O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, não será necessário, mas quero saudar V. Exª e o Sr. Senador Renan Calheiros.
Senhoras e senhores telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, senhoras e senhores presentes ao plenário desta Casa, na revista Veja desta semana, lê-se uma dramática, Sr. Presidente, e comovente notícia, matéria de capa, cujo título é A Luta Pela Vida – o drama do ator Fábio Assunção para se livrar da cocaína é um alerta aos que minimizam o poder destruidor das drogas.
É da natureza política a interpretação dos acontecimentos sociais, seu diagnóstico de causa e efeito e o conseqüente debate das idéias no contraditório dos parlamentos. Sem me deter em particularidades de um caso específico, cujos detalhes não conheço, nem me cabe especular, limito-me apenas a assinalar a responsabilidade histórica que cabe a nós, os políticos, na construção jurídica e institucional que nos garanta os instrumentos idôneos e eficientes para pôr termo a essa maldita tragédia, sob custo de transferirmos aos nossos vindouros o fracasso, a desídia, a derradeira derrota, como herança hedionda do nosso estrepitoso malogro.
A minha geração, mais do que qualquer outra, cabe distinguir-se pela coragem e pela firmeza e pela disposição de empreender, com a estratégia tecida no gênio político, os instrumentos legais, institucionais, administrativos e operativos, o arcabouço jurídico seguro e eficiente, o papel das Forças Armadas, sobretudo e principalmente nas fronteiras, onde, embora a lei lhes confira poder de polícia, sua ação, ao que me parece, não está efetivamente implementada, não na escala das nossas necessidades e, sinceramente creio, não porque as Forças Armadas tenham perdido sua vocação constitucional e o senso de responsabilidade do dever nessa hora grave, mas por falta de investimentos orçamentários à altura do enorme desafio de defender nossas fronteiras, sobretudo com o Peru, a Bolívia, a Colômbia e o Paraguai, hoje um imenso deserto demográfico com grande vulnerabilidade.
Mas, se cabe a nós, os políticos, não a justiça, não a polícia, a primazia e o dever de construir os caminhos que proporcionem a redenção de amplas parcelas da nossa população, vítimas do contágio pelas drogas, vejo, com certo desalento, nos noticiários, um vilipendiar constante da política e dos políticos, um vilipendiar sistemático, levando-se ao mais vil e melancólico descrédito as agremiações partidárias, divulgando-se sempre supostos escândalos ou apenas indícios, atentando-se contra os que lutam, sonham, sofrem e se sacrificam, para propor fórmulas na elaboração de políticas públicas que nos redimam dessa triste – e de imprevisível desfecho – tragédia do cotidiano contemporâneo.
A solução da crise das drogas passa por uma consistente mobilização nacional, que envolva uma aliança de todos os partidos, de todos os órgãos de imprensa, de todos os setores organizados da sociedade, que passe pelo púlpito das organizações religiosas de todas as denominações, pelos sindicatos, pelos artistas e esportistas, pelos professores e suas escolas, pelos médicos e seus hospitais, mas, sobretudo e principalmente, pelo exemplo e o conselho de cada pai e de cada mãe, em cada um dos lares brasileiros.
Às vezes, fico a me perguntar, Sr. Presidente: o meu Rio de Janeiro, terra de vultos, cenário das mais lindas e encantadoras páginas de beleza e heroísmo da nossa evolução histórica, por que ele vive hoje um momento de tanta decadência social, política, moral e espiritual? A criminalidade nos abate e envergonha. Quase que diariamente são noticiados crimes cometidos com extrema violência.
São mais de cinqüenta mil carros, apenas para exemplificar, roubados a cada ano. Por causa do tráfico de drogas, desce um rio de sangue dos morros, onde uma população indefesa, na sua imensa maioria humilde, pobre e ordeira, vive sob regras impostas por criminosos – sejam traficantes ou milicianos –, sem qualquer proteção do Estado.
Caem nas sepulturas corpos de jovens e até meninos, ensangüentados, enquanto outros são lançados nas celas de presídios medievais, onde são barbarizados, vegetam ou sobrevivem numa existência obscura e anônima.
O Rio de Janeiro, essa imensa forja entre as montanha e o mar, onde há 500 anos se retemperam as fibras do homem fluminense, esse caldeirão racial, essa terra que se engrandeceu no serviço à Pátria, da qual foi a capital por séculos, hoje, Sr. Presidente, está ferida pelo comércio das drogas, e é duro reconhecer e mais ainda proclamar, que a despeito dos esforços da Força Nacional de Segurança e das polícias, nosso futuro está eivado de incertezas e nosso presente atormentado pela perplexidade das nossas hesitações.
Já se registrou nos anais da história que os povos que não preservam com fidelidade os valores morais de seus quadros históricos, que se voltam contra os valores autênticos de sua tradição de nobreza e de heroísmo, são povos que perdem sua consciência humana e social e se transformam apenas em um ajuntamento de pessoas, movidas por mesquinhos instintos da natureza primitiva, triste legado da madrugada da civilização. São seres humanos vivendo em ajuntamento, mas não uma sociedade culta e dinâmica praticando as virtudes e a serviço da humanidade e do próximo.
