Sr. Presidente, sou o último orador inscrito e não quero ser fastidioso lendo aqui um discurso, que vou pedir à Mesa que passe para os Anais da Casa.
Eu gostaria apenas de fazer rapidamente, Senador Quintanilha, uma retrospectiva dos laços entre Brasil e França, que se iniciam, como já foi dito pelo orador que me antecedeu, na minha terra, no Rio de Janeiro do século XVI, em 1555, quando protestantes, fugindo das guerras religiosas da Europa, vieram para estabelecer a França Antártica.
O primeiro deles foi o Almirante Villegaignon. E hoje a pequena ilha onde nós temos a Escola Naval, a Escola dos Oficiais da Marinha Brasileira, ao lado do aeroporto Santos Dumont, leva o nome do Almirante Villegaignon.
Em seguida, vieram alguns colonos, enviados por João Calvino, da Suíça, para povoar, porque Villegaignon trouxe apenas homens. E, devido ao eurocentrismo e também às crenças que havia naquela ocasião, em que prevalecia o pensamento da hegemonia da raça branca, era punido, com morte e prisão, o francês que fornicasse com as índias. Mas, por suas belezas naturais e pelos poucos trajes que tinham, acabava havendo a mistura das raças. Villegaignon, primeiro, puniu com prisão e, depois, ameaçou com pena de morte. Verificou que isso não era efetivo e, então, pediu a João Calvino que mandasse colonos protestantes, para que pudesse estabelecer a colônia. Vieram centenas de famílias e, por dez anos, ficaram estabelecidos na Baía de Guanabara.
Todos sabem que Estácio de Sá e Mem de Sá depois fizeram alianças com os índios, e um desses índios, Araribóia, numa noite escura, nadou nas águas da Baía de Guanabara, acendeu uma tocha no paiol dos franceses e eles foram derrotados.
Mas a presença da França no Brasil é muito mais pelo que disse Eduardo Azeredo: é muito mais física, é muito mais dos ideais da República, da Revolução Francesa que viria em 1789, cem anos antes da nossa revolução, a revolução brasileira. E falar dos ideais da Revolução Francesa e da sua importância para o Brasil é citar também o grande herói francês Napoleão, que não era da França Continental, mas era corso; e sua grande esposa, o maior amor da sua vida, Josephine, também não era francesa, mas era das Antilhas. Pois esse casal, que lutou contra todas as monarquias da Europa e tentou expandir os ideais da Revolução, de liberdade pelo mundo, esse Napoleão, que traçou com a ponta da sua espada o mapa da sua época, obstinado em todos os seus processos, em todas as suas empresas, deixou-nos grande lição.
Senador, atualmente discutimos muito, aqui no Brasil, a questão política do homem e das suas circunstâncias. Embora Napoleão Bonaparte tenha lutado a vida inteira contra as monarquias da Europa, houve um momento em que o homem político, premido pelas circunstâncias, teve que fazer a paz no Leste. Depois de ter combatido na Espanha, depois de ter combatido na Alemanha, depois de ter combatido na Prússia, na Rússia, na Polônia, na Itália diversas vezes, foi invadido pela Áustria, mas precisava de paz no Leste. Então, aquele herói francês, aquele homem que a vida inteira lutou contra as monarquias, acabou se casando com a arquiduquesa da Áustria, exatamente o país que há quinze anos antes havia dado uma rainha à França, Maria Antonieta, que foi guilhotinada.
Ora, na biografia de um homem comum, parece uma controvérsia, uma coisa inexplicável. Mas é a política, a política na sua essência, a política da qual nenhum homem político pode fugir. É o momento da vida, é o momento da evolução histórica.
Senador Quintanilha, aquele político que não consegue compreender essas contingências inevitáveis dos nossos processos de evolução social acaba sendo desmentido por si próprio ou pelo ato seguinte, quando, por si ou pelo partido, é obrigado a assumir aquilo que o seu mandato lhe impõe: decisões políticas.
