Relatório apresentado à Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal para indicação do Ministro Luís Fux para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal – 9 fev 2011
Exmo Senhor Ministro Luis Fux,
Esta Casa recebe Vossa Excelência com toda a vibração de sua alegria e se honra em recebê-lo.
Somos uma casa política , expressão da vontade popular exercida no sagrado direito do voto, forjada no debate intenso e diário das questões que angustiam os processos e as contingências inevitáveis da nossa evolução econômica, social e política. Cada um de nós traz na alma a impressão das ruas, do homem simples do povo, do jovem, da mãe de família, que ama a liberdade, a justiça e a paz e tem horror a todas as formas de tirania que se extravasam sempre na intolerância, na prepotência, na violência e no ódio.
O Brasil é pacífico por tradição e convicção. Vive em paz com seus vizinhos. Esse traço de pacifismo é parte da identidade nacional e um valor a ser conservado pelo povo brasileiro. País em desenvolvimento, o Brasil ascenderá ao primeiro plano no mundo sem exercer hegemonia ou dominação. O povo brasileiro não deseja exercer mando sobre outros povos. Quer que o Brasil se engrandeça sem imperar.
Houve, por muito tempo, quem menosprezasse a nossa tendência quase invariável de buscar para todos os problemas, por mais graves que se configurassem, soluções pacíficas e harmónicas, que conciliassem interesses aparentemente contraditórios, mas resultando sempre na afirmação altiva e corajosa de que, acima de tudo, devia ser considerado o bem comum dos brasileiros.
Houve, sem dúvida, sociólogos e políticos que, no caldeirão racial onde se está formando há cinco séculos o homem brasileiro, pensassem ter visto sinais de indolência e conformismo, para explicar a nossa aversão às atitudes drásticas e extremas. Mas longe disso, o que ocorre é que o povo brasileiro foi dotado de uma sabedoria peculiar plasmada no enfrentamento de suas vicissitudes e agonias. Desde o princípio, suportou e se adaptou ao calor dos trópicos, às enxurradas e enchentes e a golpes de tenacidade e bravura rompeu matas e florestas, escapou de onças e cobras, atravessou rios caudalosos, peregrinou pelo sertão, pela caatinga e pelo pantanal, com o suor pingando nos olhos, com a febre de mil doenças tropicais, em meio a um enxame de insetos e fungos que lhe comiam os dedos dos pés, o branco dos olhos e os vasos linfáticos, para triunfar com o arrojo dos bandeirantes e balizar os limites de uma das maiores geografias do mundo.
Foi e é assim, nessa luta intensa, longa e impiedosa que essa gente sofrida e valente ergueu o Brasil, terra de bravos que o são inclusive por desprezar atitutes afirmativas e eufóricas daqueles que, alucinados pelo fascínio do poder, se esquecem que o único caminho da glória é se engrandecer servindo o povo.
Senhores senadores, faço esse pequeno preâmbulo para dizer que o Ministro Luiz Fux é síntese disso tudo. De cada etapa de sua existência se irradia uma lição de fibra e energia que enobrece e dignifica a vida. Do menino pobre do Andaraí, lá nos subúrbios do meu Rio de Janeiro, bom filho, bom irmão, bom amigo, nos vem a do çura da alma carioca. Do jovem estudante e trabalhador, que a caminho do emprego ao lado do pai Mendel Fux, imigrante romeno, filho de sobreviventes judeus que escaparam da perseguição nazista, aprendia pelo exemplo o idealismo e a renuncia e rasgava as madrugadas debruçado sobre os livros, nos vem a fé no futuro. Do professor, do procurador, do juiz, do desembargador, do ministro fica esse devoção cega, esse respeito cego à Constituição, a vida tecida no estudo e no trabalho, a extremada dedicaçao à ciência jurídica e a reverência religiosa aos sagrados Direitos do Homem, principios sobre os quais ele cunhou para si a legenda bela e estupenda que preserva com a santidade de um dogma “a justiça tem que ser caridosa e a caridade tem que ser justa”
Foi assim, trabalhando o dia inteiro, dormindo tarde a acordando cedo, enfrentado desafios e superando obstáculos, que ele cursou o Colégio Pedro II, ingressou na UERJ, universidade orgulho da nossa terra, sempre estudando e trabalhando para se manter, concluindo cada matéria em primeiro lugar, estagiando na Defensoria Pública e no Ministério Público, se habituando a entender as agruras do povo e a serví-lo com espírito público e humanitário que o menino ofice boy trilhou o caminho da honradez e da justiça dos homem de bem.
