Eleito senador em 2002 com cerca de 3,5 milhões de votos, o senador Marcelo Crivella (PRB) – derrotado nas disputas pela prefeitura do Rio em 2004 e 2008 e para o governo do estado em 2006 – busca agora reeleição com uma plataforma baseada na sua relação com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a candidata à Presidência apoiada por ele, Dilma Rousseff, a quem classifica de “um poço de ternura”. Crivella diz que, no sistema político atual, é indispensável uma boa relação com o Executivo federal para obter recursos para o estado.
Ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, ele rejeita a ideia de um plebiscito para tratar da questão do aborto e defende um projeto de planejamento familiar que facilite o acesso das mulheres a cirurgias de laqueadura. Entre seus principais projetos para uma nova legislatura, diz, está a criação de uma CPI que busque soluções para a fragilidade das fronteiras, por onde passam armas e drogas. É o quarto candidato ao Senado pelo Rio entrevistado nesta série:
(Vídeo: Veja trecho da entrevista com o Senador Marcelo Crivella)
O GLOBO: Há três candidatos no Rio – o senhor, Lindberg Farias (PT) e Jorge Picciani (PMDB) – disputando o apoio do presidente Lula, e são duas vagas para o Senado. Quem está sobrando nessa equação?
MARCELO CRIVELLA: Acho que essa pergunta tem que ser feita ao presidente Lula, mas nesta segunda-feira eu e Lindberg estivemos em Brasília e o presidente gravou veemente apoio para nós.
O GLOBO: O senhor diz que uma boa relação com o presidente facilita obter recursos para o estado, além de parcerias. É preciso ser amigo do presidente para isso? Esse é um argumento, como se está dizendo hoje, republicano?
CRIVELLA: Enquanto não tivermos um orçamento imperativo, é da política brasileira. O cobertor é curto. É preciso que a gente tenha trânsito e, pelo menos, sente numa mesa para negociar. O presidente Lula nunca viu a questão de partidos, mas um mínimo de diálogo é importante. O ideal é que não fosse assim. Mas é a natureza humana.
O GLOBO: A ONG Transparência diz que o senhor foi o terceiro senador com o maior número de propostas impactantes apresentadas (103) e só cinco aprovadas.
CRIVELLA: São 190 proposições apresentadas, 36 aprovadas e cinco sancionadas. E isso (cinco sancionados) é um recorde.
O GLOBO: Dos seus projetos, qual considera mais importante?
CRIVELLA: O fundamental para o Rio foi, em 2004, o que deu poder de polícia ao Exército para combater o tráfico de drogas e armas nas fronteiras. Foi sancionado pelo presidente da República e recentemente ampliado, porque o presidente estendeu esse poder à Aeronáutica, no espaço aéreo, e à Marinha, na costa. Desde então, vários quartéis no Rio foram transferidos para as fronteiras. A fronteira com o Peru, Colômbia, Bolívia e Paraguai é um deserto demográfico e, por ali, entram toneladas de cocaína e armas, que vêm infernizar nossa vida aqui. Nossas fronteiras são quintais abertos. Se voltar para o Senado, quero fazer a CPI das fronteiras.
O GLOBO: Qual o objetivo?
CRIVELLA: Quero convidar o governo, a Polícia Federal, o Exército, a Marinha, a Aeronáutica, líderes políticos locais para discutirmos uma política de fronteira. Não podemos continuar como está. Nós tínhamos que ter pelo menos uma vigilância aérea, com aeronaves não tripuladas, ligadas a um centro de informação, vigiando isso. Precisamos ter um plano de fronteiras.
O GLOBO: E em relação aos royalties do petróleo, o que pode ser feito?
CRIVELLA: O Congresso, fora do período eleitoral, vai discutir isso com uma temperatura mais baixa. Tenho a convicção de que o ato jurídico perfeito, o contrato assinado, não se mexe. Pode ser que, na hipótese mais desfavorável, surja uma PEC (proposta de emenda constitucional) para a gente mexer na Constituição e na distribuição dos royalties.
O GLOBO: Qual a estratégia para evitar que o Rio perca esses recursos (R$ 7 bilhões por ano)?
