O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Muito obrigado, Sr. Presidente. 
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, permitam-me saudar a Srª Ângela Moreira, Presidente do Jornal do Brasil, a quem agradeço por ter vindo, o Sr. Reinaldo Pazes Barreto, Diretor institucional, figura ilustre, com quem tive o prazer de conversar agora no gabinete, o Sr. Humberto Tanure, de uma família ativa, laboriosa, de grandes empresários, sem os quais não sei se estaríamos festejando estes 120 anos do Jornal do Brasil
Quero agradecer a sua família por esse esforço e parabenizá-la. 
Saúdo o Sr. Luis Orlando Carneiro, jornalista, o Mauro Santayana, esse patrimônio do jornalismo brasileiro, companheiro querido que me faz lembrar o saudoso José Alencar, nosso inesquecível Presidente de Honra do PRB, José Alencar Gomes da Silva, que não cansava de repetir suas crônicas, seus artigos e que se identificava tanto com as suas palavras. 
Sr. Presidente, fundado em 1891, como já dito, Rodolfo Epifânio de Sousa Dantas, político, homem importante no Brasil, o Jornal do Brasil já tinha um nível elevado. Contava com a colaboração de notáveis do calibre de José Veríssimo, Oliveira Lima e Barão do Rio Branco, que, inclusive, escrevia da França, como me disse o nobre jornalista, Rui Barbosa e o inesquecível Joaquim Nabuco, o abolicionista, que deu a esse jornal talvez a característica mais importante de uma imprensa, que é a independência. 
Olha só o que Nabuco, temerário e ousado, fundador da Academia Brasileira de Letras, Embaixador do Brasil nos Estados Unidos, Doutor em Letras por Yale, disse, naquela ocasião, no Jornal do Brasil. Veja só o teor dessa crítica no Brasil de então. Pesem essas palavras. 
 
A Igreja Católica, apesar do seu imenso poderio, em um país ainda em grande parte fanatizado por ela, nunca elevou no Brasil a voz em favor da abolição da escravatura.
  
Alvaro, você pode mencionar o que é alguém levantar a voz a esse nível no Brasil de então, um Brasil religioso, um Brasil que não era laico, um Brasil que não tinha a independência que nós temos hoje? 
E disse mais: 
 
A Igreja Católica foi grande no passado, quando era o cristianismo, quando nascia no meio de uma sociedade corrompida, quando tinha como esperança a conversão dos bárbaros, que se agitavam às portas do Império minado pelo egoísmo, corrompido pelo cesarismo, moralmente degradado pela escravidão. A Igreja Católica foi grande quando tinha que esconder-se nas catacumbas, quando era perseguida. Mas, desde que Constantino dividiu com ela o império do mundo, desde que de perseguida ela passou a sentar-se no trono e a vestir a púrpura dos césares, desde que, ao contrário das palavras do seu divino fundador, que disse “O meu reino não é deste mundo”, ela não teve outra religião senão a política, outra ambição senão o governo. A Igreja tem sido a mais constante perseguidora do espírito da liberdade, a dominadora das consciências, até que se tornou inimiga irreconciliável da expansão científica e da liberdade intelectual do nosso século!”
  
