O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Sr. Núncio Apostólico do Brasil, Exmº Sr. Dom Lorenzo; Sr. Secretário-Geral da CNBB, Exmº Revmº Dom Dimas Lara Barbosa; Srªs e Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, senhoras e senhores que abrilhantam nossa sessão solene nesta tarde, eu não poderia deixar de vir aqui para saudar esta iniciativa que tem este ano um tema extraordinário.
Eu vivo no Rio de Janeiro. A cidade do Rio de Janeiro é uma das mais violentas do mundo. Mas ela não é uma cidade, são duas cidades. São duas irmãs, eu diria, siamesas, monstruosas, que não vivem uma sem a outra. A uma distância constrangedora, temos uma cidade culta, uma cidade que se desenvolve, onde as pessoas têm lazer, vão à praia, vão aos parques, vão aos shoppings, vestem-se bem, alimentam-se bem, têm uma estrutura familiar, e bem perto temos uma imensa parcela da nossa população vivendo uma subvida, num submundo de privações, de opróbrios, de balas perdidas, de narcotráfico, de desemprego, eu diria, de miséria quase que abaixo da linha da dignidade humana, coisas que, nos dez anos que passei na África, eu nunca vi.
Fui missionário, estive no Malawi, na Zâmbia – passei o carnaval na Zâmbia –, no Quênia, em Moçambique, Madagascar, no Lesoto, na Suazilândia, na Namíbia, em Botsuana, vivi em Angola, e nunca vi a miséria que vejo nas favelas do Rio de Janeiro. Nunca vi, tampouco a violência. Por quê? Porque temos uma injustiça extraordinária, caracterizada por uma distribuição de renda iníqua que é hoje a mais grave, eu diria, a causa mais vergonhosa da nossa violência.
Portanto, quando o tema relembra os princípios de Moisés, de que “A paz é fruto da justiça” – e a essa frase se segue: “…e a segurança se estabelece com o direito” –, nós temos de aplaudir, porque tocamos na raiz dos nossos problemas. Nós falamos em crescimento econômico, mas esse crescimento econômico, como os rios correm para o mar, sempre acaba beneficiando aqueles que já não precisam.
Quero lembrar aqui, relativamente aos títulos da dívida pública – nós temos R$1,3 trilhão –, as estatísticas dizem que 80% desses títulos pertencem a dez mil famílias brasileiras. Portanto, estamos falando de R$900 bilhões, que são remunerados com taxas acima de 10%. Se considerarmos, para facilidade de cálculo, 10% dá R$90 bilhões. Então, dez mil famílias vão receber R$90 bilhões a título de remuneração de capital, isso mesmo na crise aguda que vivemos. Essas coisas saltam aos olhos, essas coisas precisam ser discutidas.
Dom Dimas e Dom Lorenzo, com todo respeito a V. Exªs, quero aqui concluir, lembrando os princípios basilares do povo hebreu quando instituíram o dízimo, que, naquela época, tinha o objetivo maior de evitar concentração de renda. Mas não era só isso não. Os senhores lembram que a lei mosaica determinava, por exemplo, que, quando alguém fosse segar o campo, as espigas que caíssem no chão não deveriam ser recolhidas – isso era considerado indigno –, elas deveriam pertencer aos pobres, à terra e aos pássaros.
É bom lembrar também que, de sete em sete anos, as dívidas eram perdoadas – no Pentateuco: sete vezes sete, 49 – e toda servidão terminava.
Eu quero lembrar também que, quando o povo teve o ímpeto de nomear um rei, o profeta Samuel, consultando a Deus, respondeu que não era bom. Por quê? O profeta explicou: “Olha, o rei vai tomar as filhas mais formosas do povo para constituir um harém.” O que não é bom, não obedece ao princípio do paraíso: um homem e uma esposa. “O rei tomará os filhos mais fortes para seu exército e guarda pessoal. Além disso, tudo o que for plantado na terra, o melhor das colheitas, irá para sua mesa”.
Se nós verificarmos a história dos reis hebreus, veremos que há nela muitos fracassos, muitas famílias destruídas, muito ódio, muito sangue, até mesmo na do rei Davi, que seria aquele que mais destaque teve entre todos os reis. Esse princípio bíblico nada tem a ver com o comunismo, mas é o sentido da convivência fraterna.
Eu quero dizer que, como Senador, acredito nos princípios da Revolução Francesa, mas nos de substância e de origem cristãs, porque o Evangelho foi quem primeiro anunciou que todos são irmãos e que os bens deveriam ser distribuídos, no mínimo, na escala de nossas necessidades.
Eu gostaria, então, de saudar a Campanha da Fraternidade deste ano, porque acho que ela toca em um ponto fundamental, toca em algo que, muitas vezes, por razões óbvias, os políticos hesitam em enfrentar. Eu acho que, se não vencermos essa etapa de nossa civilização – e considero isso um impositivo de nossa cidadania, de nossa evolução histórica, política e social –, não teremos resultados.
Lá no Rio de Janeiro, eu acompanho os jornais. O Secretário diz: “Eu preciso de 800 homens para invadir o Morro do Alemão”. Eu fico pensando nas pessoas que eu conheço que vivem ali, onde há várias igrejas católicas e evangélicas. Oitocentos homens! Não sei o que será, porque certamente irão armados de fuzis, com helicópteros, metralhadoras. Essa demonstração de força e violência certamente não é o melhor caminho.
Eu sei que a impunidade alimenta a violência, mas acho que deveríamos subir aquele morro com 800 médicos, com 800 professores, com 800 sacerdotes, com 800 assistentes sociais, com 800 vagas de emprego, com condições melhores para aquelas casas onde as pessoas vivem confinadas em uma situação que, repito, encontrei na Índia – encontrei miséria semelhante quando vivi na Índia, mas, na África, países que têm um PIB muito menor que o nosso, recursos humanos e naturais também menores, eu nunca vi tamanha miséria nem tamanha violência. Moçambique, por exemplo, é um país muito pobre. Quando vivi lá, era, segundo a ONU, o país mais pobre do mundo, mas não havia esse contraste de termos uma riqueza absoluta, muitas vezes conspícua, perdulária, faustosa, e, do outro lado, uma miséria absoluta.
Então, eu só poderia aqui aplaudir e desejar que Deus abençoe a Campanha e que os brasileiros aprendam que nós não vamos obter a paz subindo o morro com 800, com 1000, com 2000 mil homens, mas fazendo justiça ao nosso povo.
Muito obrigado. (Palmas)