O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, eu preparei um discurso para falar sobre o PAC, mas não irei falar sobre isso, Sr. Presidente, porque hoje, ao ler os jornais da minha terra, tomei conhecimento de um crime bárbaro, um absurdo, uma tragédia que não me sai da cabeça, Sr. Presidente.
V. Exª sabe que o Rio de Janeiro atravessa momentos de violências inomináveis, mas, ontem à noite, uma mulher, aos seus 41 anos, mãe de uma família da Zona Norte do Rio de Janeiro, trafegava por uma avenida de alto trânsito, Cascadura–Madureira, tendo a seu lado sua filha de 13 anos e seu filho, um menino de seis anos, sentado no banco traseiro.
A mãe, preocupada, pediu a ele que pusesse o cinto de segurança sem saber que estava lhe dando a sentença de morte. Alguns sinais à frente, o menino, obediente, foi surpreendido por dois loucos, facínoras que, aos berros e com armas apontadas para essa senhora indefesa, obrigaram-na a sair do carro e a correr para não morrer com um tiro na cabeça. A mãe, no seu desatino, afasta-se do carro e o menino perde a noção da vida, das coisas, acompanha sua irmã e sua mãe se afastando e, um tanto desesperado, tenta tirar o cinto que o prendia ao banco do carro, mas não consegue. Ele abre a porta, tenta pular, mas fica preso pelos pés.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o João, de seis anos, que está sendo enterrado agora no Cemitério da Saudade, no Rio de Janeiro, foi arrastado por seis quilômetros com a cabeça pendurada pela porta de trás do carro, que foi esmagada, esfacelada no meio-fio, na lama, na sujeira, nos bueiros, nos quebra-molas, ensangüentando a carroceria desse carro.
Eu vivo no Rio há muitos anos, vivi na África dez anos. Já vi coisas terríveis, mas nada como isso. A que ponto chegou o Rio de Janeiro! Arrastado com a cabeça daquele menino vai ali o nosso sistema de segurança, a nossa capacidade política de conter a violência, vão ali as denúncias dos meios de comunicação, vão ali as sentenças, os processos, a ação da Justiça. Sr. Presidente, ali estamos todos esfacelados, na dor dessa mãe, dessa criança, dessa família, que nunca mais vai ser a mesma.
Quem acompanhou a tragédia e chegou ao corpo do menino – está hoje nos jornais – teve a visão de uma criança já sem os olhos, já sem parte do ouvido, do nariz.
O Sr. Almeida Lima (PMDB – SE) – Senador Marcelo Crivella, V. Exª me concede um aparte?
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Pois não, Senador Almeida Lima.
O Sr. Almeida Lima (PMDB – SE) – Agradeço o aparte que V. Exª me concede. Quero me solidarizar com essa família e com a população do Estado do Rio de Janeiro, mas quero também dizer o seguinte, com todo o respeito que tenho por V. Exª, que integra a base de apoio ao Governo do Presidente Lula da Silva. Vi uma publicidade enorme nos últimos dias ou no início do novo Governo do Presidente Lula e do Governador do Estado, que aceitou a presença das Forças Armadas, de um contingente especial de segurança como sendo a salvação, como sendo a solução para a segurança pública no Estado do Rio de Janeiro. V. Exª, que integra a Bancada do Governo, o que poderia nos dizer neste instante a respeito da segurança pública patrocinada pelo Governador que inicia seu mandato, aliado do Presidente Lula, que destacou o Ministro da Justiça, personalidades e força pública para a solução do problema? O que V. Exª poderia nos dizer então a esse respeito, já que integra a base de sustentação do Governo, juntamente com o Governador do Estado, embora V. Exª tenha concorrido àquele mandato com ele?
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Senador Almeida Lima, V. Exª sabe do respeito, da admiração e do carinho que tenho por sua pessoa, mas não tenho cabeça agora para debater aspectos políticos dessa crise, que é tão grave. Não saberia apontar culpa, assumo parte dela.