Palavras de Joaquim Nabuco, independente, escrevendo o que pensava, temerário e ousado. 
Claro que a Igreja Católica de hoje evoluiu. Mas quero dizer e quero marcar, com estas palavras, a gênese desse jornal, que, ao longo da história, seria indômito. 
Naquela ocasião, o periódico inovou por sua estrutura empresarial, parque gráfico, pela distribuição em carroças e a participação de correspondentes estrangeiros – coisa inédita na imprensa brasileira –, como o escritor português Eça de Queiroz. 
Desde então, o jornal foi fechado algumas vezes devido a incompatibilidades políticas com os donos conjunturais do poder. Mas nunca se intimidou. De todo modo, sempre retornou à ativa com a mesma envergadura comunicativa. No entanto, sua vocação verdadeiramente jornalística somente se firmou nos meados do século passado. 
Sr. Presidente, um pouco de saudosismo não faria mal neste momento. Se eu fechar os olhos, posso ver o plástico que, na década de 70, eu tinha na janela do meu quarto, que era a mania dos meninos. Era um elefantinho – você lembra, Pedro –, símbolo da pujança, símbolo da grandeza, da colossal liderança do Jornal do Brasil nos classificados e no coração do povo da minha terra, do povo carioca. Foi nas suas páginas que encontrei meu primeiro emprego, quando eu tinha 14 anos. O Jornal do Brasil foi pioneiro e a maior expressão do que no futuro seria uma realidade nacional até os dias de hoje: os classificados – um nome inventado por eles. Aliás, a própria diagramação da primeira página do matutino se desenhava toda na prevalência incondicional dos classificados sobre as notícias do dia. 
A mudança de layout de primeira página só ocorreu com a introdução de uma política de modernização, promovida pela inesquecível Condessa Pereira Carneiro e implementada por uma equipe de jovens jornalistas e artistas gráficos, como Amílcar de Castro, Odylo Costa Filho, Ferreira Gullar, Alberto Dines e Jânio de Freitas, sob supervisão de Manuel do Nascimento Britto, genro da condessa. 
Mirando os jornais impressos na Europa e nos Estados Unidos, a redação jornalística foi transformada em laboratório industrial de notícias sérias, profundas, confiáveis e bem escritas, focada em um público urbano, política e intelectualmente mais preparado. 
Mais que isso: à época, o Jornal do Brasil se notabilizou pelo fato de ser o primeiro jornal a dispor de um departamento de pesquisa, mediante o qual sua qualidade editorial e de notícias passou a adquirir patamares incontestáveis de excelência. A partir dali, o padrão de qualidade do jornalismo brasileiro tomou como parâmetro as folhas impressas do diário carioca, para orgulho nosso, povo do Rio. 
Sob o regime militar, iniciado em 64, o compromisso do JB com a verdade não foi abalado. Pelo contrário, o jornal se viu compelido a arrostar os grilhões da censura, sob pena de ter seu nome maculado para sempre na memória política do País. Ilustres protagonistas da política e da cultura brasileira compareciam nos cadernos com crônicas e artigos muitas vezes ácidos, denunciando as mazelas e os abusos cometidos pelo estado de exceção. 
Sem dúvida, um dos grandes símbolos referenciais contra a ditadura militar no Brasil foi Henfil, cartunista que ilustrava diariamente as páginas do JB com personagens espetaculares. Maior deles, Ubaldo, o paranóico, não raro era convidado para sair de casa com os amigos, sempre ressalvando “ainda não, espera um pouquinho: ainda não li a coluna do Castelinho”. 
Carlos Castelo Branco, extraordinário jornalista, era, de fato, ao lado de Tristão de Athaíde, a referência fundamental para acompanhar os desenvolvimentos da política brasileira e, especialmente, contra a ditadura e a favor do processo de transição democrático. Sua coluna no JB era imbatível. 
Nessa linha, outro marco dos serviços prestados pelo JB à imprensa nacional foi a cobertura das eleições estaduais do meu Estado em 1982, a primeira depois da ditadura militar. Com enfoque especial no Rio de Janeiro, a editoria cobria o embate entre Leonel Brizola, do PDT, e Moreira Franco, do antigo PDS. Apuração tumultuada, o JB cumpriu sua missão democrática com galhardia e deu espaço para as denúncias de fraude eleitoral, que envergonhavam o povo do Rio, claramente cometidas por forças contrárias ao reingresso do inquietante Brizola à vida política nacional. 
Outros jornais se calaram – é bom que se diga. O JB, não. Aquele episodio é um marco na história desse jornal. Mas não era só isso. A vida cultural brasileira das décadas de 70, 80 e 90 era impossível de ser compreendida sem a leitura do Caderno B, adornada com as crônicas fabulosas de Clarice Lispector, Hélio Pelegrino, Ferreira Gullar, Zuenir Ventura, Reynaldo Jardim, Danuza Leão, Xexéo, Tutty Vasques e o poeta – e aqui presto homenagem ao Leandro Mazzini, jovem expressão da cultura mineira – Carlos Drummond de Andrade, o inesquecível mineiro, que, no Rio, com o coração estraçalhado de saudades da sua sempre lembrada Itabira, se tornou universal, vertido em idiomas, lido, comentado em universidades, tema de teses, discutido nas cátedras dos continentes, sempre com a nostalgia das Gerais, de seus ares, de sua gente, de suas casa, de suas ruas compridas, tortas, que pedia: “Espírito de Minas, me visita e conserva em mim ao menos a metade do que fui de nascença e a vida esgarça”. 
No “Colóquio das Estátuas” – Mauro Santayana se lembra bem disso –, página das mais belas da nossa língua, que as antologias mais exigentes não podem dispensar, retratando, numa conversa fantástica, os profetas que a inspiração divina do Aleijadinho plantou no adro do Santuário de Congonhas, como que se interpretando, escreveu: 
 
