O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PL – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, ocupo a tribuna do Senado Federal para me pronunciar sobre algo que tem afligido a minha alma de maneira muito drástica. Refiro-me às freqüentes notícias na mídia sobre crimes que envolvem familiares.
Sr. Presidente, segundo estatísticas publicadas nos jornais, mais de 60% dos assassinatos cometidos hoje no Brasil são entre pessoas amigas, e mais da metade deles entre pessoas da mesma família.
Por isso, aqui estou exatamente para que possamos, nesta Casa Parlamentar, pensar no destino, nos caminhos da nossa sociedade, nos valores que agora estão sendo abalados no seio da família, levando filhos a matarem brutalmente seus pais ou mesmo praticar esse crime contra irmãos.
De início, podemos estabelecer uma nítida fronteira entre os assassinatos ocorridos no seio familiar, decorrentes de desequilíbrios, da patologia de seus autores, o que independe, em grande medida, da vontade dos integrantes de qualquer família.
Esses casos, que durante a maior parte do século passado representavam a causa predominante da ocorrência de crimes, estão cedendo o seu lugar a uma categoria comportamental desvinculada de qualquer anomalia de fundo patológico, pois estão se proliferando, larga e cruelmente, os criminosos de perfil considerado absolutamente normal, em que o moto criminoso está exclusivamente vinculado a divergências comportamentais de um membro com outro, dentro da própria família.
É sobre esse novo grupo de criminosos que deve pairar a nossa mais profunda reflexão. Precisamos pensar, falar, discutir, encontrar caminhos que nos mostrem as causas que levam pessoas que convivem intimamente, e que nos faria supor uma relação afetiva positiva, a resolverem suas diferenças de forma drástica e infelizmente definitiva, resultando na morte de pessoas que deveriam ser amadas.
O elenco de causas é efetivamente amplo e disperso, pois incluem desavenças conjugais, relações paternais, o papel da mulher, as questões financeiras e, ultimamente, a incidência desestabilizadora do uso da droga por um ou mais dos familiares.
Todas essas causas convergem, como bem resumiu o jornalista Carlos Alberto di Franco, em artigo recentemente publicado no jornal O Globo, no “esgarçamento das relações familiares”, no que ele intitulou um “blecaute de família e autoridade”.
Inicio minha reflexão, pois, no que efetivamente causou e continua causando a desestruturação das famílias. Origens endógenas e exógenas compõem um quadro de fatores, que, embora distintos, convergem.
A referência das funções paternas e maternas, historicamente responsáveis por uma qualidade intrínseca à missão de criar filhos, vem sendo paulatinamente perdida desde a segunda metade do Século XX, quando os movimentos culturais e comportamentais conduziram a uma apologia do “não diga não”, ocasionando uma perda de limites para as crianças de então, pela carência de referências morais e âncoras afetivas, ambas firmes e formadoras de caráter.
Essa verificada ausência de responsabilidade por parte de toda uma geração de pais foi objeto de uma tentativa de transparência para a escola, a qual não estava e continua não estando preparada para tal missão.
Em paralelo, no cenário exógeno, a geração de renda familiar foi também intensamente alterada nos últimos anos, modificando-se, para isso, o papel da mulher na sociedade, retirando-a da contínua assistência às coisas do lar, para uma situação de provedora de recursos e mesmo de chefe de família.
Da mesma forma, o expressivo aumento da competitividade interpessoal no ambiente de trabalho conduziu a uma deturpação de valores, em que o “ter” passou a ser mais considerado do que o “ser”. Para conviver com esse novo paradigma, homens e mulheres se viram forçados a um expressivo consumo de tempo nas atividades profissionais, que os afastou ainda mais do convívio familiar.
Sr. Presidente, uma das causas que se sobrepõem ao grave cenário sobre o qual discorro merece uma reflexão mais específica. Refiro-me à questão das drogas. Sobre essas, prefiro enquadrá-las num misto de causa e conseqüência, uma vez que a incidência nesse terrível vício é extremamente baixa em famílias bem ajustadas. Estudos sociológicos e psicológicos de alta confiabilidade indicam um desajuste no relacionamento familiar como uma das principais causas de ingresso no cenário das drogas. Mesmo as atualmente naturais pressões do ambiente social não têm o poder de confundir um jovem moralmente bem informado e firme em seus valores de forma a incitá-lo ao consumo e à dependência de drogas.
Reconheço, finalmente, que, sob tal pano de fundo, o exercício da autoridade no ambiente familiar tornou-se extremamente difícil e mesmo impossível, fazendo com que a primazia do consumo viesse a imperar com sua inerente falácia de ausência de limites. Assim é que passam a ocorrer revolta e desajustes, quando da impossibilidade de realização de qualquer desejo por parte de um integrante da família ainda financeiramente dependente.
O quadro que descrevo é sumamente grave e não me sentiria cumpridor de meus deveres, se não enveredasse também por algumas reflexões sobre alternativas para minoração dos problemas que até agora abordei.