Passou no concurso da Magistratura aos 27 anos e em primeiro lugar. Foi o mais jovem Desembargador e Juiz de Alçada do TJ do Rio e o mais jovem Ministro do STJ. Foi primeiro colocado mas sem se afastar dos colegas, foi o mais jovem mas sem desprezar os mais velhos, porque Fux consegue discernir na sua alma carioca que as eventualidades da vida não são para destruir a essência dos verdadeiros e permanentes valores da humanidade que é a humildade, a amizade, a solidariedade e a fraternidade, virtudes perpétuas e vitalícias, como a justiça a liberdade e a paz.
Membro da Magistratura Fluminense, por vezes surpreendida e varrida por episódios de lamentável e dolorosa mediocridade, mercê de Deus, o Ministro Fux jamais caiu nas armadilhas do destino e das ambições, para orgulho do Rio. Profundo conhecedor dos problemas do seu país e dos problemas cada vez mais complexos de nossa atormentada época, situa-se na galeria dos grandes juízes, dos maiores do seu tempo. Curioso, ele não é dado a ler sentenças, nem cultua o direito na sua forma hermética, o que deixa claro a sua aversão a solidão, a viver afastado do povo, a reclusão dos incompreendidos, a se colocar de maneira solitária e superior ao seu semelhante, a quem ele se propõem na carreira de Estado a servir com o bom direito. Preserva o espírito e a sensibilidade e assumiu consigo próprio o difícil compromisso de ser autêntico. Esta fidelidade a si mesmo, esta coerência com seu modo de ser e de agir fizeram dele um modelo de decência, de singular comportamento não só moral como também estético.
Recentemente percorreu os corredores dessa casa para junto conosco elaborar, discutir, aprimorar e ajudar a votar e aprovar o novo Código de Processo Civil, matéria que domina com maestria, da qual foi professor e aluno do seu amigo e mestre Oscar Dias Correia. O Ministro Fux vai levar para o Supremo Arcópago que Rui Barbosa exaltou em páginas imortais e que Pedro Lessa — na sua integridade moral, na pujança de sua cultura, do seu civismo, na fé do seu patriotismo, foi simbolo, uma brisa praiana cheia de oxigênio revitalizante de um espírito que detesta o clima de placidez e monotonia dos homens realizados, mas traz o estilo de uma nova magistratura que está cansada de imitar, de copiar, senão ouça-mo-lo: ” Até mesmo na hora de votar tento ser didático. Nunca li um voto. Não leio os meus votos. Explico qual é a idéia que tenho do caso e, eventualmente, só para fechar o raciocínio, leio a síntese do voto. Essa metodologia de ficar lendo, ninguém presta atenção, ninguém agüenta. A pessoa gosta de saber porquê foi acolhida, porquê foi rejeitada, e da forma mais simples do mundo. Hoje há um movimento muito grande pela simplificação do Direito. O Direito é muito hermético. As pessoas não entendem. É a mesma coisa um médico, se começar a falar de doença com termos médicos, não se entende nada. O que se quer saber é o que se tem. Qual é o problema e qual a solução.”
Senhoras e senhores Senadores, hoje estamos imbuídos de uma grande responsabilidade e é um grave momento ponderar sobre a composição permanente do Supremo Tribunal Federal.