Assim confabulam os profetas, numa reunião fantástica, batida pelos ares de Minas. Onde mais poderíamos conceber reunião igual senão em terra mineira, que é o paradoxo mesmo, tão mística que transforma em alfaias e púlpitos e genuflexórios a febre grosseira do diamante, do ouro e das pedras de cor? 
No seio de uma gente que está ilhada entre cones de hematita e, contudo, mantém com o universo uma larga e filosófica intercomunicação, preocupando-se como nenhuma outra com as dores do mundo no desejo de interpretá-las, leni-las? Um povo que pastoril e sábio, amante das virtudes simples, da misericórdia, da liberdade – um povo sempre contra os tiranos, e levando o sentimento do bom e do justo a uma espécie de loucura organizada, explosiva e contagiosa, como revelam suas revoluções liberais? 
São mineiros esses profetas. Mineiros na patética e concentrada postura em que os eternizou o mineiro Aleijadinho; mineiros na visão ampla da terra, seus males, guerras, crimes, tristezas e anelos; mineiros no julgar friamente e no curar com bálsamos; no pessimismo; na iluminação íntima; sim, mineiros de cento e cinquenta anos atrás e de agora taciturnos, crepusculares, messiânicos e melancólicos.
  
Meu Deus do céu, ninguém interpreta mais alma mineira do que esse senhor. Excepcional esse Drummond! 
São essas coisas que Drummond plantou em nós e que citei aqui apenas para justificar o sofrimento que cada um de nós tem quando vai a uma banca de jornal e não vê mais as páginas do JB. A falta daquele jornal impresso deixa uma lacuna na concepção das nossas memórias, ainda que exista hoje a sua versão espetacular, dinâmica, colorida como nunca e atualizada na velocidade do mundo digital. A ninguém escapa o vazio que restou depois de sua extinção em 2010. Nessa linha, a saída do JB do papel diário pode até ser saudada, por alguns, como um ingresso inadiável à modernidade. No entanto, para outros – mais tradicionais e impregnados pela melancolia de Drummond –, seu desaparecimento material deixou um amargo sabor de saudade, uma memória afetiva de abandono e solidão. 
Mas, Sr. Presidente, os tempos são outros. Hoje, o primeiro jornal 100% digital trocou de roupa, mantendo a confiável qualidade informativa. Para orgulho nosso, para sabor dos leitores mais fiéis, conservou representativa porção de colaboradores, cronistas e articulistas que fizeram escola na versão impressa e que se tornaram imprescindíveis, como esse ilustre cidadão próximo a mim chamado Mauro Santayana, que não é mineiro, embora todos digam que é. Ele é gaúcho. Sem nenhum demérito ao povo do Rio Grande, pelos quais tenho maior admiração e apreço, essa gente brava e valente. 
Mas, Sr. Presidente, eu vou terminar. 
Parodiando o poeta mineiro que hoje se faz tão presente entre nós, digo que há uma rua que começa no Rio, que tem 120 anos de comprimento e que vai dar o meu coração. Nessa rua, JB, passam os meus pais com o jornal na mão, passam os meus tios, meus avós, minha família; passam os anúncios de sessão de cinema de sábado à tarde, passam as torcidas do Maracanã, a praia lotada, a banca de jornal da esquina, o chame, a elegância, o prestígio e a eloquência intelectual da minha terra. Passam polêmicas divertidas, entrevistas sérias, denúncias e alta cultura, que refletiam de alguma maneira o humor genial do carioca, a vida social do Rio de Janeiro. 
Que o Jornal do Brasil continue sendo esse patrimônio monumental da nossa civilização, o guardião incorruptível e vigilante da democracia no Brasil e as mais belas lembranças e a mais firme esperança de um jornalismo independente, à altura da cultura, da dignidade, da nobreza e da coragem do povo brasileiro. 
Muito obrigado, Presidente. (Palmas.