Senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, hoje é o aniversário do nosso Presidente, ele nasceu em 12 de setembro de 1902. Mas não vou falar desse dia. Vou falar de outro dia, Senador Pedro Simon, do dia em que amanheceu triste o Brasil: o dia 23 de agosto de 1976. Na véspera, no meu Estado, no Município de Resende, houve um trágico acidente.
Naquele dia, por todo o Brasil, na manhã do dia 23 de agosto de 1976, o dia em que amanheceu triste o Brasil, havia em cada lar uma prece, em cada olhar uma lágrima e em cada coração um voto de pesar e de saudade. A Nação se calou e Minas chorou, nas Cordilheiras da Mantiqueira, no Caraça, nas cavernas e nas grutas, nas cachoeiras e nas campinas. Dos Buritis a Itajubá, do Parnaíba a Nanuque, Minas, em sua tristeza, era a síntese da alma nacional de quase cem milhões de brasileiros que, naquela manhã, tomados da mesma emoção, sentindo a mesma dor, unidos na mesma amargura, carpiam o líder excepcional, o Presidente, o amigo do povo, o servidor de todos, que horas antes a morte lhes arrebatara tragicamente.
É que Juscelino Kubitscheck de Oliveira foi um político por excelência. Seu coração não escondia o ódio, mas era fonte de amor.
O povo brasileiro chorou e lembrou que, de cada etapa da sua existência, irradiava-se uma lição que enobrece e dignifica a vida: do menino pobre e órfão de pai, da histórica Diamantina, mas bom filho, bom irmão, bom amigo, nos vem a doçura da alma mineira, que um dia foi imortalizada pelo poeta Sarney, quando disse que Minas não tem mar, nem poderia ter, porque o mar é salgado e Minas é doce. É daí que vinha a doçura do menino Juscelino. Do rapazinho empreendedor, que precisava ajudar as irmãs e a mãe, e que atravessava as madrugadas debruçado sobre um aparelho telegráfico, nos vem a fé no trabalho. Do jovem médico humanitário das campanhas da Mantiqueira nos vem o amor ao próximo e, do estadista, o respeito cego à Constituição. Da dignidade humana elevada à categoria de um dogma e da sua imaculada vocação democrática, ele fazia uma simbiose do prazer de uma arte com a devoção sagrada de um sacerdócio.
Por onde ele andava, ao seu redor se formava uma atmosfera sem trevas, sem nuvens de maus presságios e sem os trovões da insensatez e da destemperança. Ao contrário, irradiava-se uma luz que contagiava os homens de boa vontade e sintonizava-os na doce energia da sua criatividade e virtude cristã.
Prefeito de Belo Horizonte nomeado pelo então Governador Benedito Valadares, como lembrou o insigne orador de Brasília, nosso Senador Rollemberg, ele mostra sua capacidade criadora, inova, renova e transforma aquela capital sertaneja, até então inexpressiva, obscura, numa metrópole moderna e dinâmica, com o embelezamento da Pampulha, para onde convoca o gênio de artistas, antes desconhecidos, hoje renomados mundialmente: Niemeyer, Lúcio Costa, Portinari, Burle Marx e Santa Rosa. E o povo mineiro, surpreendido e agradecido, passa a chamá-lo nas ruas, carinhosamente, de Prefeito Furacão.
Governador de Minas. Dias, meses e anos de um labor infindável. Ele cria, em 1952, a CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais), constrói cinco usinas hidrelétricas, rasga o território com três mil quilômetros de rodovias. Promete construir em dois anos uma usina siderúrgica, que ele inaugura – prometeu e cumpriu – em 12 de setembro de 1954, com a presença do Presidente Getúlio Vargas, a Siderúrgica Mannesmann, na região metropolitana de Belo Horizonte. E de tal maneira se houve no Governo de Minas e foi tão grande o volume de suas realizações que seu nome se projetou por todos os recantos do Brasil, que passou a ver, no Governador de Minas, um líder presente, atuante, inteligente, um dos maiores do seu tempo.
A sua caminhada lá para a minha terra, para o Palácio do Catete, foi uma epopéia, a transposição de um terreno minado, que a outro teria desanimado, menos a ele que tinha a fibra de um gladiador, o arrojo de um bandeirante e a fé de um mártir. Seus adversários lhe impuseram uma campanha dura, das mais ásperas e virulentas. No rádio, na imprensa escrita, na televisão, nas tribunas parlamentares, de nada foi poupado. Não houve expediente dos mais torpes aos mais desumanos que contra ele não fossem levantados. Mas ele, nem mesmo no vértice do seu sofrimento, no paroxismo da sua luta, quanto mais contundentes as injúrias, quanto mais infamantes as calúnias, ele não se deixou intimidar ou se atormentar ou sequer perder a linha da sua elevada compostura.
