O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente; Sr. Ministro da Previdência, Garibaldi, meu colega; Sr. Ministro do Supremo Tribunal Federal, Exmº Sr. Gilmar Mendes; Sr. Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, Exmº Sr. Ministro João Oreste. 
Gostaria também de cumprimentar o Senador Ricardo Ferraço, que assina comigo este requerimento, juntamente com os Senadores de São Paulo. Quero cumprimentar o Sr. Otavio Frias Filho e sua digníssima irmã, Maria Cristina Frias. 
Quero saudar também o Sr. Melchiades Filho, que é o Diretor da Sucursal de Brasília; a Srª Eliane Cantanhêde, que é colunista da Folha e autora de um dos livros que gostaria de recomendar a todos, que é a biografia do nosso Presidente José Alencar, uma leitura ­ para quem quer conhecer estes últimos anos da vida nacional ­ importantíssima. 
Quero saudar também o Sr. Fernando Rodrigues, colunista que nos honra com a sua presença; o Sr. Valdo Cruz e a todos os presentes, Srªs e Srs. Senadores, também os membros da imprensa e de outros veículos que estão aqui conosco. 
Sr. Presidente, uma democracia que pretenda ser expressão da liberdade, da justiça e da busca permanente da paz… 
Quero cumprimentar também os senhores telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado que nos honram com sua audiência neste momento. 
Mas eu dizia que uma democracia que pretenda ser expressão da liberdade, da justiça e da busca permanente da paz; um País que almeje ser respeitado entre as nações, pujante, rico, culto e poderoso, mas igualmente justo e humano; uma nacionalidade, a despeito de sua configuração física, dos acidentes imprevisíveis da sua formação histórica ou das convicções de crença que vincam sua índole e vocação; as instituições políticas, sociais ou religiosas, nenhum, nenhum desses entes pode prescindir da liberdade de imprensa, que confere a um povo, nos seus momentos dramáticos, o sagrado direito de acompanhar a evolução da civilização a que pertence e dispor livremente das informações que lhe permitam uma análise, uma síntese, um conceito e um julgamento e, assim, influir e participar da vida de maneira digna e consciente. 
Hoje, celebramos os 90 anos da Folha, que representa muito mais do que o sucesso de um grupo empresarial. Sua trajetória de lutas e conquistas é um monumento à liberdade de imprensa, que é patrimônio cívico da nossa geração. E essa saga da Folha é também um exemplo, inspiração e ânimo para outros veículos de imprensa, que são as redes de rádio e televisão, as revistas, os portais da Internet e os demais jornais impressos. Uma saga tecida no trabalho, na competência, no brilho de seus funcionários, na coragem de seus editores, no aperfeiçoamento tecnológico, mas, sobretudo e principalmente, na busca incansável e imbatível da verdade, que conquista o respeito, a admiração e a confiança do povo brasileiro, a maior riqueza da Folha
Celebrar os 90 anos é celebrar a imprensa livre, presente e atuante, palpitando, dia a dia, em cada letra de cada palavra, em cada palavra de cada texto, nessa vigília diuturna dos acontecimentos para traduzir o cotidiano da vida e transformá-lo, todas as manhãs, numa alvorada de notícias e numa clarinada de novidades. 
Há muita carga de humanidade num cidadão que, ao acordar, dirige-se à banca da esquina ou que abre um jornal na condução ou que caminha apressado na calçada com um exemplar debaixo do braço. São cenas simples, mas também um sintoma inconfundível e exuberante de cultura, de consciência e de cidadania. O jornal é essa fonte inesgotável de assuntos que ilustram o convívio humano, é o combustível das tribunas parlamentares e o objeto de análise percuciente da intelectualidade nacional. 
Na construção da Pátria, nos momentos de superação das contingências inevitáveis da nossa evolução, na percepção de nossas potencialidades e vulnerabilidades, na formação dos elos que plasmam a nossa brasilidade, quando os brasileiros juntam os sonhos para rasgar nos horizontes a perspectiva do seu destino, todos devemos uma palavra de gratidão à Folha de S.Paulo