Sou daqueles que não perdem a esperança, que crêem firmemente no aperfeiçoamento e na ascensão espiritual do povo fluminense, mercê da nossa alma carioca sempre em eterna juventude, do nosso patrimônio cultural, dos nossos atos heróicos, desde o sacrifício dos missionários calvinistas da Ilha de Villeganhom, que escreveram com sangue a Profissão de Fé da Guanabara e se tornaram, nos primórdios da nossa nacionalidade, patriarcas da tolerância religiosa, do direito de crença e da livre expressão do pensamento.
Foi ali, no coração do Rio, no então Largo da Lampadosa, que Tiradentes, aquele herói enlouquecido de esperança e liberdade, corpo e sangue marcados pelo sal, nos deixou a lição imortal quando disse: se todos quisermos, podemos fazer do Brasil uma grande nação.
Rio de Janeiro, a capital do Império, o altar da Proclamação da República, onde o Visconde de Rio Branco estabeleceu as diretrizes de nossa política externa e o Barão de Mauá empreendeu as primeiras tentativas da nossa emancipação econômica, enquanto Nabuco, Patrocínio e a Princesa Isabel nos redimiram da vergonha extrema da escravidão. Lá foi o palco no qual Rui nos ensinou que somos uma nação erguida na linha da generosidade cristã, o que nos enobrece e dignifica.
Essa terra é o Rio, essa história é a nossa, essa gente sofrida e valente é o povo fluminense.
Neste mundo atormentado que perdeu o senso dos valores éticos, é preciso reacender nas consciências os valores da nossa formação espiritual, o culto da liberdade com responsabilidade, o respeito ao direito, os princípios do Evangelho, que vincam a nossa índole e a nossa vocação.
Vejo, com tristeza, nesta desbragada sociedade do consumo, se deificar o hedonismo, a liberdade sem limites, a crítica sem ética e a destruição dos valores com a arrogância impetuosa de um abalo sísmico. São os incontidos que o tempo inteiro insinuam, quando não acusam, quando não condenam sem provas e sem dar sequer direito à defesa.
Isso traz à sociedade como um todo, mas em especial aos jovens, um desalento profundo, um desejo de fuga, uma falta de fé e esperança nos que governam, nos que ensinam e, sobretudo, no seu próprio futuro. Eis aí um perigoso espaço para as drogas.
É o mundo da overdose, Sr. Presidente. Overdose na corrente sanguínea dos jovens. Overdose de títulos e derivativos num mercado financeiro completamente desregulado de princípios éticos, um traiçoeiro e trapaceiro cassino, um desvairado vale-tudo por dinheiro, que envolve nações e impõem aos povos o castigo pela ambição cega e desmedida de alguns.
Aí está, Sr. Presidente, na capa de uma revista mais que um valente e profilático depoimento pessoal de um dos expoentes da nossa constelação de astros, mais que um alerta, aí está o sinal dos tempos, o retrato de uma época, de um momento histórico, dos sofrimentos de uma imensa parcela da nossa população.
Devo dizer, então, que sou um daqueles que comungam os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, como pregados na inesquecível revolução. Mas sendo de origem e substância cristã, pois o cristianismo é que proclama o homem como ser livre e responsável, considera a todos irmãos e clama às consciências o dever de repartir o pão, ao menos na medida da necessidade do próximo, para que cada um, nos limites da sua força e capacidade, pratique as virtudes e cumpra com dignidade a sua existência.
Não é essa a crise? A crise de overdose? No micro e no macro. No drama pessoal de uma vítima, no colapso institucional internacional e regulatório dos órgãos internacionais, que permitiram que trilhões de dólares em títulos hipotecários e seus derivativos, todos sem lastro, levassem a insegurança e o pânico a milhões de famílias no mundo inteiro.
Em conseqüência, há que se subordinar a política e a economia à ética. Faço aqui justa menção à voz experiente, solene, lúcida e precisa do Vice-Presidente José de Alencar, quando prega que se deve atribuir ao trabalho destaque sobre o capital na consideração dos custos de produção, para que os direitos do trabalhador prevaleçam sobre os interesses das empresas, para que as ambições pessoais se submetam ao bem comum e para que a Constituição prevaleça sobre os interesses pessoais dos cidadãos. Para que não se perca no tempo a lição imortal das primeiras páginas das Sagradas Escrituras: “é do suor do teu rosto que tirará o teu sustento”.
Fica, Sr. Presidente, um alerta e um clamor. Em nome de tantas famílias brasileiras, sobretudo do Rio de Janeiro, que hoje abrigam uma vítima das drogas, para que emprestemos nossos maiores esforços e atenção permanente a essa crise, que a despeito de todos os nosso empreendimentos, avança audaciosamente, refletindo no seus defeitos, nosso triste afastamento, como sociedade, dos ensinamentos cristãos e dos nossos antepassados.
Muito obrigado, Sr. Presidente.