Era acima de tudo um mineiro, mineiro na maneira de pensar e de agir, no cuidado com a vida, no coração sem ódio, na humildade sem subserviência, na altivez sem orgulho, na prudência sem hesitação. Era mineiro na sua índole de conciliar, de saber a hora de calar, na vocação do entendimento, de não reagir na fumaça do tiro, de ponderar, de encontrar a solução pacífica para os mais complexos dilemas da vida.
Todos se lembram dos primeiros dias do seu governo. O estado de sítio amortalhava a Nação para deter o delírio dos inconformados. O Brasil estava sangrando e dividido em campos nitidamente caracterizados. Crise econômica, crise política, crise militar. Os mais otimistas previam: governo agitado, legalidade ameaçada.
Eis que se revela o estadista, em toda a sua plenitude, e o gênio político na força de sua capacidade. Os que dele esperavam vinditas, revanche e ódio se surpreendem e se decepcionam. Ele suspende o estado de sítio no primeiro dia do seu governo, por iniciativa própria, devolve à imprensa e aos meios de comunicação os instrumentos da liberdade. Cinco anos de governo, cinco anos de prática ilesa da democracia. Judiciário e Legislativo intocáveis na sua majestade, imprensa solta, e ele então consegue o prestígio internacional pelo respeito à voz das urnas e diuturna vigilância na observância dos sagrados direitos do homem.
Seria fastidioso, Paulo Octávio, falar das imensas realizações de Juscelino Kubitschek na Presidência da República, mas nós não podemos deixar de falar de Brasília, porque seria uma omissão imperdoável.
O sonho desta Capital estava nos primórdios de nossa História. Foi o devaneio dos bandeirantes e dos Inconfidentes, visão de inspiração divina de Dom Bosco, mandamento imperativo de todas as nossas Constituições – haveria de encontrar, no homem das alterosas – sonhador, temerário e ousado – as mãos ciclópicas para plantá-la e chantá-la nessas regiões abandonadas do Panalto Central, como âncora da nossa nacionalidade a lhe apontar, para sempre, os horizontes sem fim da esperança.
Esta bela Capital é uma imensa forja onde se acrisolam as essências mais puras da nossa nacionalidade. É o alto forno onde se retemperam as energias da brasilidade, é a mais alta realização artística de uma raça tomada de criatividade e ímpeto.
Cassaram o Presidente, é verdade. Baniram-no da vida pública. Os vilipêndios atormentaram os últimos anos de sua existência. Foi condenado a ser um morto vivo, ninguém falava dele, um fantasma vagando, um miasma. A imprensa censurada dele não podia se lembrar. A Rede Globo não mencionava seu nome. Foi submetido aos mais infames interrogatórios inquisitoriais, motivados por inveja e despeito, mas nada demoliu seu ânimo. Apenas no exílio ele se entibiou. No exílio ele sofreu. A saudade da Pátria e o medo de que não pudesse mais revê-la o angustiavam. De Nova Iorque ele escreve a um amigo palavras ressumadas de tristeza, palavras ressumadas de amargura. Ouçamo-lo:
Naquele dia, por todo o Brasil, na manhã do dia 23 de agosto de 1976, o dia em que amanheceu triste o Brasil, havia em cada lar uma prece, em cada olhar uma lágrima e em cada coração um voto de pesar e de saudade. A Nação se calou e Minas chorou, nas Cordilheiras da Mantiqueira, no Caraça, nas cavernas e nas grutas, nas cachoeiras e nas campinas. Dos Buritis a Itajubá, do Parnaíba a Nanuque, Minas, em sua tristeza, era a síntese da alma nacional de quase cem milhões de brasileiros que, naquela manhã, tomados da mesma emoção, sentindo a mesma dor, unidos na mesma amargura, carpiam o líder excepcional, o Presidente, o amigo do povo, o servidor de todos, que horas antes a morte lhes arrebatara tragicamente.
É que Juscelino Kubitscheck de Oliveira foi um político por excelência. Seu coração não escondia o ódio, mas era fonte de amor.
