, e, em breve, veremos os Estados Unidos da África. Assim como a grande nação americana se constitui de 50 Estados, os Estados Unidos da África, segundo seus idealizadores, dentre eles Muammar Kadhafi, um dos maiores incentivadores, é ter alguma coisa entre a União Européia e a República Americana.
Há cinqüenta anos, a África era campo para todas as utopias. Após o processo de colonização, que se inicia no final do século XIX, a África começa a encontrar sua independência. Aos olhos do mundo, parecia que aquele continente que tanto tem com a matriz do povo brasileiro iria encontrar o caminho do progresso, da paz, do desenvolvimento e da realização do sonho da sua unidade. Ocorre, porém, Senador Paim, que, nesses cinqüenta anos, quatro fatores foram geradores de conflitos.
O primeiro grande fator gerador de conflito entre os povos africanos foi que os jovens revolucionários, aqueles que fizeram a independência dos povos da África, eram jovens que haviam estudado na Europa – na Alemanha, na Inglaterra, na França, na Rússia – ou nos Estados Unidos, e trouxeram para o continente africano talvez uma das mais perversas doutrinas políticas já produzidas pela Europa. Refiro-me à teoria das nacionalidades, criada pelos alemães e exportada para o mundo pela Revolução Francesa.
Ora, quando aqueles jovens trazem para a África o conceito de que, para cada nação, um Estado, eles encontram uma África não-industrializada, uma África agropecuária. E aí começa a haver um confisco cambial do campo para a cidade, semelhante ao que assistimos aqui envolvendo o café.
Era o homem do campo, produtor de riqueza, contra o homem da cidade, produtor do poder; o homem que trazia no coração e na alma a teoria das nacionalidades e queria estabelecê-la na África, que, naquela ocasião, antes da sua colonização, organizava-se como se organizavam os povos da Europa antes da Revolução Francesa: eram fiéis à sua linhagem, à sua tribo, ao seu clã, tinham como objeto primeiro de sua fidelidade o seu líder tribal.
Esse primeiro conflito entre o homem do campo e o homem da cidade vai gerar, não em todos, mas em muitos Estados africanos, conflitos terríveis. E isso se processou com aquelas caixas de estabilização dos produtos agrícolas: caixa de estabilização do cacau, caixa de estabilização do algodão e a caixa de estabilização do milho – não nos podemos esquecer de que, naquela ocasião, a Nigéria era o maior produtor de cacau do mundo; hoje, é a Costa do Marfim.
O segundo fator de conflito no território africano: dentro de um espaço geográfico onde viviam muitos povos, feito um Estado, financiada uma burocracia, decidir qual dos povos iria tomar o poder.
Senador Paulo Paim, é muito importante notar que o homem africano é, por origem, nos seus milênios, o homem de sua linhagem, de sua família, de seu clã. Um africano morando em Nova Iorque ou no Brasil, se ele receber um parente, tem a obrigação de alojá-lo, de dar a ele sustento. É uma obrigação do cidadão africano.
Ora, citemos o exemplo da África do Sul, onde temos os zulus, os sothos, os xhosas, os tswuanas, os shanganis. A quem caberá o poder? Claro que o presidente do país será presidente por questões africanas, mas com o seu nível de lealdade primordial, primário, a sua tribo, a seu clã, a sua linhagem. Assim é a África, sempre foi assim a África. Então, é difícil ver no país alguém que seja mais sul-africano do que zulu ou mais sul-africano do que xhosa.
Lembro-me da primeira vez em que o Presidente Lula visitou a África do Sul. O Presidente Thabo Mbeki nos recebeu num jantar, e sua primeira pergunta – ele foi direito – foi: “Presidente Lula, nós queremos saber se o Brasil vai apoiar a África do Sul para ser a próxima sede da Copa do Mundo em 2010”. O Presidente disse que sim, que o Brasil iria apoiar a África para sediar a Copa de 2010.
O importante não era tanto a Copa do Mundo de 2010, o importante era ter um time em torno do qual se unissem todas as tribos para despertar o espírito sul-africano num Estado geográfico determinado por ingleses e africanos, mas onde o homem é o homem da sua linhagem, é o homem da sua família, é o homem da sua tribo. Primordialmente, é assim que as coisas acontecem na África, e esse é um fator de conflito tremendo quando o Estado se organiza com a tribo que deterá o poder.
