O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Muito obrigado, Senador Ivo Cassol, Presidente desta sessão.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, a visita do Presidente Barack Obama e família ao nosso País foi coroada de êxito e deixou um saldo muito positivo nas relações entre os Estados Unidos e o Brasil. Em sua passagem pelas cidades de Brasília e Rio de Janeiro, Barack Obama reiterou o caráter estratégico da parceria entre as duas maiores democracias das Américas.
Esbanjando simpatia, o Presidente dos Estados Unidos pontuou seu pronunciamento, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, por elogios ao Brasil, tendo destacado a trajetória histórica assemelhada dos povos brasileiro e norte-americano, e o recente crescimento econômico do nosso País, que se está convertendo em uma sociedade de classe média.
Ambos os países – ressaltou o Presidente, em discurso laudatório – foram ex-colônias de países europeus; ambos lutaram por se tornar independentes; ambos se expandiram, territorialmente, para o oeste; ambos têm povos formados por imigrantes oriundos de várias partes do globo. Os Estados Unidos, de sua parte, foram o primeiro Estado soberano a reconhecer a nossa soberania, logo após nossa independência, em 1822.
Srªs e Srs. Senadores, superado o recente período histórico em que a superpotência, julgando-se uma espécie de nova Roma, assumiu postura bastante refratária ao multilateralismo nas relações internacionais, sobretudo pela ocupação indevida do Iraque, parece-nos chegado o momento, sob a Presidência democrata de Barack Obama, de uma viável intensificação das relações políticas, comerciais e culturais entre o Brasil e os Estados Unidos.
Não se pode negar que os dois países mantêm perspectivas diversas em assuntos cruciais, como o livre comércio, já que os norte-americanos continuam a impor barreiras comerciais a importantes produtos de exportação brasileiros, como o etanol, a carne, o aço e o suco de laranja, conforme bem ressaltou a Presidenta Dilma Rousseff.
A maturação de nosso relacionamento com os Estados Unidos exige que aquele país reveja sua política de barreiras, de modo a nos garantir a justiça do ingresso não discriminado, no mercado americano, dos produtos em que temos indiscutíveis vantagens comparativas, graças à qualidade técnica de nossa produção.
Outro ponto de interesse comum de nossos países diz respeito à nova arquitetura dos organismos internacionais, promessa ainda não cumprida no pós-Guerra Fria. Como é do conhecimento de todos, a Organização das Nações Unidas necessita reformar seu Conselho de Segurança, uma vez que esse organismo, que se ocupa da manutenção da paz e da segurança internacionais, está ultrapassado em sua conformação institucional.
Do Conselho de Segurança participam, na qualidade de membros permanentes, Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido e França, ou seja, as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial.
Ora, se o mundo mudou tão profundamente após o fim do socialismo real, parece-nos justa a reivindicação comum de países como a Alemanha, o Brasil, a Índia e o Japão, no sentido de se redefinir a arquitetura do órgão, mediante o ingresso de novos países no quadro de membros permanentes, ainda que sem poder de veto.
Em recente visita à Índia, o Presidente Obama manifestou seu apoio à conversão daquele país em membro permanente do Conselho de Segurança da ONU; porém, o mesmo apoio não foi manifestado ao pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho.
Devemos reiterar aos Estados Unidos que o Brasil se encontra – em razão de sua longa tradição diplomática e seu histórico pacifismo – na plenitude de sua maturidade para exercer papel de maior relevo na ONU, de modo que continuaremos reivindicando o apoio dos Estados Unidos ao pleito brasileiro por um assento permanente no Conselho de Segurança, na futura reforma da instituição.
Srªs e Srs. Senadores, a passagem do Presidente Barack Obama por Brasília foi também importante por conta da assinatura de dez acordos bilaterais para, entre outros assuntos, diminuir o preço de passagens aéreas entre Brasil e Estados Unidos; fomentar o investimento em biocombustíveis; ampliar o intercâmbio científico e da cooperação científica; e, também, para viabilizar a construção conjunta de satélites que nos auxiliem na previsão do tempo e no controle de queimadas.
No Rio de Janeiro, ficou a promessa de um possível regresso da família Obama para os Jogos Olímpicos a serem sediados pela Cidade Maravilhosa.
Aliás, Sr. Presidente, eu estava na memorável sessão de Copenhagen quando o Presidente Obama – a comitiva americana foi a primeira a se apresentar – pediu que as Olimpíadas fossem em Chicago. Estavam também os japoneses, pedindo para Tóquio; e os espanhóis, para Madri. Ao final do dia, o resultado foi para o Rio de Janeiro.
Achei muito bonito o Presidente Obama ter manifestado o desejo de estar no Rio de Janeiro, que conquistou o direito de sediar as Olimpíadas, ganhando de uma apresentação belíssima que ele fez. Inclusive, a sua esposa é da cidade de Chicago.