O povo brasileiro chorou e lembrou que, de cada etapa da sua existência, irradiava-se uma lição que enobrece e dignifica a vida: do menino pobre e órfão de pai, da histórica Diamantina, mas bom filho, bom irmão, bom amigo, nos vem a doçura da alma mineira, que um dia foi imortalizada pelo poeta Sarney, quando disse que Minas não tem mar, nem poderia ter, porque o mar é salgado e Minas é doce. É daí que vinha a doçura do menino Juscelino. Do rapazinho empreendedor, que precisava ajudar as irmãs e a mãe, e que atravessava as madrugadas debruçado sobre um aparelho telegráfico, nos vem a fé no trabalho. Do jovem médico humanitário das campanhas da Mantiqueira nos vem o amor ao próximo e, do estadista, o respeito cego à Constituição. Da dignidade humana elevada à categoria de um dogma e da sua imaculada vocação democrática, ele fazia uma simbiose do prazer de uma arte com a devoção sagrada de um sacerdócio.
Por onde ele andava, ao seu redor se formava uma atmosfera sem trevas, sem nuvens de maus presságios e sem os trovões da insensatez e da destemperança. Ao contrário, irradiava-se uma luz que contagiava os homens de boa vontade e sintonizava-os na doce energia da sua criatividade e virtude cristã.
Prefeito de Belo Horizonte nomeado pelo então Governador Benedito Valadares, como lembrou o insigne orador de Brasília, nosso Senador Rollemberg, ele mostra sua capacidade criadora, inova, renova e transforma aquela capital sertaneja, até então inexpressiva, obscura, numa metrópole moderna e dinâmica, com o embelezamento da Pampulha, para onde convoca o gênio de artistas, antes desconhecidos, hoje renomados mundialmente: Niemeyer, Lúcio Costa, Portinari, Burle Marx e Santa Rosa. E o povo mineiro, surpreendido e agradecido, passa a chamá-lo nas ruas, carinhosamente, de Prefeito Furacão.
Governador de Minas. Dias, meses e anos de um labor infindável. Ele cria, em 1952, a CEMIG (Companhia Energética de Minas Gerais), constrói cinco usinas hidrelétricas, rasga o território com três mil quilômetros de rodovias. Promete construir em dois anos uma usina siderúrgica, que ele inaugura – prometeu e cumpriu – em 12 de setembro de 1954, com a presença do Presidente Getúlio Vargas, a Siderúrgica Mannesmann, na região metropolitana de Belo Horizonte. E de tal maneira se houve no Governo de Minas e foi tão grande o volume de suas realizações que seu nome se projetou por todos os recantos do Brasil, que passou a ver, no Governador de Minas, um líder presente, atuante, inteligente, um dos maiores do seu tempo.
A sua caminhada lá para a minha terra, para o Palácio do Catete, foi uma epopéia, a transposição de um terreno minado, que a outro teria desanimado, menos a ele que tinha a fibra de um gladiador, o arrojo de um bandeirante e a fé de um mártir. Seus adversários lhe impuseram uma campanha dura, das mais ásperas e virulentas. No rádio, na imprensa escrita, na televisão, nas tribunas parlamentares, de nada foi poupado. Não houve expediente dos mais torpes aos mais desumanos que contra ele não fossem levantados. Mas ele, nem mesmo no vértice do seu sofrimento, no paroxismo da sua luta, quanto mais contundentes as injúrias, quanto mais infamantes as calúnias, ele não se deixou intimidar ou se atormentar ou sequer perder a linha da sua elevada compostura.
Era acima de tudo um mineiro, mineiro na maneira de pensar e de agir, no cuidado com a vida, no coração sem ódio, na humildade sem subserviência, na altivez sem orgulho, na prudência sem hesitação. Era mineiro na sua índole de conciliar, de saber a hora de calar, na vocação do entendimento, de não reagir na fumaça do tiro, de ponderar, de encontrar a solução pacífica para os mais complexos dilemas da vida.
Todos se lembram dos primeiros dias do seu governo. O estado de sítio amortalhava a Nação para deter o delírio dos inconformados. O Brasil estava sangrando e dividido em campos nitidamente caracterizados. Crise econômica, crise política, crise militar. Os mais otimistas previam: governo agitado, legalidade ameaçada.
Eis que se revela o estadista, em toda a sua plenitude, e o gênio político na força de sua capacidade. Os que dele esperavam vinditas, revanche e ódio se surpreendem e se decepcionam. Ele suspende o estado de sítio no primeiro dia do seu governo, por iniciativa própria, devolve à imprensa e aos meios de comunicação os instrumentos da liberdade. Cinco anos de governo, cinco anos de prática ilesa da democracia. Judiciário e Legislativo intocáveis na sua majestade, imprensa solta, e ele então consegue o prestígio internacional pelo respeito à voz das urnas e diuturna vigilância na observância dos sagrados direitos do homem.
