O SR. MARCELO CRIVELLA (PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srª Senadora, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, senhoras e senhores, não sei se chega à percepção do grande público brasileiro que o processo de globalização tem levado nossas sociedades à falta de cooperação. Hoje, na verdade, a política econômica globalizada tem um lema que popularmente poderia ser assim traduzido: “Quem pode pode. Quem não pode se sacode”.
Cada dia mais, as pessoas que não conseguem um lugar ao sol acabam sendo empurradas para o desemprego aberto ou subemprego, muitos à margem da lei. Cresce nas nossas cidades o número de pessoas envolvidas com pirataria, tentando aos berros vender alguma coisa na rua para sobreviver. Crescem as comunidades carentes e nelas o tráfico de drogas, com a violência anômica.
Recente artigo publicado na revista CartaCapital, de autoria do Deputado Delfim Netto, exalta a grande revolução no processo produtivo mundial provocada por “400 milhões de chineses educados, ganhando US$100 por mês, diligentes e poupadores (porque o Estado não cuida do seu futuro)”.
Implicitamente, este seria, segundo o ex-Ministro, também o ideal da ordem social brasileira e de toda a civilização mundial. São elementos essenciais de uma nova utopia no fantástico mundo globalizado, desprovido de direitos sociais.
Tenho para mim, Sr. Presidente, que os ideólogos neoliberais, como o ex-Ministro Delfim Netto, perderam o sentido da história e correm de volta ao barbarismo. As pessoas pobres não conseguem relacionar seu desemprego com a política econômica. Mas isso tem tudo a ver. O Rio de Janeiro apresenta violência anômica, como disse: 117 mil furtos e 111 mil furtos com armas foram cometidos em 2005; lesões corporais dolosas, 79 mil; brigas de faca, garrafas, balas perdidas, bêbados atropelando pessoas nas ruas. Tivemos 4.500 ônibus assaltados, 6 mil homicídios, porque não consideramos como homicídios 10 mil corpos encontrados ao relento nos terrenos baldios, às margens das estradas, lançados na Baía da Guanabara ou nos rios. Dez mil corpos que consideramos morte natural de população de rua. Se não fosse isso, teríamos tido 16 mil mortes em 2005, no Rio de Janeiro, por homicídio. Quatro mil e quinhentos ônibus assaltados no Rio de Janeiro e mais de 1.300 mulheres estupradas. Isso é um barbarismo.
A Idade Moderna caracterizou-se pela idéia da possibilidade do progresso contínuo do homem, em todas as suas dimensões, de forma a alcançar crescente estágio de segurança individual e coletiva, assim como de bem-estar. Sonha-se com formas solidárias de produção, com o princípio da cooperação impondo-se à competição radicalizada, vindo com o próprio fim das guerras. A social democracia européia quase realizou esse sonho.
Mas o que mais me impressiona no texto do ex-Ministro Delfim Netto é a valorização sutil dos chineses “poupadores”, pela razão prosaica de que “o Estado não cuida do seu futuro”. Veja a gravidade dessa frase, Sr. Presidente, Srs. Telespectadores da TV Senado. Eis aí, em todas as letras, o que seria o motor de arranque do sistema capitalista chinês que devemos supostamente copiar.
A antropologia nos aconselha a tomar cuidado com a extrapolação de realidades e atitudes sociais, econômicas e políticas. A China é um grande mistério, às vezes para os próprios chineses. O sistema ditatorial chinês perdura há milênios, transitando do império para a república sem tocar – e às vezes reforçando, como na Revolução Cultural – as bases autoritárias. A transformação da China numa fábrica de bens de consumo para o mundo, e principalmente para os Estados Unidos, é um fenômeno único do capitalismo de Estado que recorre a um controle social quase absoluto.
Apontar a China, mesmo que de forma sub-reptícia, como exemplo a ser seguido é ignorar as especificidades chinesas. Os baixos salários que viabilizam custos competitivos são a contraface dos gigantescos superávits comerciais que implicam imensas transferências de recursos reais para o exterior, em detrimento do consumo interno.
O que as pessoas não falam, Sr. Presidente, é que não existe sistema público de saúde, nem de previdência na China; e hoje temos 200 milhões de chineses vivendo em acampamentos de obras, sem tocar na total falta de liberdade. A China não é exemplo, por mais reserva financeira que tenha ou superávit que faça, para nenhuma civilização evoluída que deseje para o seu povo os princípios de seguridade, de assistência social e de solidariedade.
Por outro lado, o controle absoluto da economia e da sociedade permite ao Governo chinês, pelo menos até o momento, conciliar as demandas sociais com as respostas econômicas.
