O SR. MARCELO CRIVELLA (Bloco/PRB – RJ. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Muito obrigado, Senador Magno Malta. Minha admiração por V. Exª é crescente. É grande, mas crescente. V. Exª tem um trabalho nesta Casa extraordinário, que se ressaltou na eleição extraordinária que o povo do Espírito Santo lhe concedeu, renovando seu mandato por mais oito anos, para que, com a fibra de um gladiador, com o arrojo de um bandeirante e com a fé de um mártir, V. Exª continue a defender nossas crianças, levando à cadeia pedófilos e qualquer outro que pratique violência contra elas.
Quero, em primeiro lugar, agradecer a Deus, Senador Magno Malta, pela nossa reeleição. Tanto V. Exª como eu sabemos que, se não fosse Ele, nós não estaríamos aqui. Quero agradecer também ao povo do meu Estado do Rio de Janeiro, que, com uma generosidade extraordinária, não prestou atenção ao fato de o Senador Crivella ter apenas um partido com modestos quarenta segundos de tempo de televisão, contra dezessete partidos. Mas não eram apenas dezessete partidos, era o PMDB do Presidente da Câmara dos Deputados, do Governador do Estado, do Governador da capital e de mais 60 prefeitos, dos 92 do Rio; era o PDT do Brizola, era o PTB da Ivete Vargas, era o PSB de Arraes, eram todas essas constelações de grandes partidos, que, juntos e conjurados, marcharam – e marcharam de maneira conspícua, faustosa – e foram derrotados.
Então, V. Exª, que é um homem da política, mas também da fé, sabe que essas coisas só Deus pode fazer. Quando o menor se faz o maior e o último se faz o primeiro, é só Deus, é só Deus.
Ao povo da minha terra, a quem agradeço muito, estou escrevendo um discurso para poder marcar este momento e agradecer.
Quero saudar também a todos os meus companheiros, que lutaram arduamente, com dignidade, com honradez. Eu fui testemunha do trabalho, da assiduidade da presença de Senadores, como o Senador Mão Santa, o Senador dos mil discursos, incansável nesta tribuna. A todos os Senadores que lutaram pela democracia do meu País, enfrentando adversidades, não olhando para as dificuldades desse dilúvio de ódios e paixões que são as eleições no Brasil. E nós nunca soubemos domar, no Parlamento, esses ímpetos, esses arroubos, essas exorbitâncias do Poder, inclusive Legislativo. Inclusive Legislativo. Nós, então, sofremos.
Agora, meus companheiros mostraram uma tenacidade extraordinária. Alguns venceram, outros perderam, mas nenhum foi derrotado. Nenhum! Primeiro, porque derrotado é aquele que desiste, e nenhum desistirá da sagrada incumbência que um dia o povo nos deu de representar os anseios nacionais. Nós não desistimos. Temos um revés eleitoral, sofremos, como sofreram todos os grandes nomes. Supliciados foram Rui Barbosa, Epitácio Pessoa e seu sobrinho, João Pessoa, Silveira Martins, Washington Luiz, Otávio Mangabeira, Arthur Bernardes, Getúlio, Juscelino… Há uma constelação de líderes políticos. Eu seria fastidioso se ficasse aqui citando um por um dos que sofreram revezes eleitorais na sua carreira e nem por isso se diminuíram, nem por isso se abateram; pelo contrário, seguiram em frente, e o destino e o tempo mostraram que eram grandes brasileiros, que hoje estão sendo lembrados aqui, nesta tribuna, neste plenário, porque jamais desertaram da sua missão, que é uma coisa que a Nação nos dá e que se incorpora à nossa alma por gratidão e por amor do povo e que nós levamos até o último dia.
Como é o caso deste meu companheiro sobre quem hoje falarei e que morreu em uma campanha, nos embates da luta política, que lhes eram desfavoráveis. Desde o princípio, eram desfavoráveis. Mas isso pouco importa ao político, à alma política, ao vocacionado, ao predestinado, ao líder, ao amigo de todos, ao servidor do povo. Ele não olha essas coisas. Ele vai. Ele vai. É da alma, é da vocação, é da natureza.
