Artigo impresso no dia 18/03/2010 no jornal O Globo, pg 7.
Na semana passada, a Câmara dos Deputados aprovou emenda dos deputados Ibsen Pinheiro e Humberto Souto ao PL 5.938, de 2009, que retira quase que totalmente os recursos oriundos da exploração do petróleo de estados e municípios produtores.
Tocar na distribuição dos royalties do petróleo e gás, ou de qualquer outro bem não renovável, é o apogeu do arbítrio. O instituto da compensação ou royalties encontrase consagrado no primeiro parágrafo do artigo 20 da Constituição Federal. É cláusula pétrea do espírito da federação brasileira.
Portanto, do ponto de vista constitucional, é pacífico que a distribuição dos royalties do petróleo, como ocorre hoje, é direito inalienável e irretocável de estados e municípios produtores, sob a égide do princípio federativo. Entretanto, não somos principistas. Acolheremos alguma alternativa se alguém nos provar que, a despeito da lei, a regra atual de distribuição de royalties está equivocada, e haja outra mais justa. Por enquanto, não conseguimos vislumbrar nenhuma. Ao contrário, a truculência da emenda IbsenSouto, que devasta e inviabiliza o orçamento de estados e municípios produtores, e contra a qual nos insurgimos, nos reforça a convicção de que a regra atual é mais certa, justa e equilibrada.
Nós confiamos nas tradições de moderação, prudência, sensatez e ponderação do Senado Federal. Aqui, bem acima dos interesses econômicos e eleitorais imediatos, paira o espírito federativo, herança das lutas políticas de nossos antepassados, que unifica os brasileiros e nos protege da insanidade que ocorre quando maiorias eventuais se formam para massacrar o direito da minoria impondo, de forma ilegal e brutal, nenhuma outra alternativa, senão a resignação, a humilhação, o esbulho e o silêncio amargo. Que Deus nos livre das inconsequências de transformar as riquezas do pré-sal numa batalha política sem ideal, sem nobreza e sem grandeza. Numa luta entre irmãos.
Nós, senadores dos estados produtores, iremos percorrer cada gabinete para esclarecer nossos pares da importância de se retirar a urgência na discussão dessas matérias, e de se preservar os contratos em vigor nas áreas já licitadas. Vamos discutir também a parte confiscada pela União, que escandalosamente abocanha a maior parcela dos recursos.
O poder, como qualquer outro valor social, é tanto mais legítimo quanto mais for compartilhado. Sempre temos vivido neste país o confronto entre a reivindicação de autonomia das províncias, hoje estados e municípios, e a prepotência do poder central. Nisso não há diferenças: confederados e farrapos, praieiros e luzias, todos os nossos rebeldes levantaram bem alto a bandeira da federação que a Constituição de 1891 estabeleceria, mas de cujo cumprimento ainda estamos longe. Eu confio na sabedoria e discernimento dos senadores para que a riqueza do petróleo não promova o conflito entre entes federados, fortalecendo ainda mais o poder absolutista da União.
O Globo
18/03/2010