O terceiro fator de conflitos na nossa África querida é a religião, Sr. Presidente. A religião ainda é um fator muito importante no espírito dos povos, sempre foi e sempre será.
Hoje, na África, existem países onde a influência muçulmana é muito radical. Há países na África que hoje vivem divididos. Cito o caso da Nigéria e da Costa do Marfim: as províncias do norte vivem sob o regime do shariah, porque a religião muçulmana, diferentemente da religião cristã, é também um código civil e penal. E eu não sei qual é o país que pode viver sob o impacto de dois sistemas jurídicos: metade do país obedece às leis votadas no parlamento, e a outra metade, às leis do Corão.
O cristianismo não tem essa dificuldade, porque a única luta, a única guerra santa admitida no cristianismo é a guerra de si contra si mesmo, é a guerra do homem contra a sua natureza pecaminosa, contra seus desejos inconfessáveis. Essa é a única guerra de um cristão, e a única maneira de vencer uma controvérsia, segundo Cristo, é dar a outra face. Foi assim que Ele ganhou as multidões.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT – RS) – Senador Crivella, permita-me.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Pois não.
O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT – RS) – Ontem e hoje pela manhã, encaminhei ao plenário do Senado – por isso a minha alegria diante de seu pronunciamento – um voto de repúdio e de censura ao Prêmio Nobel James Watson, que declarou nos jornais esta semana que o povo africano é um povo menos inteligente que os outros povos, fazendo uma diferença, em matéria de inteligência, entre negros e brancos.
Fiz aqui um discurso duro contestando-o e, ao mesmo tempo, encaminhei à Mesa um voto de repúdio e de censura. Por isso a minha alegria ao ver V. Exª fazer um discurso apaixonado pelo continente africano, discurso de alguém que veio de lá agora e fala das divergências naturais, mas aposta nesse novo momento com a presença do Presidente Lula.
Por isso, tomei a liberdade de quebrar o protocolo para cumprimentá-lo e dizer da minha alegria pelo discurso de V. Exª.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Muito obrigado, Sr. Presidente. Terá a sua moção a minha assinatura, porque não há nada mais despropositado nem mais fora de contexto.
Aliás, aqui no Brasil, ainda se fala dos 350 anos de escravidão sem se tocar, Sr. Presidente, em aspectos fundamentais trazidos pela tecnologia africana. Capistrano de Abreu já dizia que a tecnologia de criação de gado no Brasil não veio do português. O português criava gado estabulado, não havia campos a não ser no Ribatejo, mas o Ribatejo é do tamanho de Copacabana – bom, estou exagerando um pouco por questões de argumento, mas são cinco ou seis Copacabanas. Quem traz para o Brasil a tecnologia que fará do Brasil o maior rebanho do mundo hoje, com 180 milhões de cabeças, são os africanos.
No século XVII, Governadores pediam que fossem trazidos escravos de Almina, porque, segundo eles, tinham sorte para encontrar ouro. Não é não: os africanos têm a melhor tecnologia em mineração. Hoje, a África do Sul é o único local do mundo onde os mineiros tiram ouro e diamantes do fundo do mar, ninguém tem essa tecnologia de perfuração de minas de diamante no fundo do mar.
E mais, eu vou dizer outra coisa para o senhor. O Brasil é o inventor dos consórcios. Pois bem, não existia consórcio em lugar nenhum do mundo: nos Estados Unidos, na Europa, nem na Arábia Saudita (dos grandes matemáticos), nem na Índia. Pois bem, o consórcio é uma invenção brasileira com tecnologia africana. Porque os africanos, pelo costume, ao se casarem em toda África devem dar um dote por suas esposas. E está certo, tem que pagar mesmo, o sujeito que pega de graça já maltrata, tem que pagar. Assim é a tradição: pagar o dote em toda a África. E como eles conseguiam o dinheiro do dote? Com uma espécie de consórcio. Eles juntavam todas as contribuições em uma caixa e aí se fazia o sorteio para que um felizardo tivesse condições de pagar a noiva. Esse é o princípio do consórcio, do qual o Brasil exporta a tecnologia para o mundo.