CRIVELLA: Houve um marco regulatório votado na Câmara. O (deputado) Ibsen Pinheiro apresentou uma emenda que dividiu os royalties (pelos critérios) do Fundo de Participação dos Municípios. Estávamos liquidados. No Senado, caiu. Foi aprovada uma emenda do Pedro Simon. Por ela, o Rio não perde nada. Vamos dividir os royalties pelo FPM e FPE (Fundo de Participação dos Estados). Porém, a diferença entre o que o Rio e seus municípios recebem hoje e vão receber será compensada pelo governo.
O GLOBO: O governo diz que não vai pagar essa conta.
CRIVELLA: Acho que superamos a pior fase. E, se os royalties tiverem que ser distribuídos através de PEC, Rio e Espírito Santo terão uma distribuição diferenciada.
O GLOBO: Isso é um desejo.
CRIVELLA: Sou realista. Temos bons argumentos, sobretudo constitucionais.
O GLOBO: Que propostas tem para o próprio Congresso?
CRIVELLA: Temos que fazer a reforma política, voto em lista, partidos fortalecidos, dividir melhor o tempo de televisão e dividir melhor o fundo partidário. Precisamos de financiamento público e acabar com esse escárnio de, durante as eleições, vermos campanhas faustosas, perdulárias.
O GLOBO: O senhor está gastando quanto?
CRIVELLA: Cheguei a R$ 800 mil e apresentei previsão de campanha de R$ 1,5 milhão. Estamos vendo campanhas enormes. Se pudéssemos impedir essa figura terrível que é a compra de voto…
O GLOBO: No Rio, temos os currais eleitorais do tráfico e da milícia e os centros sociais. O que o senhor acha dessa questão?
CRIVELLA: Os centros sociais têm um risco grave quando as pessoas tentam impedir que o poder público chegue lá e o acesso seja republicano e democrático. O financiamento desses centros sociais nos preocupa muito. Acho que estamos avançando porque já vi no noticiário vários centros sociais sendo fiscalizados e fechados.
O GLOBO: O senhor falou em cabos eleitorais. Mas, perto dos templos da Universal, a gente vê fiéis fazendo sua campanha.
CRIVELLA: As pessoas votam com quem se identificam. E essa identificação, quando é de princípios, é boa. Quando é de interesses, já não é tão boa. Eu me orgulho muito de ter o voto que é de princípios. Os candidatos cristãos veem em mim uma voz para defender princípios que para nós são importantes. O Congresso deve ter representação de todos e eles são uma parcela importante da sociedade.
O GLOBO: E pedir votos em cultos?
CRIVELLA: O candidato que fizer isso vai perder voto. Não faço isso. As pessoas que vão à igreja não vão ali para discutir política. E não vão gostar de ouvir do púlpito um pedido de voto. Mas acho que essas pessoas são cidadãs e escolhem candidatos. E tenho a honra de ser escolhido por uma grande parcela delas.
O GLOBO: A candidata do PV à Presidência, Marina Silva, evangélica, diz que, apesar da posição pessoal dela, acha que é preciso um plebiscito para a questão do aborto. E é a favor da união civil do homossexuais. E sua posição?
CRIVELLA: Encontrei na África homens com muitas mulheres. Há também mulheres com muitos homens, as amazonas. Mas acho que o que prevaleceu é o homem e uma mulher. Voto contra.
O GLOBO: E o plebiscito?
CRIVELLA: Não sou favorável a plebiscito. Há temas que são plebiscitários, porém nós não podemos fazer uma democracia direta. Precisamos prestigiar o congresso eleito pelo povo. Sobre o aborto, acho que tem que defender os direitos humanos do feto e preservar a vida.
O GLOBO: Mas o aborto não é um questão de saúde pública?
CRIVELLA: É uma questão de planejamento familiar. Eu tentei mudar a lei de planejamento familiar. Essa lei é retrógrada. A mulher só pode fazer laqueadura, primeiro se o marido autorizar. O marido tem que assinar um documento, e a mulher tem que ter dois filhos, mais de 25 anos. Apresentei uma lei prevendo que as mulheres com 18 anos já estão maduras o suficiente, tendo filhos, para decidir por si mesmas se querem continuar tendo filhos ou se querem evitar para sempre.
O GLOBO: Outro tema polêmico na próxima legislatura deverá ser o controle social da mídia. Qual sua opinião?