Muito bem, desde já manifestamos os nossos votos de boas-vindas à família presidencial em seu retorno ao Brasil, na esperança de que nossas relações bilaterais se aprofundem na exata dimensão do protagonismo que ambos os países terão nas relações internacionais do século XXI.
Há alguns dados, Sr. Presidente, que eu gostaria de deixar registrados.
Em passado recente, há quatro anos, os Estados Unidos eram o principal parceiro econômico do Brasil e nosso superávit chegava a US$10 bilhões. Hoje, temos um déficit de quase US$8 bilhões, com tendência de aumentar ainda mais neste ano.
O Brasil é, talvez, um dos pouquíssimos países com o qual os Estados Unidos têm superávit comercial – normalmente, eles têm déficit comercial –, em função, principalmente, das barreiras impostas aos produtos nacionais. Com os demais, os americanos são deficitários.
Há seis anos, as exportações brasileiras para os Estados Unidos correspondiam a quase 75% de manufaturados. Agora, são de apenas 50%.
Esse é o perfil das relações comerciais Brasil-Estados Unidos.
O Eximbank, que é o BNDES deles, financia pouco no Brasil. Por exemplo, na Colômbia e na Índia, os investimentos crescem vertiginosamente. Na Colômbia, passou de US$30 milhões para US$3,5 bilhões nos últimos dois anos.
Espera-se, agora, que o banco aporte recursos no pré-sal e eventos da Copa e Olimpíadas, algo em torno de US$3 bilhões.
O financiamento para a exploração do pré-sal, graças ao trabalho do Congresso Nacional, que debateu muito, mas aprovou o marco regulatório, dando à Petrobras condições de se capitalizar com os cinco milhões de barris de petróleo que foram adiantados a ela. Pelo que eu soube, conversando, se não engano, com o Diretor Barbassa, que é o Diretor Financeiro da Petrobras, essa garantia dos cinco milhões de barris foi bem aceita no mercado financeiro internacional, e a Petrobras está com o seu problema de financiamento resolvido para exploração do pré-sal, que será, eu diria, um resgate da nossa infraestrutura, da nossa dívida social, diminuindo as desigualdades que herdamos dos antepassados.
Fica aqui uma crítica. Errei muito na vida para gostar de criticar os outros, mas faltaram, devo dizer, líderes políticos no nosso passado que nos garantissem, na medida da nossa necessidade, instrumentos idôneos e eficazes para garantir a distribuição da riqueza do Brasil para todos. Infelizmente, uma imensa parcela do nosso povo ficou à margem da distribuição, e tivemos uma concentração brutal de recursos.
Eu diria que tanto o poder político, como o poder cultural, o poder econômico, o poder financeiro, sempre se concentraram muito nas mãos de poucos no Brasil. Agora, com o avanço da sociedade, com o avanço da educação, com os meios da Internet, tudo isso tem mudado. As pessoas estão mais conscientes, o emprego melhorou no Brasil. E, com o emprego, melhora também o salário. Temos avanços extraordinários no campo da ciência, na agricultura, na própria exploração do petróleo. Nós, graças a Deus, dominamos o processo de enriquecimento do urânio. Até nem temos pretensões de sermos grandes produtores de energia elétrica de origem termonuclear, pois temos alternativas mais favoráveis para nós, mas poderemos ser fornecedores de um mundo que é consumidor.
Senador Flexa, há um estudo da Unesco muito interessante. Eles pegaram três arquétipos. Eles se basearam no homem industrial. Quem era o homem industrial? Um inglês, um britânico, de 1850, e consideraram para esse homem um consumo de energia 100. O agricultor moderno era o europeu do século XV, 1450. E consideraram o homem tecnológico, que seria o americano de 1950. Então, ao longo da história, eles verificaram que, se nós arbitrarmos um consumo 100 para o homem industrial, o inglês de 1850, o agricultor moderno, de 1450, consumia apenas 20 de energia, e o homem tecnológico, o americano de Nova Iorque, em 1950, consumia 400 de energia. O interessante é que esse homem tecnológico, só no fator transporte, já consumia 100, que era toda a energia que o homem industrial consumia em 1850. Então, eles fizeram um estudo para mostrar que o homem, a civilização, demorou 400 anos, de 1450 a 1850, para passar de um consumo 20 para um consumo 100 de energia, e apenas 100 anos para mudar de 100 para 400.
Quer dizer, em termos de consumo de energia o tempo se acelera vertiginosamente. O consumo de energia no mundo cresce assustadoramente. É bem capaz que a gente não tenha mais hidroeletricidade para fornecer ao Brasil. É bem verdade que não crescemos a números expressivos há muito tempo. Crescemos 7,5% no ano passado, mas este ano se espera um crescimento bem menor; e, no ano anterior, foi bem menor ainda, pois na época da crise crescemos zero, razão pela qual houve um problema sério para se votar o salário mínimo este ano aqui, porque o aumento real que foi dado aos trabalhadores foi um aumento zero, nós apenas o corrigimos em termos de inflação.