Supremo do preclaro Min Carlos Alberto Direito, que tão cedo nos deixou e cuja lembrança marca a consciencia de todos que assistiram sua sabatina e presenciaram as lágrimas que aqui ele derramou. Extraordinário esse Direito, ocupou o papado da magistratura com a modéstia e a humildade de um franciscano. E foi no Supremo que ele encontrou os portões da eternidade e ocupou seu lugar no Panteon da Pátria.
É para nós um solene dever sabatinar e votar a indicação do Ministro Fux para a mais alta corte, que devemos manter fora e acima de todas as paixões do facciosismo partidário e à margem do conflito dos interesses; é este Supremo Tribunal Federal, que devemos colocar acima das deformações ideológicas, pois nele, o supremo guardião do regime, é que todos nós, nas horas da tempestade, encontramos a arca dos justos, que nos protege e nos ampara contra o dilúvio da prepotência, da força e da violência. Longe de mim fazer dessa tribuna proscenio de corporativismo ou regionalismo, mas sinto-me no dever de ressaltar os traços característicos de quem se dedicou ao Direito com a fé de um enclausurado, sem perder a sensibilidade, seu apego às coisas simples da sua terra, sua carioquice, sua identidade com o povo, o convívio com seus mestres, alunos e amigos, e é nisso que nós os políticos precisamos identificar a índole que vinca a personalidade e o patriotismo inegociável de quem ama e se devota a servir o bem comum.
Não haverá nunca democracia sem políticos. Somos por vezes subestimados, subalternizados, marginalizados e, não raro, ridicularizados mas seremos sempre nós os mediadores entre o arbítrio e a democracia, o liame entre governantes e governados Os patronos dos ideais do povo junto aos poderes da Nação. Os insubstituíveis intérpretes das aspirações das comunidades mais carentes perdidas na vastidão do nosso território, diante dos tribunais da Justiça, na Administração e no Parlamento. É assim que com a alma política da minha vocação, com o espírito de eleição o mesmo que sei caracteriza a todos nós, que indentifico no candidato não só os imprescindíveis méritos morais e intelectuais mas também as afinidades do instinto brasileiro de ser, que admiro e amo, preocupando-se com as dores do mundo no desejo de interpretá-las para a redenção de um povo modesto e sábio, amante das virtudes simples, da misericórdia, da liberdade — um povo sempre contra os tiranos, e levando o sentimento do bom e do justo a uma espécie de loucura organizada, explosiva e contagiosa, como revelam os processos de nossa evolução e que nos momentos mais graves dos conflitos de nossa existência como nação, há de nos guiar para dirimir os enigmas e nos conduzir à perspectiva iluminada e gloriosa do nosso destino.
Ninguém suporta aquele magistrado do rigor da letra da lei, que se apega a faltas veniais, descuidos, coisas sem importancia, para arquitetar com essas insignificâncias uma sentença dramática, excessiva e injusta.
Esse não é o Min Fux.
Parodiando o inesquecível mineiro Carlos Drummond de Andrade, que foi buscar na brisa do Rio a inspiração de sua obra imortal, ainda que isso significasse viver com o coração estraçalhado de saudade da sua pequena Itabira, quero dizer que há uma estrada ensolarada, que começa no Andaraí, que passa pela UERJ no Maracanã e que vai dar no coração do ministro. Por essa estrada, passa Bertha e passa Moisés, passa Luiz Luchnisk, passa Mendel e Lucy, passa os professores Simão Benjó, Heleno Fragoso, Barbosa Moreira e Chamoun, passa Alexandrina, passa Dora e passa Regina. Passam os cinco trovões e os Gracies. Passa a esperança de quem sempre acreditou; a perseverança de quem sempre lutou, a inspiracão dos ideais da sua bandeira, e passará para sempre também, na vitaliciedade do Supremo, as aspirações justas e legítimas do povo brasileiri que um dia todos nós juramos amar e preservar para sempre.
Que o Deus de Abraão, Isaque e Jacó seja contigo.
Que Nosso Senhor Jesus Cristo o abençoe e proteja em cada decisão a favor do Brasil.