Quero dizer a V. Exª que…
( Interrupção do som.)
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Só para terminar, Sr. Presidente. Senti-me arrastado também com aquela criança, como cidadão do Rio de Janeiro e, mais ainda, como Senador, por talvez nada ter feito, nada ter proposto.
Mas quero que a D.Rosa possa contar com a solidariedade de nós todos.
Senador Almeida Lima, apresentei um voto de pesar desta Casa a essa família do subúrbio do Rio de Janeiro que teve, ontem, seu filho…Senador Antonio Carlos Magalhães, V. Exª mais do que ninguém sabe a dor de se perder um filho que ama tanto. V. Exª sabe disso. A gente sonha para o filho sempre muito mais do que teve na vida. O filho é a esperança, é o que a gente fez de errado e quer consertar. São as boas virtudes. Deus, quando pensou em alguma coisa boa para nos dar, a par de todo o universo, deu-nos seu Filho. O filho da D.Rosa já não está mais entre nós. Morreu arrastado seis quilômetros por dois facínoras que desceram do carro e saíram andando, seguramente também arrastados pelas drogas, pelas desigualdades, sei lá.
O Sr. Almeida Lima (PMDB – SE) – Senador Marcelo Crivella, desculpe-me pela minha impertinência, mas quero me solidarizar – e não o fiz no aparte anterior – com V. Exª. Sinto a preocupação, a dor, mas nestes momentos de dores infelizes, de muita contrariedade e resignação é preciso que tornemos esse fato não apenas um relato de um trágico e miserável acontecimento, horroroso, mas que também chamemos a atenção das autoridades deste País. Não posso deixar de levar para o campo da política porque é a política que decide a segurança e a normalidade da vida das pessoas. Recordo-me, como V. Exªs e o povo brasileiro, de que, antes da eleição para Presidente, no ano passado, o Partido dos Trabalhadores e o Presidente Lula fizeram campanha eleitoral com a miséria de São Paulo, com a insegurança pública daquele Estado, criticando o Governo do PFL e do PSDB. Afirmavam o Presidente e o Ministro Márcio Thomaz Bastos que o governo do Estado não aceitava a contribuição do Governo Federal pelas Forças Armadas e pela Força de Segurança Nacional e fizeram campanha política. Mas o Governador do Rio de Janeiro aceitou. E como se encontra a segurança pública do Rio de Janeiro? Um caos. Por isso, nossa indignação, neste momento, tem de ser política, de solidariedade àquela família, ao povo daquele Estado, mas de crítica dura e contundente a este Governo, que só sabe mentir e usar esses fatos em momentos prévios de campanha eleitoral, para deles se aproveitar, como se aproveitaram na eleição do Estado de São Paulo e para a Presidência da República. Se agissem com seriedade, como homens públicos dignos e honrados, não estaríamos nessa situação de intranqüilidade no Estado do Rio de Janeiro e em todos os Estados da Federação brasileira. Minha solidariedade a V. Exª e ao povo do Rio de Janeiro.
O Governo Lula precisa deixar o discurso de lado, mentir menos, ser menos demagogo, usar menos a publicidade e atender às necessidades do povo. Doeu em V. Exª, muito mais naquela família e também em todos nós ouvir esse pesaroso relato que V. Exª faz neste instante. Estamos – para usar uma expressão do meu Estado Sergipe – entregues às baratas e não a um Governo, a um Chefe de Estado que procura respeitar a tranqüilidade, a segurança, a vida das pessoas. Muito obrigado, Senador Marcelo Crivella.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Senador Almeida Lima, a política de segurança pública já não é deste governo que tem fracassado. Seria encontrar um caminho curto para expressar tamanha dor colocar a culpa apenas neste governo ou no que passou.