A consciência democrática do povo brasileiro já não mais lhe permite viver sob a tutela de Governos de exceção que fecham e emudecem os Parlamentos, que coagem a Magistratura, que amordaçam a imprensa e que confiscam aqueles direitos, aquelas liberdades inerentes à dignidade da pessoa humana. A Folha de S.Paulo, na sua caminhada indômita, libertária e indomável, contribuiu decisivamente para a formação dessa consciência nacional. 
Ela contou e conta com o brilho de vários ilustres cidadãos que a dirigiram. Entre eles e de maneira destacada, um conterrâneo: Otavio Frias, que a ela dedicou dias, meses, anos de um labor infindável e, se não foi quem a criou, foi talvez quem mais a amou, transformando, com imaginação e inteligência, aquele modesto periódico da década de 60 no maior jornal do País. 
Não iria, e não irei, traçar uma biografia esquematizada desse valoroso brasileiro. Outros ainda o farão com um brilho e uma acuidade de que eu não seria capaz. Limito-me apenas a assinalar que a firmeza do seu caráter, a sobriedade e a lucidez da sua personalidade lhe possibilitaram enfrentar e superar inúmeras e consecutivas crises econômicas e políticas, bem como a prepotência da censura e a impiedade do arbítrio nos conflitos ideológicos do seu tempo conturbado, no dilúvio dos ódios e das paixões. Ele nos legou mais que um jornal, senão um exemplo majestoso do que é capaz o homem brasileiro, imbuído de idealismo e determinação. 
Otavio Frias sabia que a causa do povo não requer radicalismos, mas coragem. Não foi um publisher apático, reacionário e entreguista, tampouco partidário do oposicionismo sectário, intolerante e implacável. Foi um homem que estabeleceu como lema para si e para a Folha a busca da verdade. Mas ele sabia que não é fácil encontrá-la. 
Quantas vezes a pobre humanidade, em busca dessa verdade, rufou os tambores anunciando o sangue de uma nova guerra? Verdades proclamadas, materializadas em brasões e estandartes, em hinos e uniformes, em causas e fanatismos, em nacionalismos e armas, diante das quais, para muitos, a própria existência era a que menos conta. 
Verdades que custaram a vida e mandaram para o exílio tantos patriotas. Foi por uma verdade considerada absoluta a seu tempo que Demóstenes foi condenado por ter escrito a Oração da Coroa, o mais terrível libelo contra as tiranias e o liberticídio. Cícero, cuja cabeça foi decepada e colocada no rostro do fórum romano, continua sendo, através dos séculos, o símbolo mais veemente de protesto contra os delírios da força e as insânias da truculência; ele também amargou uma verdade da sua época. Napoleão, que traçou com a ponta da sua espada o mapa da sua época, morreu exilado em Santa Helena sem a visão clara da verdade que o condenara. Chateaubriand e Victor Hugo foram compelidos a comungar a hóstia do ostracismo, banidos por sua oposição a uma verdade do momento. 
Mas por que buscar tais exemplos em outras histórias e em outros povos, se os temos entre nós, não menos nobres nem menos belos? 
Tiradentes, o herói enlouquecido de liberdade, enforcado, esquartejado, carne e sangue marcados pelo sal da maldição, para que outros construíssem depois a Pátria dos seus ideais, tombou diante da verdade da Colônia. Os Andradas, que nos deram a independência, foram exilados pela verdade do Império. Pedro II, o mais conspícuo de todos os brasileiros, desterrado, morreu longe da Pátria querida, com o coração estraçalhado de ingratidões e a alma ulcerada de desenganos, expatriado pela verdade da República. Visconde de Ouro Preto, Silveira Martins, Rui Barbosa, Epitácio Pessoa, Siqueira Campos, Washington Luís, Otávio Mangabeira e Arthur Bernardes são constelações fulgurantes de civismo, que, a seu tempo, sofreram o exílio cruel em nome da verdade – ou de “uma” verdade. 
Passei os olhos no livro Primeira Página – 90 Anos de História nas Capas Mais Importantes da Folha. O fluxo – alguém disse – em que se dissolvem todos os acontecimentos. Sr. Presidente, errei muito para gostar de criticar, mas permita-me uma análise sem julgamentos, sem censura e sem apologia. 
No exemplar de 22 de setembro de 1931, um pequeno anúncio chama atenção: “Fazendeiros! O seu jornal é a Folha da Manhã”. Era época do café, e talvez isso explique o singelo editorial em que, ao criticar a exploração do povo pelo preço abusivo do produto, o editor usa de tanto eufemismo quando, acanhado, escreve: 
 
