O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Muito obrigado, Sr. Presidente. 
Senador Mão Santa, quem me dera ser esse representante! Obrigado, por me saudar cada vez que tomo a palavra. 
Senadora Serys Slhessarenko, Sr. Senador Mozarildo Cavalcanti, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, ocupo esta tribuna em nome da democracia. Tenho a certeza de que V. Exªs não farão pronunciamentos ou apartes contrários ao meu pensamento. 
Sr. Presidente, aqui estou para falar sobre um atentado à democracia que se cometeu na Câmara dos Deputados, patrocinados pelos grandes partidos contra os pequenos. 
Sr. Presidente, tivemos uma ação de inconstitucionalidade julgada pelo Supremo Tribunal Federal derrubando a Cláusula de Barreira. Novamente, legisladores legislando em causa própria. Senador Gilvam Borges, quando vamos aumentar nossos proventos, para que não passe à sociedade que estamos praticando um ato em causa própria, essa é uma das últimas resoluções da Mesa antes de terminar uma legislatura para valer para a próxima, e não para aquela. Sempre foi assim pela tradição da Casa, antes mesmo de haver Senado republicano. 
Sr. Presidente, aqui faço um adendo para saudar o nosso Ministro Carreiro, indicado e aprovado para ocupar o cargo de Ministro do Tribunal de Contas da União, ele que, durante muitos anos, nesta Casa, foi não apenas o consultor do Regimento Interno mas o próprio Regimento em carne, osso e sangue. Falava ele, ouvíamos todos. 
Sr. Presidente, retomando o tema, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar um projeto de lei… Que bom que V. Exª chegou a esta Casa, Senador Pedro Simon. V Exª é autor de uma das cartas mais bonitas que já tive a oportunidade de ler. Refiro-me à carta que V. Exª enviou aos pais do João Hélio. A carta está muito acima do voto de pesar que solicitei que esta Casa enviasse àquela família, porque fala de uma dor que V. Exª conhece bem. Essa dor retrata o sacrifício de Abraão, que já havia dado a sua vida, e ainda assim era pouco, não era tudo. No entanto, no momento em que Abraão ergueu o punhal que tinha em sua mão, Deus disse: “Abraão, agora sei que é meu o teu coração”. A sua caminhada, a sua peregrinação, o fato de deixar família e familiares, nada daquilo mostrava o coração que Deus procurava. Este é, talvez, um dos momentos mais lindos da história da Bíblia. Naquele instante, parece que valeu a pena a criação. 
Há momentos em que Deus diz que se arrependeu de haver criado o homem, a exemplo da destruição de Sodoma e Gomorra e no dilúvio. Quando olhamos todos os autores, patriarcas, profetas, reis, apóstolos, discípulos, vemos uma história de tantas decepções, de tristezas, de angústias, de homens lutando contra si mesmo. Mas, de repente, nos deparamos com o nosso pai Abraão, que deixou toda a sua parentela em busca de um herdeiro e, como não o tinha, pediu-o a Deus, que, em verdade, queria dar-lhe uma nação. 
Foi muito bom o exemplo de fé citado por V. Exª. Só a fé pode curar o coração de uma mãe que perde um filho em situação tão dramática. É preciso mesmo pedir fé, pois só ela pode nos dar forças para atravessar esse período de barbárie que a nossa sociedade vive hoje. 
Sr. Presidente, voltando, aqui, ao meu pronunciamento, a Câmara dos Deputados acaba de aprovar um projeto de lei que se constitui em um atentado direto à democracia no Brasil. Trata-se de uma redivisão do fundo partidário que obedece exclusivamente a critérios subjetivos e discricionários, sem qualquer relação com os fundamentos impessoais do financiamento da atividade partidária do País. É fruto apenas do preconceito e da discriminação dos pequenos partidos e do autofavorecimento abusivo dos grandes com o dinheiro público. 
A organização partidária, em qualquer país democrático, deve obedecer a princípios gerais que assegurem a todos os partidos – eles próprios, alicerces da democracia – condições iguais de competição pelo poder. E não só isso. A alternância do poder é a própria essência do regime democrático. A organização em partidos, com diferentes propostas e diferentes doutrinas, é uma garantia de oxigenação do sistema político, permitindo à sociedade escolher pelo voto a sua melhor forma de governo, sem a tentação totalitária e sem a tentação da revolução que, em determinados momentos da história política, passa a ser a única alternativa dos pequenos. 
Os grandes partidos que estão se apropriando, de forma oligopolista, dos recursos do fundo partidário, em seu próprio proveito, na verdade estão criando condições para a sua perpetuação no poder, reduzindo o espaço da competição pacífica dos menores. É que eles garantem a si mesmos condições financeiras mais favoráveis com o dinheiro do povo – com o dinheiro do povo! – para ganhar eleições. Na verdade, estão sabotando o princípio da alternância do poder, essencial na democracia, na medida em que se dão condições financeiras que os pequenos partidos não têm, Senador Mão Santa. 
A Constituição Brasileira não prevê recursos públicos de financiamento de partidos na forma de um condomínio privado dos maiores. Isso é indigno. O fundo, em si, é um importante mecanismo de apoio à organização partidária, essencial para o bom funcionamento da democracia. A Justiça já reconheceu isso na forma de uma decisão que assegura maior justiça na distribuição dos recursos do fundo. É lamentável que, com a aprovação do novo projeto, a Câmara insista na iniqüidade. 
Os argumentos para negar aos pequenos partidos maior participação no fundo partidário são especiosos e inconseqüentes. Argumentam alguns que os pequenos partidos são partidos de aluguel. O que significa isso? Colocado sob forma generalizada, esse argumento é uma infâmia. Afinal, para se registrar legalmente, os pequenos partidos cumprem requisitos da Justiça Eleitoral extremamente rigorosos, coletam assinaturas de centenas de milhares de eleitores, criam órgãos dirigentes em quase todo o País. Em nome de que devem ser discriminados? 
É possível que, sem fundo partidário, os pequenos partidos pudessem, com o tempo, se tornarem médios, e os médios partidos se tornarem grandes. Contudo, havendo o fundo partidário e tornando-se esse um condomínio dos grandes partidos, os pequenos partidos encontram obstáculos relativamente maiores para o próprio crescimento, pois os grandes, seus competidores, além da vantagem do tamanho, contam com a vantagem desproporcional do dinheiro público. 
Isso não é justiça. Isso não é democracia. Isso é a busca de um sistema político funcional do autoritarismo e não do regime representativo imaginado para perpetuar as prerrogativas dos grandes, como aconteceu no regime bipartidário do autoritarismo, ele próprio disfuncional na prática, pois teve de recorrer ao esquema das sublegendas, Senador Mão Santa. 
Espera-se que o Senado conserte a decisão absurda da Câmara, de forma que os esbulhados, entre eles o meu Partido, não tenham de recorrer ao Judiciário, para vergonha do nosso sistema de representação. 
Sr. Presidente, essas são as palavras que eu gostaria que V. Exª fizesse constar nos Anais desta Casa. Tive a honra de lê-la, de verbalizá-la, mas não são minhas; são de um mártir da democracia brasileira, um dos fundadores do PMDB, um dos homens que lutaram contra Getúlio Vargas, contra o autoritarismo do regime militar: Raphael de Almeida Magalhães. Ele está horrorizado ao ver que o Partido que ele fundou, o PMDB de tantas e gloriosas tradições neste País, o PMDB das Diretas Já, o PMDB de Ulysses Guimarães, hoje se associou ao PT, que rasga a sua história, para fazer das verbas do fundo partidário um condomínio dos grandes para o esbulho e o massacre dos pequenos. 
Ao terminar, Senador Mão Santa, quero lembrar a todos as palavras de um ex-Presidente…