CRIVELLA: Ficção. A civilização brasileira é extremamente democrática. Qualquer medida truculenta, qualquer medida que se extravase em controle da imprensa, da igreja, dos movimentos sociais, será um redundante fracasso. Não existe, mesmo o controle da internet.
O GLOBO: Isso foi colocado inicialmente no programa que a campanha da candidata do PT, Dilma Rousseff, apresentou no TSE, e depois foi retirado numa segunda versão. E (o ex-ministro e deputado cassado José) Dirceu disse que o PT sairá mais forte se ela ganhar
CRIVELLA: A Dilma é contra qualquer tipo de tirania (…). Eu vou dizer uma coisa, enganam-se aqueles que acham que poderão tirar da Dilma o amadurecimento da sua radiosa personalidade. Ela é uma mulher que sabe a missão que tem. É madura. O Lula via também nela a pureza que havia em sua mãe. Mas sabia que, por trás daquelas barreiras naturais, havia um poço de ternura.
O GLOBO: O senhor acha Dilma um poço de ternura?
CRIVELLA: Acho que ela é um poço de ternura quando deve, mas também é firme o suficiente para tomar as melhores decisões para o país.
O GLOBO: Na sua campanha à prefeitura, há dois anos, o senhor lançou o projeto Cimento Social, no Morro da Providência. O convênio do Ministério da Defesa repassava R$ 12 milhões para o projeto. No seu site o senhor diz que concluiu 55 casas.
CRIVELLA: Não seja maldoso. Tínhamos que tomar uma decisão. Não podíamos ter um Rio de Janeiro com tanta favela. O que temos que fazer para nos redimir dessa vergonha extrema? Levei para o Lula. E disse a ele que custa tanto. Vamos fazer? Ele perguntou em quanto tempo e disse, três dias (erguer uma casa pré-moldada). E com mão de obra local. Então ele disse, vamos fazer. Chama o Márcio (Fortes, ministro das Cidades) vem cá conversar com ele. E aí começamos a desenvolver. Vim ao prefeito Cesar Maia. Ele tinha um excelente secretário de Assistência Social (Marcelo Garcia). Fomos para lá, fizemos uma feijoada na comunidade, apresentamos o projeto, elaboramos o projeto, orçamos e aí veio a vaia do Pan-Americano (o presidente Lula foi vaiado na abertura dos jogos).
O GLOBO: A vaia ao presidente enterrou o projeto?
CRIVELLA: A vaia do Pan, ali, barrou. O presidente disse: Crivella, não temos parceria com a prefeitura. Eu então apresentei ao Exército. Pedi que não houvesse a ocupação militar, mas o general decidiu diferente. E houve aquele crime hediondo, aquele crime bárbaro (três jovens da comunidade entregues por militares ao tráfico foram mortos). A obra foi embargada e, passada a eleição, no dia seguinte, voltei para lá e com recursos próprios.
O GLOBO: O senhor gastou quanto?
CRIVELLA: Mais de um milhão de reais.
O GLOBO: Falando ainda em recursos próprios: suas declarações de 2008 e 2010 ao TRE demonstram um crescimento patrimonial de 400%, com um patrimônio hoje de R$ 739 mil? O senhor poderia explicar essa evolução em apenas dois anos?
CRIVELLA: Os R$ 720 mil não são meus bens, porque eu comprei um apartamento de R$ 600 mil, mas paguei R$ 400 mil. O resto foi financiado. E o automóvel que tenho custa novo R$ 50 mil, mas hoje deve estar valendo R$ 40 mil. Agora, o rendimento que tenho e que toda a vida foram doados, nos oito anos de Senado, eu recebi em direitos autorais R$ 4 milhões. São da venda de CDs e livros. Em 2006, em direitos autorais, só fiquei atrás do Roberto Carlos.
O GLOBO: O senhor apoia quem para governador?
CRIVELLA: O meu partido (PRB) deixou em aberto. Eu procurei sempre aqui ajudar os governos do meu estado, fazendo uma parceria com ministros para ajudar prefeitos, governadores e nunca vi a questão partidária para isso. O Eduardo (Paes) mesmo esteve agora lá no Senado e nós, juntos, conseguimos aumentar a capacidade de endividamento do Rio de Janeiro.
O GLOBO: Mas em quem o senhor vota?
CRIVELLA: O candidato do presidente Lula aqui é o Sérgio Cabral.
Fonte: O Globo