Mas o que eu tinha para dizer, Sr. Presidente, era isso. Eu não quero ser fastidioso, mas dizer que hoje, realmente, o Brasil se encontra em um patamar muito melhor. Temos US$300 bilhões em reservas internacionais. Ainda que todos os recursos das famílias japonesas sejam retirados dos fundos de investimentos do Brasil no Japão, perderíamos US$80 bilhões e ainda ficaríamos com US$220 bilhões. Isso se todo o dinheiro japonês investido no Brasil fosse retirado para a reconstrução do país deles, o que mostra que hoje estamos muito firmes na economia e preparados para choques externos, como esse inesperado que aconteceu no Japão.
Quero saudar o Presidente Barack Obama. Falar das grandes relações históricas Brasil-Estados Unidos. Dizer dessa afinidade. Dizer, também, de uma coisa que existe na alma do brasileiro. Acho que o americano projetou no mundo uma simpatia grande quando foram os principais opositores a Hitler. Todos se lembram, Senador Cassol, do maior demagogo da História, que aproveitou as dificuldades econômicas do povo alemão para envenená-los com as quimeras da vingança, e o povo judeu estava na primeira fila do ódio nazista, depois viriam os ciganos, depois viriam os negros, depois viriam os deficientes físicos, depois… Eles iriam, naquele processo de eugenia, purificação da raça, meu Deus do céu! E foram os americanos que bravamente lutaram, juntamente com os brasileiros. Não posso, aqui, deixar de aplaudir Getúlio Vargas, o grande brasileiro que nos deu a Força Expedicionária Brasileira e os seus atos heróicos na Itália. Muitos heróis de guerra na Itália são brasileiros. Portanto, derrotamos o nazismo.
Esse povo americano tem imensas afinidades. O povo brasileiro gosta muito dos filmes que vêm de lá, da música que vem de lá. Projetou-se no imaginário brasileiro uma imagem muito favorável em relação aos americanos. É bom que a gente estenda essa parceria. Eles têm muita tecnologia. Têm muito a compartilhar conosco, mas que seja dessa maneira altiva. Hoje não temos mais preocupação em receber qualquer tipo de veto internacional no comércio, porque não temos dívida externa. Não somos mais devedores do FMI – pelo contrário, somos credores – e podemos ter uma política internacional soberana e altiva, que nos conduz com muita galhardia.
Aliás, lá, no norte do País, já tivemos problemas com os americanos. Tivemos um problema na época da borracha, quando os americanos compraram uma grande parte da Bolívia para instalar uma produção americana de borracha e o Barão do Rio Branco não quis. Os americanos trouxeram sua frota naval para o Atlântico sul e o Brasil marchou o seu exército para o norte. Essa foi a nossa resposta altiva, já naquela época, aos interesses americanos, que eram contrários aos nossos aqui, no País. Um dos que marchou nesse exército foi o próprio Getúlio Vargas – na época, sargento, se não me engano; depois, viria a ser Presidente da República.
Os americanos trouxeram a sua frota naval e o Brasil, soberanamente, disse: “Se vocês comprarem essa área imensa da Bolívia para fazer aqui um estado americano produtor de borracha, não vamos permitir que essa borracha se escoe pelo Amazonas. Vamos fechar a foz do Amazonas”. Isso foi lá no Estado do Flexa Ribeiro, no Pará. Os americanos, então, tiveram de recuar. Os americanos queriam um estado onde hoje é o nosso Acre. Eles queriam que fosse um estado americano produtor de borracha. Na época, Rio Branco não aceitou. Eles, então, trouxeram uma esquadra da marinha deles para nos intimidar. E, na ocasião, o governo brasileiro resolveu marchar com o seu Exército para o norte, para a sua região, Senador Flexa. Um dos soldados que marcharam foi Getúlio Vargas. O Brasil dizia: “Se vocês mantiverem o negócio com a Bolívia e comprarem a terra para fazer ali um estado americano produtor de borracha, nós não permitiremos que essa borracha seja escoada pelo rio Amazonas. O povo altivo do Pará não o permitirá!”. Seria mais uma Guiana aqui nas nossas costelas, colocando em risco as nossas fronteiras.
O Acre, mercê de Deus, é brasileiro, de um povo altivo, de um povo sofrido e valente. Essa é a história Brasil-Estados Unidos, que agora se coroa com essa vinda do Obama aqui.
Quero apenas fazer uma retrospectiva e dizer que nós, brasileiros, estamos muito felizes, muito orgulhosos com essa afinidade que existe entre os povos brasileiro e dos Estados Unidos, sobretudo nessa caminhada em favor da paz, da liberdade, da justiça e da democracia.
Seja muito bem-vindo, Presidente Obama!
Que o povo americano se sinta em casa no Brasil, e esperamos que o povo brasileiro tenha o mesmo tratamento nos Estados Unidos!
Eram essas as minhas palavras.
Muito obrigado, Sr. Presidente.