O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srs. Senadores, senhoras e senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado, senhores e senhoras presentes ao nosso plenário, eu gostaria de hoje, na tribuna do Senado, cumprir o que talvez seja o dever precípuo de todo Senador da República, que é defender os interesses do seu Estado. Ao fazê-lo, sei que reforço os laços do sistema federativo, tema de um dos meus mais recentes pronunciamentos nesta Casa, bem como da Comissão, criada por meio de um requerimento de minha autoria e que hoje se encontra em instalação, para discutir o pacto federativo.
Sr. Presidente, o Estado do Rio de Janeiro tem sofrido, ao longo das últimas cinco décadas, um processo de esvaziamento político, o qual resultou em gradativa asfixia econômica. Para me fixar em um conjunto restrito de bons exemplos, perdemos uma miríade de órgãos federais, tanto da administração direta quanto da indireta, como sedes de ministérios e empresas estatais.
Em paralelo, outra grande crise, deflagrada a partir de 1979, assolou a indústria da construção naval fluminense. Um longo período agônico estabeleceu-se, então, em setor tradicionalmente pujante em território carioca e fluminense. E quando falo em tradição, Sr. Presidente, não cometo nenhum exagero. As primeiras embarcações de tipo europeu construídas no Brasil foram dois bergantins feitos no Rio de Janeiro no remotíssimo ano de 1531.
Em 1655, Salvador Correia de Sá e Benevides, descendente do Governador-Geral do Brasil Mem de Sá e do Fundador da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, seu sobrinho, Estácio de Sá, construiu embarcação que, segundo o historiador Luiz Felipe de Alencastro, provocou assombro na época. O galeão “Padre Eterno” tinha 53 metros de comprimento e duas mil toneladas. Munido de 144 canhões, era peça fundamental para o projeto de afirmação do Império Lusitano, logo após a guerra de reconquista de Angola, que se encontrava sob domínio batavo.
Sr. Presidente, quando V. Exª for ao Rio de Janeiro e descer no aeroporto do Galeão, atual Tom Jobim, aquele bairro se chama Galeão porque, em 1608, 1610, 1620, Salvador Correia de Sá ali estabeleceu o seu estaleiro e ali fabricava os galeões.
Srªs e Srs. Senadores, essa rica tradição, robustecida por incontáveis desenvolvimentos tecnológicos e know-how próprio é o que ameaça soçobrar caso algo não seja feito. Agora em maio, o diretor de planejamento do BNDES, João Carlos Ferraz, afirmou que “o Brasil vive sua quarta chance histórica de se consolidar como polo construtor naval”. Não podemos desperdiçar a chance!
E o que, exatamente, nos ameaça? – pergunto eu. No início da década de 2000, sobretudo a partir do Governo Lula, em 2003, as encomendas da Petrobras, por meio da Transpetro, promoveram um renascimento na indústria naval brasileira e, em particular, na fluminense, resultando na reabertura de estaleiros nacionais.
Um novo ciclo virtuoso se instala com os planos de expansão das atividades da Petrobras, em vista da descoberta de jazidas petrolíferas extremamente promissoras. Com efeito, o pré-sal exigirá investimentos maciços em pesquisas, exploração direta, transporte e logística, além de novas tecnologias. Para a indústria naval e de offshore, o foco é a expansão da capacidade instalada e o desenvolvimento de tecnologias avançadas para atender à demanda maciça.
Ocorre, porém, que a extensa carteira de encomendas da Petrobras – de acordo com o quadro elaborado pelo Sindicato dos Estaleiros (Sinaval), serão construídas 214 novas embarcações no País até 2015, entre plataformas, navios e barcos de apoio – obedece a uma estratégia de descentralização, em desfavor do Estado do Rio de Janeiro. Penso, Sr. Presidente, que tal concepção comete ao menos um equívoco básico, qual seja, desprezar a rica, enorme e matizada expertise adquirida pelo Rio de Janeiro, configurada ao longo de muitos séculos.
Não tenho dúvidas de que o maior desafio atual não é o da descentralização, mas o da diversificação. Os estaleiros nacionais precisam – e as oportunidades estão dadas – alcançar o mercado internacional e os armadores privados. Antes disso, porém, uma etapa é fundamental: catapultar sua condição produtiva e, aqui, paradoxalmente, a Petrobras continua importante.