Seria fastidioso, Paulo Octávio, falar das imensas realizações de Juscelino Kubitschek na Presidência da República, mas nós não podemos deixar de falar de Brasília, porque seria uma omissão imperdoável.
O sonho desta Capital estava nos primórdios de nossa História. Foi o devaneio dos bandeirantes e dos Inconfidentes, visão de inspiração divina de Dom Bosco, mandamento imperativo de todas as nossas Constituições – haveria de encontrar, no homem das alterosas – sonhador, temerário e ousado – as mãos ciclópicas para plantá-la e chantá-la nessas regiões abandonadas do Panalto Central, como âncora da nossa nacionalidade a lhe apontar, para sempre, os horizontes sem fim da esperança.
Esta bela Capital é uma imensa forja onde se acrisolam as essências mais puras da nossa nacionalidade. É o alto forno onde se retemperam as energias da brasilidade, é a mais alta realização artística de uma raça tomada de criatividade e ímpeto.
Cassaram o Presidente, é verdade. Baniram-no da vida pública. Os vilipêndios atormentaram os últimos anos de sua existência. Foi condenado a ser um morto vivo, ninguém falava dele, um fantasma vagando, um miasma. A imprensa censurada dele não podia se lembrar. A Rede Globo não mencionava seu nome. Foi submetido aos mais infames interrogatórios inquisitoriais, motivados por inveja e despeito, mas nada demoliu seu ânimo. Apenas no exílio ele se entibiou. No exílio ele sofreu. A saudade da Pátria e o medo de que não pudesse mais revê-la o angustiavam. De Nova Iorque ele escreve a um amigo palavras ressumadas de tristeza, palavras ressumadas de amargura. Ouçamo-lo:
O dia de Natal amanheceu triste. São duas horas da tarde e a noite já cobriu a cidade. Não se veem senão as luzes fosforescentes dos carros e dos anúncios. Ontem tive surpresa comigo mesmo. À noite, por volta das sete horas, senti uma solidão mortal. Não conseguia atender a telefonemas sem quebrar a emoção, porque esta me impedia de falar. Uma tristeza pesada, brutal, dolorosa invadiu-me. Por que está acontecendo isto comigo?
O exílio é o preço que os grandes homens pagam para conseguir um lugar no coração do povo – eles são supliciados antes de serem justificados. Não foram poucos os exilados na história do Brasil: os Andradas, que nos deram a Independência; Pedro II, o mais conspícuo de todos os brasileiros, morreu desterrado, com o coração estraçalhado de saudade e a alma ulcerada de desenganos; Ruy Barbosa; Epitácio Pessoa; Silveira Martins; Washington Luís. São constelações fulgurantes um dia desterrados, hoje a brilhar no Panteon da Pátria.
O exílio era o toque que faltava para compor a imagem histórica de Juscelino, a moldura de ouro de sua radiosa personalidade, o píncaro da sua empolgante trajetória.
Falando, pela última vez desta tribuna do Senado da República, onde se orgulhava de representar o bravo Estado de Goiás, e quando dúvidas já não mais restavam de sua proscrição iminente, Juscelino, com emoção, extravasou seu coração quando disse:
Mais uma vez tenho nas mãos a bandeira da democracia que me oferecem, neste momento em que, com ou sem direitos políticos, prosseguirei na luta em favor do Brasil. Sei que nesta terra brasileira as tiranias não duram; que somos uma Nação humana penetrada pelo espírito da justiça. Homem do povo, levado ao poder sempre pela vontade do povo, adianto-me, apenas, ao sofrimento que o povo vai enfrentar nestas horas de trevas, que já estão caindo sobre nós. Mas delas sairemos para a ressurreição de um novo dia, dia em que se restabelecerão a justiça e o respeito à pessoa humana.
Hoje, em sua memória, nos reunimos no plenário desta Casa para mais uma vez celebrar com orgulho cívico o ilustre líder mineiro, que nos deixou a lição indelével de que todo sacrifício é pequeno quando celebrado com ardor cívico no altar da Pátria.
Sua obra, Márcia, não morreu. Não morrerá nunca. Enquanto houver um brasileiro, por mais anônimo e solitário que seja, caminhando pelas ruas de Brasília, no eco dos seus passos, na imagem da sua sombra e no brilho dos seus olhos estará plasmado o reflexo da obra e dos sonhos do grande brasileiro, do Presidente Juscelino Kubitschek de Oliveira, o Garimpeiro de Diamantina.
Muito obrigado, Presidente. (Palmas.)