Diversas são as frentes em que devemos atuar, tanto na consolidação das células familiares, como na oferta de novas perspectivas sociais que propiciem oportunidade de vida digna e responsável para todos.
Tenho consciência que o novo modelo de geração de renda familiar não parece passível de mudança no que tange à participação de ambos, pai e mãe, na vida profissional, o que significa ser imprescindível que a sociedade consiga prover uma alternativa de construção e manutenção de valores para os jovens.
Isso demandará uma reformulação conceitual da filosofia da educação, agregando, aos atuais objetivos de transmissão de conhecimento, outros ainda mais relevantes de formação de padrões morais e comportamentais. Para tanto é fundamental uma revisão no que se vai ensinar, como se vai ensinar, quando se vai ensinar. Ou seja, novas disciplinas, novos métodos e, certamente, maior intensidade de carga horária para que os jovens estejam sujeitos a novos conceitos de relacionamento durante todo o tempo em que estiverem privados da companhia de seus pais.
Para a implementação de tal modelo, em que a docência irá pressupor não somente o conhecimento do conteúdo, mas a experiência e o regramento da sua transmissão, pode-se pensar seriamente na utilização de mão-de-obra de terceira idade para suprir, em quantidade e qualidade, um novo cenário de educação. Tal inclusão social teria efeitos altamente benéficos para todos, pois, além do aproveitamento da maturidade dos mais idosos, teríamos um relevante componente de respeito entre gerações no sentido de resgatar uma autoridade inerente à diferença de idades.
Um novo paradigma de completude do ensino, em que o exercício da solidariedade venha a ser um vetor positivo e a certeza da punibilidade seja um vetor restritivo, terá, sem dúvida, o poder de formar um novo patamar de comportamento, que seria transferido de volta ao ambiente familiar.
Nesse ambiente, torna-se fundamental resgatar a qualidade das relações interpessoais, em que convívio e diálogo, numa premissa de apoio e respeito mútuos, devem ser os pilares do relacionamento entre seus integrantes. No entanto, deverá estar inserida nesse relacionamento a noção de autoridade, firme e indeclinável, por parte daqueles a quem cabe o papel de exercê-la.
Sr. Presidente, a missão de pensar, modelar e estruturar um novo caminho para a família brasileira é extremamente difícil, mas nela repousa a maior esperança de que podemos estancar essa grave tendência de sua deterioração e restaurar essa célula fundamental, que é o baluarte da constituição da nossa sociedade.
Sr. Presidente, ao falar aqui sobre família, falo sobre Deus. Há muitas definições para Deus. Mas, sem dúvida, a mais bonita é a de que Deus é família. Deus é Pai; Deus é Filho; Deus é Espírito Santo. Deus é família. E não existe coisa mais importante em nossa Nação, para cada um de nós, Senadores, no plano pessoal, do que a nossa própria família. A família brasileira tem sido vítima de contínuas crises econômicas, somando-se a isso crises morais. Há uma decadência nos meios de comunicação. A televisão, hoje, cumpre, muitas vezes, principalmente no período da tarde, o papel de mãe, de pai, de entreter, de educar, e acaba transmitindo conceitos tão errôneos, tão desfocados para nossos jovens.
Quando vemos, nas favelas, nos bairros pobres, um filho matar o pai, costumamos dizer que isso acontece em decorrência de problemas econômicos, de fome, de falta de perspectiva, de inveja, seja lá do que for. Mas, e quando isso ocorre em uma família de alta renda, em que a assassina já viajou para Europa, para os Estados Unidos, tem carro próprio, estuda numa boa faculdade, e não lhe falta nada? Por que uma moça, um rapaz, numa situação dessa, mata seus próprios pais?
É por isso que estou hoje, aqui, nesta tribuna. Tenho certeza de que precisamos todos, do Executivo, do Legislativo, do Judiciário e membros da nossa sociedade, de uma forma geral, pensar na família que está sendo gerada neste País, fruto do exemplo de cada um de nós, das nossas ações, que repercutem como uma pedrinha irresponsavelmente lançada em uma lagoa, que provoca, num esforço centrípeto, ondas que vão bater em todas as direções.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, quero crer que este País não muda sem que nós todos tenhamos como prioridade a família brasileira. Por isso, tenho elaborado um projeto de lei que dispõe que todas as empresas que derem oportunidade ao filho do operário, de ser contratado e trabalhar junto com o pai, na mesma fábrica, no mesmo ambiente, no mesmo comércio, na mesma indústria, possa se beneficiar de incentivos fiscais. Creio que manter filho e pai, ou filha e mãe, no mesmo ambiente, poderá dar uma nova direção, um novo caminho, uma nova oportunidade para tantas famílias que hoje estão cada vez mais distantes e, por isso mesmo, tristes, solitárias e vítimas de si próprias.
Sr. Presidente, era o que eu tinha a anunciar em meu discurso.
Que Deus abençoe o Brasil!