Saiba V. Exª que, esta manhã, assistia à televisão e, nos meios de comunicação, dava-se a notícia de um padre que, no interior de São Paulo, fugiu com uma senhora casada. Gastaram cinco minutos denegrindo a figura daquele padre. Não sou católico, mas sei o prejuízo que significa para um País perder sua fé em Deus e nos ensinamentos de Cristo – talvez aí estejamos mais perto da solução do problema. Logo em seguida, vi um baile funk. Meninas de 14, 15 e 16 anos dançavam seminuas. Vi isso às 8 horas, quando tomava café.
No meu Estado, Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça escala promotores, escala defensores públicos para irem aos bailes funk. Eles não comparecem, faltam à escala, porque não agüentam ver meninas beijando seis, sete, oito rapazes, passando de mão em mão, embriagando-se. Um deles me disse que bebem vodka com água de bateria e usam drogas como se estivessem nos templos de Baal, o que fez com que o Profeta Elias clamasse no monte, pedindo ao povo consciência. O problema é complexo. Não apontarei os culpados.
O Sr. Magno Malta (Bloco/PR – ES) – Permite-me V. Exª um aparte, Senador Marcelo Crivella?
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Assumo parte dessa culpa, talvez por não ter sido tão bom pastor como deveria ter sido. Mas o que trago hoje, aqui, e que magoa tanto o meu coração é essa cena, que não sai da minha cabeça. Quero, portanto, solidarizar-me com essa família por esse trágico acidente.
Ouço V. Exª, Senador Magno Malta.
O Sr. Magno Malta (Bloco/PR – ES) – Senador Marcelo Crivella, respeitando os oradores, concordo com V. Exª em gênero, número e caso. Tenho 25 anos com a minha família – esposa e três filhas – e digo que tiramos drogados das ruas, marginais nas cadeias, meninos alcoólatras de oito anos de idade, fumadores de crack de oito e nove anos, traficantes de crack com dez, onze anos, pessoas com setenta, oitenta anos. Estamos cultuando a indignidade, fazendo reverência à imoralidade. Billy Graham disse que a moralidade dos nossos dias não é nada mais, nada menos do que a velha imoralidade. Segurança pública tem sido a minha luta, a minha bandeira. E, às vezes, sinto-me como João Batista, uma voz que clama no deserto, porque a coisa não é nova, ela vem se avassalando. A Senad foi criada há 12 anos para instituir uma política de prevenção, que não se estabeleceu. Temos a decadência das polícias, a falta de iniciativa, a ausência do Estado nos lugares mais pobres, onde o tráfico de drogas se estabeleceu como o próprio Estado; a corrupção dos sistemas e o estado bandido dentro do Estado de direito, o chamado crime organizado, que é o salvo-conduto de toda essa indignidade – e agora pior, pois não se pode punir o usuário de drogas, que é quem financia toda essa desgraça. Hoje, pela manhã, ouvi o relato desse assalto: uma mãe sai do carro, tira os outros filhos, tenta tirar o filho de seis anos, não consegue. Os assaltantes puxam o carro e andam quatro quilômetros arrastando o menino. Eu ia falar sobre esse tema por sofrimento como pai, para solidarizar-me com essa família, como V. Exª, que está sofrendo a dor desse incidente trágico no Rio de Janeiro. Sempre teremos incidentes trágicos, até porque a violência nunca vai acabar. Minimizaremos os problemas, mas a violência nunca vai acabar. Concordo com V. Exª que isso não é coisa nova, não surgiu no Governo Lula nem no Governo Fernando Henrique Cardoso. A situação vem piorando de governo a governo, porque não temos investimento em uma política séria de segurança nacional, de unificação de polícia, de criação de um Ministério, com verba carimbada para a segurança pública, como se tem para a educação. E precisamos ter. Fico triste, porque sou pai do filho de muita gente. A minha esposa é mãe do filho de muita gente. Sou pai de homem de 80 anos, de 50 