Senador Mão Santa, V. Exª, que é um grande conhecedor da vida de Napoleão, sabe disto: Josephine, que não podia lhe dar um filho e foi seu grande amor, a grande paixão de Napoleão, então, cedeu. Logo ela, que havia sido coroada imperatriz, inclusive com a presença do Papa; não pelo Papa, porque Napoleão achava que o Papa também representava a monarquia e tinha pela monarquia grande aversão. Napoleão foi coroado por si mesmo. Ele tomou a coroa e a colocou em sua cabeça, tomou a coroa e a colocou na cabeça da imperatriz. O Papa assistiu a isso e nem sequer pôde fazer o casamento, porque Napoleão não queria casamento religioso; assumia que o seu casamento civil tinha validade.
Portanto, foi um homem que, na essência, na alma, na índole, na vocação, em tudo o que pregou e acreditou nas suas campanhas exaustivas, sempre lutou contra a monarquia.
Pois bem. Lá está agora Napoleão casado com uma mulher, uma arquiduquesa da Áustria, de casa real, e que foi que lhe deu o filho.
Senador Romeu Tuma, da França nós temos muito a aprender, muito mais do que o comércio, muito mais do que a geração de energia. Os franceses têm usinas nucleares, estão reaproveitando o lixo atômico e produzindo 80% da sua energia de maneira barata. São os grandes exportadores de energia hoje da Europa. E têm muito a nos ensinar. O Brasil, com esse vasto, imenso território, essa costa extraordinária, nós precisamos ter outras usinas nucleares, precisamos aprender muito com a França, no sentido de geração de energia, mas acho que o espírito francês, os seus ideais…
Também mais tarde, eu não poderia deixar de citar aqui Malreaux. No elogio fúnebre de De Gaulle, quando era dado à sepultura o corpo do grande herói francês – se não me engano, na Catedral de Les-Deux-Églises –, uma coluna de fuzileiros navais apresentava armas ao cortejo, contendo uma multidão que atrás dele se apinhava, quando de repente surge, no meio do povo, uma camponesa de xale preto, uma francesa obscura e anônima que, dirigindo-se a um daqueles militares, com voz altiva e enérgica, disse: “Por que não me deixam passar?” E a resposta foi simples: “A ordem é para todos”. Malreaux, que presenciou a cena, pousou a mão sobre o ombro daquele marinheiro e disse: “Deixe-a passar. Ela fala como a França. O General ficaria satisfeito”. E o soldado, sem mover um músculo, sem dizer uma palavra, faz uma meia volta, abrindo um claro por onde penetra aquela francesa humilde e triste. Naquela cena, Malreaux sentiu e viu um apresentar de armas, a França eterna, fiel e miserável.
Essa evolução histórica de todos os processos que marcam essa grande nação, sem sombra de dúvida, é feita de grandes momentos sobre os quais o Brasil e os brasileiros refletem, precisam refletir e, muitas vezes, assimilar. Desse modo, as relações Brasil-França, muito mais que econômicas, são culturais e até espirituais. E eu não poderia deixar aqui de registrar as minhas palavras neste momento em que o Brasil comemora o Ano da França no nosso território.
Muito obrigado, Presidente. (Palmas.)
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SEGUE, NA ÍNTEGRA, DISCURSO DO SR. SENADOR MARCELO CRIVELLA.
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O SR. MARCELO CRIVELLA (PRB – RJ. Sem apanhamento taquigráfico.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, senhoras e senhores ouvintes da Rádio Senado e telespectadores da TV Senado. Ilustres servidoras, servidores e visitantes, que nos honram com as suas presenças neste plenário, em 2005, os governos do Brasil e da França promoveram o Ano do Brasil na França, visando a aproveitar o interesse que nosso País e sua cultura suscitam no imaginário francês. A posição de destaque assumida pelo Brasil, no noticiário internacional na última década, trouxe sua identificação como potência emergente. Na França, país que teve, ao longo de nossa História, uma relação especial de influência cultural mútua, essa emersão do Brasil no panorama mundial demonstrou ser ainda mais profunda, por ocasião daquela série de eventos. Com efeito, tão grande foi o sucesso do Ano do Brasil na França que os presidentes das duas repúblicas decidiram-se por celebrar um programa semelhante, mas no sentido inverso: o Ano da França no Brasil.
É verdade que o conhecimento da cultura francesa pelos brasileiros já foi bem maior. Desde a década de 1950, a predominância crescente da influência norte-americana vem relegando a cultura francesa no Brasil a uma espécie de gueto. Isso não significa que tenhamos abandonado as relações culturais, comerciais e diplomáticas com a França.
