Uma acurada radiografia do mercado de trabalho brasileiro concluiu que 59,1 milhões de trabalhadores exercem dupla atividade – dos quais 72,2% cumprem jornada acima do limite legal de 44 horas semanais. Fazem isso, é claro, para complementar a renda familiar e sobreviver. Essa praga não poupa nem mesmo os aposentados, que precisam tentar uns bicos para assegurar a sobrevivência com dignidade.
Só mesmo a extrema miopia ideológica impede as pessoas de verem nesses números a prova do fracasso da aplicação do receituário neoliberal no Brasil. Estamos caminhando para trás na história. Enquanto a tecnologia aponta para situações em que o homem vai se libertando da carga do trabalho para se dedicar ao lazer e aos prazeres espirituais, no caso concreto brasileiro milhões de trabalhadores têm que trabalhar em excesso para compensar a queda da renda.
O dramático é que essa terrível situação pode ser facilmente revertida, e não é. O remédio para uma baixa demanda do trabalho foi descoberto ainda nos anos 30 do século passado, quando os Estados Unidos e praticamente todos os países industrializados avançados enfrentaram a maior crise de desemprego da história. Roosevelt, o presidente norte-americano de então, lançou o New Deal, que consistiu em realizar grandes gastos em políticas públicas e em infra-estrutura a cargo do Estado para estimular o investimento e a geração de emprego e trabalho remunerado.
O sucesso programático de Roosevelt pode ser medido pelo fato de ele ter sido o único político norte-americano eleito presidente quatro vezes sucessivas. Seu New Deal foi formalizado teoricamente pelo maior economista do século XX, John Maynard Keynes, que deu nome à política de pleno emprego: keynesianismo. Os velhos e novos liberais, contudo, jamais aceitaram esse sucesso.
Depois de praticamente meio século de predomínio keynesiano, os neoliberais fizeram sua re-entrada no fim dos anos 70 através das políticas de Reagan, nos Estados Unidos, e de Thatcher, na Inglaterra. Seu propósito deliberado era estabilizar monetariamente as economias industrializadas, assim como as periferias, através de políticas monetárias e fiscais super-restritivas e desempregadoras. Nós, burramente, as copiamos e até ampliamos, sem qualquer consideração para seus efeitos sociais.
Esses efeitos estão aí. As elevadas taxas de juros são uma injeção na veia do desemprego. Não é preciso ser um grande especialista em economia para concluir assim.
Publicado na Folha Universal, edição 740, de 2006