Na segunda metade de maio, a Transpetro anunciou a intenção de contratar 146 navios pequenos e de médio porte para operações petrolíferas em alto-mar. Estima-se que a licitação totalizará algo entre 8 e 10 bilhões de dólares, constituindo um pacote considerado estratégico pelos empresários do setor. E não só pelos valores envolvidos, mas também pelo potencial acesso a tecnologias de ponta e por redimensionar radicalmente o perfil da frota de apoio brasileira, hoje quase toda operada por bandeira estrangeira. Os especialistas são unânimes em defender a ideia de que as embarcações devem ser construídas no País e operadas sob bandeira nacional.
Sérgio Machado, Presidente da Transpetro, observou que não faltam pilares sólidos para o soerguimento da indústria de navios. Para ele,
“(…) reativar a indústria da construção de navios de grande porte trará um forte efeito multiplicador na economia. O Brasil será capaz de suprir a demanda interna por navios, com preços competitivos internacionalmente, o que criará um novo mercado exportador para o Brasil”.
Não se pode esquecer, ainda, que a construção de embarcações também gera encomendas para diversos outros setores. Lembremo-nos que “um navio é composto de mais de dois mil itens, e os efeitos dessa demanda se multiplicarão também pela indústria de fornecedores, gerando novos postos de trabalho”.
Em meados de maio, estive em reunião com representantes do setor naval, dirigentes da Transpetro, sindicalistas, um Conselheiro do Fundo de Marinha Mercante e o Presidente da Nuclebrás Equipamentos Pesados (Nuclep). Esta empresa estatal, Srªs e Srs. Senadores, encontrava-se sucateada. Porém, nos últimos anos, tem experimentado uma espetacular reação.
E eis um ponto central: a recuperação da Nuclep a habilita a produzir motores para navios de grande calado, em associação com a empresa finlandesa Wärtsilä. Caros colegas, são motores de alta tecnologia, que custam milhões de dólares, que mal cabem neste plenário. Produzi-los aqui significa gerar riquezas, aumentar postos de trabalho, incluindo um variado mercado secundário de manutenção.
É incontornável analisar a estrutura de financiamento quando falamos de cifras dessa envergadura. Felizmente, desde o fim dos anos 50, contamos com a valiosa contribuição do Fundo de Marinha Mercante (FMM). Os recursos dessa fonte, segundo Editorial da Revista Portos & Navios, “servem como uma blindagem contra a dificuldade de financiamento. No final do ano passado, o Conselho Diretor do FMM deu prioridade a 167 projetos, totalizando R$7,8 bilhões”. Porém, há sinais de que há gargalos na obtenção desses financiamentos, relacionados, sobretudo, às garantias exigidas pelos bancos operadores.
Na pauta dos problemas que afligem o setor no País, está, ainda, a discussão sobre a conveniência de se importar navios, posição que foi recentemente defendida pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários, a Antaq, mas que encontra resistências.
Temos outro objeto palpitante: a possibilidade de abertura da navegação de cabotagem para navios de outras bandeiras. Esse é um assunto complexo, a envolver dimensão econômica, mas também estratégica e política. Do ponto de vista estritamente político, há convergência dos especialistas quanto à necessidade de resguardar os serviços de cabotagem para os nacionais, a exemplo do que ocorre na União Européia e, principalmente, nos Estados Unidos, onde um navio levando cargas, por exemplo, de Nova Iorque para Washington, só pode ser um navio de bandeira americana, construído por armadores americanos e com tripulação americana. E é fundamental que o Brasil também tome essa posição política, para defender os empregos, para defender a indústria naval.
Enfim, Sr. Presidente, há uma gama de temas que estão a exigir um profundo debate e o equilíbrio das diversas posições. A Casa da Federação é, como todos sabemos, o fórum privilegiado para alcançar um consenso capaz de estabelecer as condições para que o País reencontre sua vocação de potência no ramo da construção naval. Não por acaso apresentei requerimento solicitando a realização da audiência pública para debater assuntos tão prementes e importantes para o Brasil e os brasileiros.
Sr. Presidente, ao concluir, quero aqui fazer uma saudação, em nome dos trabalhadores da indústria naval, ao Sr. Joacir Pedro, Presidente do Fórum Intersindical da Construção Naval, Diretor da União do Sindicato dos Petroleiros e também Diretor do Sindicato dos Petroleiros de Caxias lá, na minha terra.