Um bom exemplo dessas relações é a recente decisão de compra de submarinos de propulsão diesel para reequipar nossa Marinha de Guerra e da transferência de tecnologia para projeto e construção dos cascos desse tipo de embarcação. Meu Estado do Rio de Janeiro, aliás, será a sede do estaleiro das novas gerações de submarinos brasileiros, incluindo o antigo sonho dos estrategistas de nossa Força Naval de construir um submarino a propulsão nuclear. Quero, a propósito, deixar registrado meu apoio à Marinha do Brasil pela resposta pública que deu aos questionamentos que se fizeram sobre esse acordo com os franceses. Muitas vezes, os críticos escondem seus verdadeiros interesses nesses negócios de centenas de milhões de dólares.
Mas voltemos ao Ano da França no Brasil. Para os franceses responsáveis por sua programação, o propósito maior de uma série de eventos como essa deve ser o de trazer aos brasileiros a informação sobre setores de atividade e aspectos da cultura francesa que nós desconhecemos ou não constam de nossa idéia de França.
Um dos eixos mais important es da programação, assim, é a noção da diversidade cultural da França. Ao contrário do que nos pode parecer, para um país muito menor que o nosso, a França tem, em suas comunidades territoriais, uma riqueza e variedade cultural surpreendentes.
Outro eixo t emático da programação está voltado para a pujante criatividade contemporânea da França. Trata-se de um país com pesquisa científica e tecnológica próprias, em muitos dos setores mais avançados da fronteira do conhecimento.
O terceiro eixo temático trata da abertura cultural da França, de seu papel no debate das idéias no mundo globalizado. Sem resvalar para o antiamericanismo, que não faz sentido, é preciso reconhecer na França uma fonte inestimável de pensamento diferenciado, de uma reflexão segundo outros moldes. Um exemplo notável é o do entendimento da política mundial possibilitado pela leitura doMonde Diplomatique , hoje editado também em português do Brasil. Podemos discordar, algumas vezes, dos pontos-de-vista de americanos ou de franceses, mas é bom termos interpretações alternativas, conflitantes ou complementares. Trata-se da melhor maneira de formamos nossas opiniões próprias, a partir de nossos interesses.
Como destaca Danilo Santos de Miranda, presidente da Comissão Brasileira para o Ano da Fr ança no Brasil, as influências e as trocas culturais entre França e Brasil têm sido férteis, mesmo nestas décadas de predomínio da presença norte-americana. Cita, como exemplos, os estudos de Pierre Verger sobre os orixás e a pesquisa de Claude Lévi-Straus s, enfeixada em seu livro seminal,Tristes trópicos .
Já para Yves Saint-Geour, presidente da comissão francesa análoga, é importante ressaltar que França e Brasil são parceiros estratégicos, que compartilham o mesmo conjunto de valores democráticos e sociais e a mesma visão da importância da diversidade cultural. E, no mundo globalizado, a mesma vontade de prover a comunidade internacional de regulações em matéria de meio ambiente, desenvolvimento sustentável e equanimidade nos intercâmbios econômicos e fin anceiros.
Longa é a história das relações entre a França e o Brasil. Antes mesmo de nosso País existir como entidade nacional, os franceses se interessaram pela colonização destas terras, empreendendo as aventuras das ocupações no Rio de Janeiro e no Maranhão, que estudamos na escola como “invasões francesas”.
A própria fundação da cidade do Rio de Janeiro foi decorrente da expedição de Villegaignon , que pretendia fundar ali a França Antártica. Nossa República, ao ser instituída , configurou-se como um mist o entre as instituições do direito republicano francês e o modelo federativo norte-americano. A injunção do positivismo comteano , aliás, ainda figura no lema de nossa bandeira, como herança inapagável.
Na celebração do Ano da França no Brasil haveria ainda muito a se dizer, tão profundas têm sido as interações entre os dois países no curso da História. No âmbito desta sessão especial, porém, esses são pontos que considero especialmente relevantes, particularmente no que diz respeito a meu Rio de Janeiro.
Pa rabéns à França e ao Brasil, por suas identidades e interrelações, que espero continuem frutíferas no futuro como têm sido na História.
Muito obrigado.