Então, assim aconteceu, Sr. Presidente Magno Malta, Sr. Senador Mão Santa, Sr. Senador Eduardo Suplicy, senhoras e senhores funcionários, senhores telespectadores da TV Senado, senhores ouvintes da Rádio Senado. Foi isso o que aconteceu com o nosso companheiro. Faleceu Romeu Tuma. A causa da justiça perde um devotado soldado; a força policial, sua maior referência contemporânea; nós, seus amigos e companheiros, perdemos a dignidade exemplar de um companheiro de lutas; e o Brasil perde o filho ilustre, dos maiores do seu tempo.
Poderosa inteligência, aperfeiçoada e amadurecida no trato das investigações policiais complexas, como a descoberta dos despojos do mais procurado criminoso de guerra nazista, Joseph Mengele, e a captura do mafioso italiano Tomazzo Buscheta, cujas confissões permitiram desbaratar grande parte da máfia norte-americana e italiana. Esses feitos lhe conferiam a capacidade de analisar com percuciência e sintetizar com lucidez. Dono de uma vontade inflexível, decidia com firmeza e realizava com bravura. Mas tinha um coração sem ódios e com horror a todo tipo de tirania, que ofendia sua consciência democrática e seu espírito cristão.
Esses eram os atributos marcantes do seu caráter, que o faziam merecedor do respeito dos adversários, da admiração dos amigos e da gratidão do povo. Sua opinião era consultada, ouvida, respeitada e acatada sempre que as nuvens negras e pesadas dos maus presságios do crime pairassem no horizonte da nossa Pátria.
Sua carreira imaculada, competente e incansável, testada em todos os cargos públicos que ocupou ao longo de quarenta anos, lhe davam as mais altas credenciais diante da opinião pública. Era carinhosamente chamado de “xerife” pelos brasileiros, que acompanhavam com simpatia, admiração e entusiasmo a sua luta sem tréguas e sem medo na repressão aos criminosos do colarinho branco, às hediondas fraudes contra a Previdência Social, à prostituição e ao tráfico de crianças, à exploração dos índios, à devastação da Amazônia e, especialmente, ao narcotráfico, pelo qual ele tinha verdadeira repulsa.
Cultuava a modéstia e só aceitava ocupar a ribalta quando convocado para chefiar uma investigação espinhosa, reclamada pela Nação, como a que resultou na expulsão do então Deputado Hildebrando Pascoal, por crimes de narcotráfico, e de Carlos Gratz – da terra de V. Exª –, por envolvimento com o crime organizado.
Sempre bem informado, dominava fatos, acontecimentos e enfrentava problemas com a mestria de um matemático na busca de uma incógnita fugidia. Não se detinha enquanto não a elucidava do emaranhado dos falsos fenômenos e das aparências artificiais que a encobriam. Paciente tenaz na inquirição das melhores soluções, só descansava quando a sua dúvida era aplacada e ele conseguia vislumbrar os primeiros raios do sol da justiça. Uma vez solucionado o caso, retornava para o fundo do palco, para se dedicar à longa rotina dos seus compromissos.
Dotado de notória autoridade moral, testada por anos de atuação incorruptível, sua liderança não era exercida pela força ou com arroubos de arrogância. Não impunha suas convicções, por mais cristalizadas que fossem, pela ameaça, nem pela violência, assim como nunca soube contrabandeá-las pela mistificação do engodo ou pela demagogia. Discutia, argumentava, persuadia e conquistava.
Nos momentos mais duros das controvérsias de uma sociedade com tantas disparidades, sua alma conciliadora e sua natureza gentil não o permitiam perder a altivez de sua compostura nem se tornar irascível. Abominava a intransigência dos fanáticos e a intolerância dos sectários, que, uma vez cegos pelo orgulho, tornam-se energúmenos e se blindam aos apelos da razão.
Era homem do diálogo, da voz amena, das palavras sábias e generosas, dos conselhos sinceros e lúcidos. Mesmo no obscuro período do arbítrio, que por vezes ocorre na vida dos povos, ele foi, na toda poderosa Polícia Federal, de então, o baluarte da democracia, com respeito monástico aos princípios cristãos e zelo diuturno na defesa dos sagrados direitos do homem.