E poderia ficar citando mais coisas durante 40, 50, 60 minutos. Já li livros de um historiador inglês que veio para Minas Gerais, no século XVII, e disse: “Os fornos que existem no Brasil para a redução do ferro são os mesmos fornos e têm a mesma tecnologia que encontrei nos países da África”. Portanto, a metalurgia do aço nasce do Brasil por tecnologia transferida dos nossos africanos que vieram para cá.
Sr. Presidente, quero concluir dizendo que a nova África, a União Africana, os Estados Unidos da África com um Banco Central, com uma moeda única, um grande continente sem fronteiras, onde haverá o congraçamento e o sonho da unidade africana, está para acontecer.
O Presidente Lula esteve celebrando, na sua viagem a Burkina Fasso, Congo, África do Sul e Angola, esse novo momento. A Angola está crescendo a 7 ou 8% ao ano. Sua malha ferroviária está sendo completamente reconstruída. Uma companhia angolense, para felicidade brasileira, acaba de ganhar um leilão da Petrobras e vai explorar petróleo em águas profundas no Brasil, porque a Angola é auto-suficiente em petróleo, também dominando tecnologia em poços em águas profundas, para não citar o Congo, que também é auto-suficiente em petróleo, e a África do Sul, pioneira na tecnologia de transformar carvão em petróleo. É ali, na África do Sul, onde hoje se produzem as maiores quantidades de petróleo esmagando o carvão. Quero citar também a artilharia sul-africana, considerada pelos próprios americanos como a melhor artilharia do mundo. E a Avibrás está lá agora, beneficiando-se dessa tecnologia, num projeto de um míssil ar-ar, com tecnologia sul-africana.
Sr. Presidente, trago essas notícias do nosso continente-irmão, que é nossa fronteira do lado ocidental, cujas perspectivas de negócio, de integração são extraordinárias.
E terminando meu discurso, gostaria de propor, agradecendo a generosidade de V. Exª, que poderíamos ser autores – eu e V. Exª – de uma proposição no Congresso para que o nosso consagrado ProUni pudesse oferecer bolsas para os nossos alunos africanos, sobretudo de Moçambique, Angola e Cabo Verde, da comunidade lusófona, para que viessem estudar em nossas universidades particulares. É bem verdade que o Governo, por meio do Itamaraty, já oferece algumas bolsas nas universidades federais, mas vemos aqui, em Brasília, que as universidades federais no Brasil são tão disputadas que acaba havendo certas controvérsias repudiáveis – todas elas. O brasileiro que não respeita a África não tem respeito por sua origem, não sabe o sangue que tem nas veias, não sabe os sonhos que traz na sua própria alma.
O ProUni, que tem sido um sucesso, poderia beneficiar alguns milhares de irmãos para que estudassem nas nossas universidades privadas com as bolsas que tanto bem fazem aos estudantes carentes.
Sr. Presidente, trago notícias alvissareiras de um continente que está em paz, que cresce, onde o povo é de uma alegria e de uma inspiração extraordinária. Não há quem vá à África e não se contagie com aquela alegria que se irradia mesmo em países ainda com dificuldades em seu desenvolvimento.
Isso me fez lembrar, Sr. Presidente, uma frase escrita pelo profeta Habacuque, que viveu 600 anos antes de Cristo, e que vai inspirar o Apóstolo Paulo, 700 anos depois, a escrever a Carta aos Hebreus; e 1500 anos depois, na descoberta do Brasil, na Alemanha, Martinho Lutero, e, na Suíça, João Calvino, a escreverem a Reforma da Igreja: “O justo viverá pela fé”.
É impressionante, Sr. Presidente! A vida não vem do dinheiro. Às vezes, na Europa, não se encontra a felicidade que se encontra num país tão carente da África. Não se encontram crianças brincando, não se vê aquelas peladas com bolas improvisadas, não se vê as pessoas cantando debaixo das árvores, dividindo a comida, com aquelas roupas coloridas. Muitas vezes, em países tão ricos, não encontramos isso, o que mostra realmente que o justo vive é por essa fé.
A fé é a fonte da vida. E não existe lugar onde a fé se irradie mais e de uma maneira tão pura, como Cristo disse, como no coração de uma criança, do que nessas nações africanas, dentre as quais essas que o Presidente visitou e que têm laços tão profundos com o nosso País.
Era o que eu tinha a dizer.
Muito obrigado.