Quero fazer uma saudação ao Presidente da Transpetro, Sérgio Machado, ao Dr. Rubens Teixeira, Diretor de Administração, e também saudar, na iniciativa privada, o Presidente do estaleiro Eisa, um insigne brasileiro, Dr. Manoel, que tem feito um esforço enorme para manter aquele estaleiro aberto e gerando mais de sete mil empregos.
Sr. Presidente, considero um tema fundamental para o Brasil e os brasileiros defender a sua indústria naval por todos os aspectos, por todas as relevâncias, por todas as razões. Ninguém abre mão disso, Sr. Presidente. Ninguém abre mão de salvaguardas como essa. Ninguém pode se considerar uma grande nação, um grande povo, culto, um povo desenvolvido, um povo que possa amanhã prevalecer nos grandes conflitos internacionais e nas controvérsias que desafiam a genialidade política das nações sem as suas peças importantes da indústria naval e da Marinha que servem nesses momentos supremos para um convencimento.
Desde 1658, na minha terra, Salvador Correia de Sá e Benevides, neto do fundador do Rio de Janeiro, já construía galeões. Não é possível que, na nossa geração, venhamos a perder todo esse know-how.
E termino, dizendo o seguinte, Senador Papaléo: os chineses estão construindo o maior navio do mundo, 500 mil toneladas – 500 mil toneladas! Esse navio vai fazer o trajeto, levando minério de ferro do Brasil para a China e trazendo carvão. Repito: 500 mil toneladas! O maior que temos hoje no mundo é de 300 mil. Agora está sendo construindo em estaleiros chineses. Mas de quem é o projeto? O projeto, para orgulho nosso, é de uma firma do Estado do Rio de Janeiro, de engenheiros brasileiros, de engenheiros fluminenses.
Era esse o meu pronunciamento. O Senador Cristovam Buarque certamente está vibrando, porque ele é o homem da educação, ele é o homem da tecnologia, da ciência. Então, hoje, V. Exª, por favor, guarde no mais profundo das suas lembranças sobre a pujança intelectual do povo brasileiro que o maior navio de transporte de carga do mundo, de 500 mil toneladas, foi projetado por engenheiros brasileiros do Rio de Janeiro.
Ouço V. Exª antes de concluir com o beneplácito, com a generosidade do grande amigo, do servidor do povo, Senador Papaléo Paes.
Ouço o Senador Cristovam.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT – DF) – Senador Crivella, realmente, o senhor tem razão. Eu estava assistindo aqui entusiasmado, mas lembrando um artigo de hoje, publicado no Correio Braziliense, assinado pelo Prof. Isaac Roitman, que é um Professor da UnB, em que ele diz: “Cansei de sofrer com o passado. Eu vou usufruir do futuro”. Ele aí assinala, no artigo, Senador Papaléo, que um relatório da Unesco diz que, no Brasil, diferentemente do começo do século XXI – portanto, é um relatório que ele imagina no futuro –, hoje, no Brasil, tem uma escola de qualidade para todos; que, hoje, no Brasil, não há nenhuma criança fora de uma escola em horário integral; que, hoje, no Brasil, os professores têm um salário dos maiores entre todas as categorias profissionais. Aí ele vai, e, no fim, ele diz: “O Brasil é um dos campeões mundiais em ciência e tecnologia. O Brasil é um dos países que podem se orgulhar de criar o pensamento que vai servir à humanidade inteira e ao País”. Obviamente, ele termina dizendo: “Prefiro sonhar com o futuro do que sofrer com o passado.” Quando o senhor traz isso aí, o senhor traz uma dimensão de que há coisas no presente que já no permitem ficar alegras, sem precisar sonhar, porque são realização. Coisas como, também, no Rio de Janeiro, a Fundação Oswaldo Cruz; como a Embraer Indústria, e o ITA – Instituto Tecnológico da Aeronáutica – o senhor, como engenheiro, o conhece bem.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Nós.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT – DF) – Nós. Verdade. Então, eu fico feliz com seu discurso, que traz: não sofrer só com o passado, não sonhar só como futuro, mas olhar, com clareza, as coisas boas do presente. Uma delas é esta: o Brasil é campeão na construção de grandes navios.
O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ) – Muito obrigado, Sr. Senador.
Senador Papaléo, mais não se podia dizer para terminar este pronunciamento de um obscuro, anônimo Senador, mas que foi muito enriquecido pelo meu colega Cristovam Buarque.
Obrigado.