Foi inesquecível o seu encontro com o então líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva na carceragem da ditadura. Lula amargava a prisão e, pior que isso, a perda da sua mãe, a mulher que, no sacrifício, na renúncia, no idealismo, forjou e legou ao País um dos maiores Presidentes da nossa história. No chefe de polícia, Lula encontrou solidariedade para a sua dor e respeito ao seu sofrimento. Contrariando o protocolo e arriscando a carreira de uma vida, o delegado Tuma permitiu que o jovem líder político estivesse presente no momento em que o corpo de sua mãe era dado à sepultura.
Anos mais tarde o destino faria o caminho desses dois brasileiros se cruzar no exercício de mandatos públicos: um, como Presidente da República; o outro, como Senador da República, defendendo as cores do bravo estado de São Paulo, que ele se orgulhava de representar nesta Casa. Não cabia o espírito de revanche, nem mágoas, nem ressentimentos, nem vinditas; pelo contrário, apenas a gratidão, a profunda consideração, a lembrança daquele encontro fatídico de outrora.
A convivência afável e os sábios ensinamentos, a ponderação de suas observações, sua presença atuante e inspiradora ao longo dos últimos oito anos serão sempre um patrimônio intelectual que preservarei no curso da minha modesta vida pública.
Ele já tinha atingido o apogeu de sua brilhante e produtiva carreira e podia gozar o merecido descanso, mas o seu incansável espírito público o compelia ao serviço da Pátria. Homem de eleição, espírito de eleição, por duas vezes se submeteu à escolha soberana do povo e em candidaturas à Casa do Senado Federal e em ambas foi calorosamente aclamado por uma votação espetacular, de muitos milhões de votos. Assim, surgia o parlamentar eminente, cuja nobre ambição de servir e preservar os valores perenes da Pátria iria consagrá-lo com o apreço do povo. Nunca fugiu às exigências do cumprimento do dever, com o qual não transigia. De maneira serena, criativa e valente enfrentava esse dilúvio de ódios e paixões da vida pública, para elucidar crimes e pôr na cadeia criminosos, fossem quais fossem, e também para encontrar as soluções pacíficas para as controvérsias do nosso tempo.
Nos últimos anos, resistiu o quanto pôde, buscando no seu espírito espartano os recursos sobre-humanos para continuar sua luta em prol do Brasil. Não foi poupado da campanha das calúnias, injúrias e infâmias, que o amarguraram inumeráveis vezes nos últimos anos, tornando sofrida a sua incansável peregrinação de estadista e homem público.
A sua vida encerra uma lição de humildade e persistência e sua morte nos ensina que um homem de bem luta até o último dia por seus ideais. Este foi o grande exemplo do Senador Romeu Tuma, serviu a vida inteira e morreu na luta pelos seus ideais de servir ao povo brasileiro.
Na tribuna do Senado Federal, nas Comissões e na Mesa Diretora, ficará para sempre um vazio que o tempo não preencherá. No coração do povo de São Paulo, um voto de pesar e de saudade. Na enlutada alma nacional ficará a tristeza da perda do policial incorruptível, do Senador da República servidor do povo e amigo de todos, que, agora, no panteão da Pátria, fulgurando na constelação dos brasileiros ilustres, irá iluminar e inspirar com seu exemplo as gerações futuras. Com a lição imortal da sua vida, reanimam-se os mais altos valores morais e de dignidade do povo brasileiro.
Pelas salas do Senado Federal, nas comissões temáticas e, sobretudo, na tribuna do plenário, o seu nome será sempre recordado quando o tema for conter a violência, legislar, aperfeiçoar, aplaudir ou criticar nossos instrumentos de Estado para investigar, processar, reprimir o crime. Nessa mesma hora será lembrada sua inteligência e seu espírito altivo de um homem de bem.
Que Deus o tenha!
Que descanse em paz o nosso companheiro Senador Romeu Tuma, grande brasileiro e grande exemplo!
Muito obrigado, Sr. Presidente.