Desculpem-nos a franqueza… o café, como tudo, deve ter preço compensador… mas, quando há exageros, a vida do pobre e do remediado se tornará insustentável. Roupa e sapato se torna possível apenas aos beneficiados da fortuna. O próprio cinema, antes da alta dos preços, tão módico a todas as bolsas, é hoje proibitivo. Cinco mil réis por uma poltrona! Havemos de convir: é demais!
  
E conclui: 
 
Estamos todos empenhados na defesa do café, que é a riqueza de São Paulo e do Brasil. Somos francamente partidários dessa defesa, mas dentro dos limites do razoável, porque o dever do Estado não é só defender a lavoura. O povo deve, também, merecer suas atenções.
  
Eis aí, diante do capital, uma verdade a seu tempo dita tão baixinho, que alguém há de perguntar: “Será que é de verdade?” 
Em 7 de agosto de 1945, outra manchete chama atenção: “Fruto de longas e pacientes pesquisas a sensacional descoberta – Lançado sobre Hiroshima o violento explosivo”. 
No mais sangrento século da história da humanidade, com estimados 200 milhões de vítimas, no dilúvio apocalíptico de sangue, ferro e fogo da II Guerra Mundial, tal um imenso e insaciável Moloque, a devorar implacavelmente os alicerces de uma geração perempta que se avelhentara e se degenerara na impiedade, no egoísmo, na mentira e na hipocrisia; quando nesse cataclismo dos conflitos ideológicos o mundo desarvorado parecia mergulhar em meio à hecatombe, a bomba atômica é apresentada como sensacional numa notícia de jornal. Verdades do momento, pseudoverdades que tomam dimensões quase impossíveis de se imaginar na página de um jornal. 
No julgamento mais injusto, no momento mais infame, na maior tragédia da humanidade que condenou o mais inocente dos inocentes, Pilatos, o omisso covarde, perguntou: “O que é a verdade?” E a resposta foi o silêncio. 
Se Cristo não deu a Pilatos a resposta, antes a havia dado a seus discípulos, quando afirmou: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida”. A verdade de Deus, porque não existe a verdade dos homens. Mas, se jamais haverá a verdade dos homens, que pelo menos não seja a mentira. 
Paulo, o Apóstolo, que, curiosamente, dá nome ao nome ao jornal, na fé judaica que possuía, perseguia e matava os cristãos até que, a caminho de Damasco, caiu do cavalo e ficou cego diante de uma luz forte e uma voz que dizia: “Por que me persegues?” 
A verdade a que Paulo servia com tanta fé naquele momento se transformou por inteiro, e ele passou a ser o mais devoto, o mais idealista, o que mais renunciou e sofreu, o maior mestre e pregador do Cristianismo e que, embora morto há séculos, ainda fala alto aos corações e consciências dos homens de boa vontade. De perseguidor a perseguido, ele nos deixou uma lição imortal: às vezes é preciso cair do cavalo para, cego, enxergar melhor. Abandonar preconceitos, orgulhos e vaidades, tradições e arrogâncias para ver a fé e a verdade daqueles que perseguimos. 
Faço esta reflexão para ressaltar algo que admiro na Folha e que, para mim, tem um profundo significado. Passo a citar as palavras escritas na capa da edição de 25 de abril de 1991, sob o título: “Carta Aberta ao Senhor Presidente da República”. Ouça-mo-las: 
 
Não deixa de ser curioso que esteja sendo levada a julgamento, sob o silêncio acovardado e interesseiro de quase toda a mídia, a única publicação brasileira que mantém uma seção diária de retificações e remunera um dos seus profissionais pela exclusiva missão de criticar pública e asperamente as suas próprias edições.
  
Sr. Presidente, é o cair do cavalo. Esse jornal não podia ser Folha de São Lucas, ou de Mateus, ou de João, ou de Tomé. Tinha de ser de São Paulo. E é aí que se avulta em dignidade e honradez a memória de Otavio Frias de Oliveira. 
Não constrói o País a imprensa obstinada pelo ódio, levada no vento dos delírios da tirania, que obscurece o entendimento na perseguição neurótica e implacável e que produz um entulho de mentiras e infâmias só comparável à dimensão da prepotência dos que se acham donos da verdade. Mas seja enaltecida aquela imprensa que não se agacha nem se verga, mas ouve sinceramente as duas partes, que se vigia, que harmoniza os impulsos da liberdade com outro direito que lhe antecede e a ele se sobrepõe, que é o sagrado direito da dignidade humana. 
Poderá, então, uma notícia não ser a verdade que almejamos, mas também não será a mentira da manipulação descarada, da vassalagem ao capital econômico, das ambições cegas e desmedidas dos interesses pessoais espúrios e menores, ou o covarde e ganancioso facciosismo partidário na busca insaciável do poder. 
Esse trecho da Carta Aberta ao Presidente da República de então, que citei acima, é, na minha modesta mas desinteressada, desvaliosa porém sincera opinião, a página mais significativa dos 90 anos de história da Folha de S.Paulo, o vértice da honradez no paroxismo da sua epopeia. E o bravo editor, com letras que ficarão para sempre, de maneira indelével, escritas na consciência nacional, conclui: 
 
Minhas razões são públicas e de interesse geral … Eu defendo para cada um a possibilidade de expressar o que pensa sem ir para a cadeia … eu advogo um direito … este jornal, desde que cultive seu compromisso com o direito dos leitores à verdade – continuará em pé: até mesmo o senhor é capaz de compreender por que a minha causa é maior e mais forte e mais justa que a sua.
  
Naquele momento duro, naquele instante em que o maior mandatário da Nação, premido pelas circunstâncias de um governo agitado, se sente no dever de reagir com força, a defesa altiva pela liberdade de imprensa era o toque que faltava para compor a imagem histórica da Folha e o píncaro resplandecente da sua trajetória empolgante. 
É sempre maior, mais forte e mais justa a verdade da nossa boa-fé; daquilo que sinceramente acreditamos ser o bem de todos, do que podemos concluir ainda com o constrangimento das circunstâncias que nos envolvem. Quando a luta não é pessoal, e o público se sobrepõe ao privado, o ideal que nos acalenta e o propósito que nos anima é sempre de boa-fé. E o que é de fé, se verdade não for, mentira também não é. 
Que Deus abençoe a Folha de S.Paulo e faça dela sempre um instrumento da democracia, da liberdade e da justiça, na construção do Brasil dos nossos sonhos e da Pátria dos nossos ideais. 
Muito obrigado, Presidente. (Palmas.)