  
(Interrupção do som.) 
 

O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Um minuto, só, Sr. Presidente. 
Quero lembrar a todos as palavras do ex-Presidente do Senado Aldo de Moura Andrade, já falecido. Ao assumir a Presidência do Congresso, ele disse: “A Maioria, por ser Maioria, pode tudo, menos esmagar a Minoria. A Minoria, por ser Minoria, tudo pode, menos negar-se a se expressar pelo voto, que é, na democracia, a maneira de se consolidar a vontade do povo”. 
Deus queira essas palavras continuem a ecoar nas consciências de todos nós, Senadores. 
Confio, Sr. Presidente, não nos pequenos partidos, mas na consciência democrática de um homem como Pedro Simon, para se encontrar aqui uma fórmula que não permita que uma decisão …

  
(Interrupção do som.) 
 

O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges. PMDB – AP) – Senador Crivella, V. Exª necessita de quantos minutos? 
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Um minuto. 
O SR. PRESIDENTE (Gilvam Borges. PMDB – AP) – Então, vou-lhe dar cinco. 
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Presidente, a sua generosidade é comovente. 
Acredito que vou ver, desta tribuna, Senador Pedro Simon, espíritos cristãos da democracia, que aqui vão fazer valer as palavras de tantos líderes do PMDB que, tenho certeza, se envergonhariam de ver o maior Partido do País unir-se a esse condomínio e legislar em causa própria. Quando aumentamos os proventos dos Parlamentares, fazemos isso para a próxima Legislatura, por questão de pudor e consciência, respeito a nossos eleitores e ao voto. Agora, tudo isso foi embora. Estamos fazendo uma lei para que 95% dos cento e tantos milhões de reais continuem na mão dos grandes para massacre e esbulho dos pequenos. Dizer que os pequenos partidos são legendas de aluguel, Senador Pedro Simon, acusar os pequenos partidos de serem legendas de aluguel, dizer isso de maneira generalizada, é uma infâmia. 
Meu Partido tem o Vice-Presidente, alguns Deputados Federais e um Senador. Como Senador, lutei muito para ser membro de comissões. Não tenho direito a pertencer à Mesa, não tenho cargos. Continuo nesse Partido por quê? Por acreditar em nossas propostas. Lutei para ser Governador do meu Estado sem nenhum apoio de partidos, de prefeitos, de deputados com mandato, de nenhum sequer. Fui às ruas e obtive 1,5 milhão de votos, conquistados com propostas. Qual foi o aluguel? Qual foi o dinheiro pelo qual me vendi? Sou de um partido pequeno. Quero apenas ter o mesmo direito de proporcionalmente… Não nessa divisão matemática que agora está aí, 95% para os grandes e 5% para os outros. Isso não é matemático. Nunca foi. Isso é divisão condominial, oligopolista daqueles que querem perpetuar-se no poder, sem passar pelo voto, apenas com conchavo. 
Sr. Presidente, deixo aqui minhas palavras, minha ponderação, com muita humildade, mas com a indignação de quem luta tanto para que neste País não tenhamos de volta as sublegendas, aquela representação esdrúxula da época da ditadura. 
Confio nas tradições e na consciência política do PMDB, o Partido que conquistou a democracia política neste País e com o qual contamos para continuar a democracia política e, quiçá, para alcançarmos no futuro a democracia social que todos sonhamos. 
Muito obrigado, Sr. Presidente.