anos, de 70 anos, de 13 anos, de 12 anos, de nove anos, de oito anos, por 25 anos em minha vida. É o único ar que sei respirar. Então, a exemplo de V. Exª, não debitaria esse momento triste no colo de ninguém; todos somos devedores. Uma sociedade de bêbados, que comemora aniversário de criança com bebida alcoólica; uma sociedade de fumantes – o tabagismo mata dez pessoas por hora neste País; uma sociedade onde tudo que se faz é acompanhado de bebida, por consumidores de álcool – álcool é vendido em postos de gasolina. A sociedade, com esse comportamento hipócrita, é que deve, porque todo aquele que está na ilegalidade, na droga ilegal, praticando crime, cheirando cocaína, fumando crack, começou no álcool, porque se inspirou naqueles que deram mau exemplo, muitas vezes as próprias autoridades – civis, religiosas, políticas, militares. Vivemos numa sociedade hipócrita que se alcooliza, que fuma e que produz e coopera com este momento desgraçado que está vivendo. Então, a dívida é de todos nós: de V. Exª, minha, dessa sociedade hipócrita, que depois debita essa violência tão-somente na conta daqueles que estão envolvidos com a droga da ilegalidade. Não sei se contribuí com seu discurso ou se o atrapalhei.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Não, V. Exª contribui muito.
O Sr. Magno Malta (Bloco/PR – ES) – Mas era necessário falar isso, porque V. Exª fala com coração sacerdotal, de quem conhece o problema na sua raiz e no seu final, de quem está acostumado a colocar nos braços a mãe que chora, o pai que agoniza, que se desespera, o filho desesperado que bate às nossas portas, e não há uma outra saída. O grande problema disso é que ainda somos os ridículos – as igrejas, quem fala da Bíblia, do Evangelho, dos ensinamentos de Jesus, de saída para a família – somos os zombados, que temos prestado os maiores serviços dos mais dignos e contundentes à sociedade brasileira! Não há obra social mais contundente do que a prestada pela igreja neste País. Mas somos os ridículos, os debochados. Aliás, isso é até muito bom, porque Jesus disse: “Bem aventurado sois vós quando vos injuriarem, perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por minha causa”. Precisamos continuar, porque é a única saída, embora possamos ter todas as estratégias políticas, militares ou toda a boa vontade política. Com relação à vontade política, o homem erra, porque acha que começa aqui, mas tem de começar aqui para depois vir para cá. É preciso continuar amando. A única saída é Deus no coração da família. Fora disso, não imagino mais nada. Passei 25 anos tirando bandido da rua, recuperamos 85% dos que passam por lá, e o único remédio que temos é Deus de manhã, Jesus meio-dia e o Espírito Santo de noite. E tem dado certo ao longo de 25 anos. Portanto, não sei se colaborei ou se atrapalhei, mas parabéns a V. Exª pelo seu pronunciamento.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Muito obrigado, Senador Magno Malta.
Já passei do meu tempo, mas encerro dizendo que, como Senador do Rio de Janeiro, manifesto total solidariedade. Tenho certeza de que falo ao coração de todos os Senadores que assinam comigo o voto de pesar à Dona Rosa, pelo passamento, de maneira tão trágica, do seu filho que está sendo enterrado agora no Rio de Janeiro.
Saiba ela que morre ali um pedaço do Rio de Janeiro, morre um pedaço da nossa cultura, da nossa arte, da nossa simpatia, do Rio festa, do Rio alegria, do Rio das crianças.
Faço, como o Senador, um último apelo: que a imprensa – e a capa do jornal O Globo mostra o Cristo Redentor, profanando o sagrado ou sacralizando o profano – deixe os católicos serem católicos, deixem os evangélicos serem evangélicos, com seus erros, seus acertos, mas é a nossa fé. E temos certeza de que o povo brasileiro precisa de fé.
Muito obrigado, Sr. Presidente.