Nesse ponto, e apenas nesse ponto, a economia chinesa parece um pouco com a economia norte-americana, e difere fundamentalmente da brasileira: são economias que não fazem concessão ao neoliberalismo em matéria de política de pleno emprego. Os gigantescos déficits públicos norte-americanos não permitem que o desemprego fique fora do controle. A lição dos anos 30, com a Grande Depressão, nunca foi esquecida nos Estados Unidos, a despeito do neoliberalismo que eles vendem para fora. Lá, os dirigentes chineses não seriam loucos em tolerar alto desemprego urbano apenas para agradar investidores estrangeiros. Se é verdade que a China não cuida do futuro, é verdade também que a China cuida do presente – que é até, nesse aspecto, bem melhor do que o nosso Estado.
Sr. Presidente, no Senado Federal, sou Presidente da Frente Parlamentar por uma Política de Pleno Emprego. Essa violência a que nós assistimos, sobretudo nas grandes cidades, nas capitais brasileiras, que fez com que o narcotráfico dominasse toda a comunidade carente de Salvador, de Belo Horizonte, de São Paulo e do Rio tem ligação direta com o alto desemprego. Hoje, o Brasil tem 10 milhões de pessoas no desemprego aberto e 16 milhões subempregadas.
Sr. Presidente, um pai de família que há oito meses não encontra salário é empurrado para atividades, algumas à margem da lei e outras na criminalidade aberta. É por isso que, por exemplo, nós temos no Rio o narcotráfico girando, por semana, mais de R$ 700 milhões. É uma violência anômica, que nasce exatamente de uma sociedade que construímos, onde quem pode pode, quem não pode se sacode.
Cortamos direitos e continuamos cortando direitos porque acreditamos que o desenvolvimento nacional será feito por nossas empresas. O Estado deverá ser mínimo e cada vez menor.
Assim, continuamos fazendo o mesmo e, cada vez mais, o mesmo, sem que nossos sacrifícios sejam recompensados por uma sociedade mais solidária, por salários mais justos, por paz, para que as pessoas no Brasil tenham uma existência agradável, independentemente de serem ricas ou pobres.
Sr. Presidente, venho mais uma vez clamar por um Brasil diferente, por um Brasil que seja dos brasileiros. A Europa disse não ao Consenso de Washington. A França viveu dias difíceis nas últimas semanas, exatamente porque seu povo não aceita mais sacrifícios impostos cujos frutos em benefícios para o povo são muito pequenos.
É impressionante que, quando falamos, por exemplo, no déficit da Previdência pública, dizemos que os brasileiros aumentaram sua expectativa de vida; dizemos que agora estamos competindo com produtos internacionais e os salários não podem ser os mesmos; dizemos também que o desemprego que existe hoje no Brasil de certa forma ajuda para que haja disciplina nas empresas, que são realmente as responsáveis por gerar emprego líquido e pelo desenvolvimento nacional, mas não tocamos no déficit que as empresas têm com a Previdência. E, mais uma vez, colocamos a culpa sobre os aposentados e pensionistas, que agora – V. Exª sabe – vão receber um reajuste menor com essa Medida Provisória nº 288, de 2006, que aumenta o salário mínimo de R$ 300,00 para R$ 350,00 – correção de 16,67%. Todos nós estamos vibrando, porque, ainda que não seja o salário que esperamos, é o melhor dos últimos anos, mas a correção para a Previdência Social será apenas de 5%, defasando ainda mais a vida dos nossos pensionistas e aposentados.
Defendemos o controle do nosso déficit fiscal, mas somos frouxos na hora que tratamos os grandes devedores da Previdência. E, assim, vamos sempre colocando a culpa da pobreza no pobre, que não estudou porque não quis; da Previdência nos pensionistas e nos aposentados que não contribuíram o suficiente ou porque tiveram a sua média, a sua expectativa de vida aumentada.
Parece que a solução da Previdência é que as pessoas se aposentem e assinem um compromisso de que vão morrer no máximo em cinco anos.
Sr. Presidente, este mundo não é o meu. Não acredito neste mundo, não acredito nesta política, acredito numa sociedade solidária. Acredito, sim, que o Brasil pode gerar o seu capital, que o Brasil tem todas as condições de superar a sua crise e que podemos, sim, com as riquezas que temos, construir uma grande Nação.
É por isso, Sr. Presidente, que venho a esta tribuna mais uma vez clamar por uma política de pleno emprego e oportunidades para todos e, acima de tudo, Sr. Presidente, que, nessa alvorada, talvez, de um novo governo do Presidente Lula, façamos com que aquele discurso de campanha, que levou o Presidente à vitória em 2002, possa não o levar à vitória, mas levar à vitória o povo brasileiro no seu próximo governo.
Muito obrigado, Sr. Presidente.